Nem mesmo o horário eleitoral consegue ser mais chato do que as últimas temporadas da Fórmula 1. Durante a corrida de ontem, este cronista precisou de litros e litros de café amargo para não cair em sono profundo e perder o horário de fechamento da coluna. A cada parada de Rubinho e Schumacher nos boxes, eu corria para a cozinha, onde fazia o meu pit-stop particular, rico em cafeína. Não era para menos. Impossível acompanhar com interesse uma prova na qual a menor distância entre os dois pilotos da Ferrari foi de um segundo – e a maior não passou de dois segundos. Os carros do brasileiro e do alemão funcionavam como relógios suíços, as trocas de pneus e reabastecimentos aconteciam no mesmo milésimo de segundo e a briga direta pela primeira posição estava visivelmente proibida pela equipe.
Por sorte, os chefões da Ferrari resolveram animar um pouco a nossa tarde e mandaram o Schumacher retribuir aquela gentileza do Barrichelo no início da temporada. O tema da vitória serviu para me tirar do estágio sorumbático no qual me encontrava àquela altura dos acontecimentos. Despertado pelos famosos e saudosos acordes, eu saí dos braços de Morfeu para cair nos braços do bom e velho futebol – este sim um esporte que dificilmente dá aquele soninho de depois do almoço. Para quem gosta de imprevisibilidade, os jogos do Campeonato Brasileiro são um prato cheio.
Sim, porque quem diria que o veterano Valdir marcaria dois gols em seu regresso a São Januário, após sete anos sem defender as cores vascaínas e quatorze meses de inatividade? Quem diria também que, com os gols e assistências de Valdir, a combalida equipe cruzmaltina daria um baile na Portuguesa e voltaria a respirar na competição? E que dizer de Rodrigo Fabri, há tanto tempo sem viver bons momentos nos clubes que defendeu, que agora é o artilheiro do campeonato, com dez gols? Artilheiros que renascem como lázaros. Milagres do futebol.
Querem mais surpresas? Que tal Corinthians x São Paulo? Não falo do placar, nem do excelente nível da partida – absolutamente dentro das expectativas dos que entendem do riscado –, mas dos protagonistas da tarde. Quem foi ao Morumbi para ver o duelo de Ricardinho e Guilherme saiu extasiado com as atuações de Gil e Reinaldo, artilheiros do confronto, que balançaram as redes duas vezes cada um. Os pré-candidatos a herói do jogo, por outro lado, não justificaram a fama. Ricardinho teve atuação discretíssima e Guilherme só foi notado quando perdeu um pênalti. Kaká, outro queridinho da torcida, apesar de ter jogado com liberdade, perdeu um gol mais do que feito. Coadjuvantes que viram heróis. Delícias do futebol.
Os cariocas poderão ficar espantados, mas Reinaldo – o mais eficiente atacante do São Paulo – é aquele mesmo centroavante trombador e limitadíssimo que deixou a Gávea sob vaias da torcida rubro-negra. É surpreendente como os 400 km que separam as duas maiores cidades do país produzem, sobre alguns jogadores, efeitos só comparáveis aos fenômenos do Triângulo das Bermudas. Viola vem para o Rio e desaparece. Reinaldo vai para São Paulo e vira ídolo da torcida. Mágicas da Ponte Aérea. Fenômenos do futebol.
O Flamengo sabe muito bem o que são as surpresas do futebol. Depois da fantástica vitória de domingo passado, na casa do poderoso Atlético-MG – um dos líderes do torneio –, jamais poderia imaginar que iria acabar perdendo feio da Ponte Preta, com direito até a um inesquecível gol de letra. Toques desconcertantes, resultados desconcertantes. Dramas do futebol.
Para completar a rodada, lá na Vila Belmiro – onde teve gol legítimo que não valeu, catimba de todos os naipes, expulsões e muita confusão –, o Palmeiras, que vinha perdendo de todo mundo, arrancou um bom empate diante do forte time do Santos. Considerando que o Peixe tem um fabuloso aproveitamento dentro de casa e que o alviverde jogou com um a menos durante todo o segundo tempo, o resultado foi mesmo surpreendente. E com uma virada igualmente surpreendente, o Botafogo escapou provisoriamente da inquietante zona de rebaixamento. Esperanças que nunca morrem. Epifanias do futebol.
Um viva ao futebol, meu sempre confiável remédio anti-monotonia. Espero que um dia a Fórmula 1 consiga voltar a ser imprevisível como um clássico de domingo. Enquanto isso, resta-me apenas lembrar que quando o Schumi ganhou a corrida da marmelada, entregou o troféu do vencedor para o Rubinho. Será que o brasileiro ontem retribuiu o gesto?