A lição de Diniz para os reacionários da bola
Defender uma proposta revolucionária de futebol já é o grande legado do técnico do Fluminense, independentemente do resultado no Mundial
Fernando Diniz choca o status quo do futebol não só por interpretar o jogo diferente da maioria, mas, principalmente, por não se render à cultura resultadista. Enquanto muitos repetem clichês como “o importante é bola na casinha”, o treinador do Fluminense e da seleção brasileira defende que a vitória não deve ser o único fim do esporte. Foi assim que venceu a Libertadores pelo clube tricolor.
Em 2014, quando Diniz surgia no Audax, seu amigo e ex-treinador, Oswaldo de Oliveira, que na época comandava o Santos, insinuou que o estilo proposto pelo antigo pupilo seria inviável em times grandes. “É mais fácil fazer isso no Audax. Lá não tem pressão, a chinelada dói menos que nos nossos jogadores”, disse Oliveira.
Com o tempo e as oportunidades que surgiram na carreira, Diniz provou que era possível reproduzir a mesma ideia de jogo do Audax em clubes maiores e até mesmo na seleção. No entanto, sempre teve de lidar com a desconfiança. Antes do título da Libertadores, carregava a pecha de técnico que “nunca ganhou nada” em time grande, mesmo após ter conquistado o Campeonato Carioca diante do Flamengo.
Na véspera da final contra o Boca Juniors, o ex-técnico Joel Santana chamou Diniz de “teimoso” e afirmou que o Fluminense perderia a taça caso o comandante insistisse com sua proposta ofensiva. Porém, ignorando todos os críticos, o time tricolor jogou de peito aberto no Maracanã e, dessa forma, conquistou seu primeiro título do torneio continental.
Agora, o crítico da vez é Renato Gaúcho. O técnico do Grêmio diz ser “totalmente contra” o estilo de jogo de Diniz, por entender se tratar de uma roleta-russa. “É bonito, mas é arriscado”, argumentou. Incomodado com a repercussão de suas falas, Renato divulgou uma nota em que afirma respeitar o colega de profissão, negando ter feito uma crítica a seu estilo de jogo.
Entretanto, ao se dizer “totalmente contra” à forma das equipes de Diniz jogarem, Renato Gaúcho acaba deslegitimando um método que já se mostrou muito eficaz, tanto que, nesta temporada, levou o Fluminense à final do Mundial de Clubes. Ninguém é obrigado a replicar o dinizismo. Mas suspeitar da eficiência do modelo se torna, no fim das contas, um tipo de negacionismo.
É claro que Diniz sabe que sua proposta é arriscada. Sabe, também, que os ganhos superam os riscos. Vários gols do Fluminense começam com construções de jogada a partir do campo de defesa. Por outro lado, seu time passou mais de um ano sem tomar um gol sequer por erro na saída de bola. Com o time bem treinado, o risco é friamente calculado.
Diante de modelos transgressores como o de Diniz, em que todo empirismo típico do futebol brasileiro é colocado à prova pela ciência de estudar o jogo e assumir riscos em busca de um ganho maior, é normal e até esperado que figuras reacionárias do meio se espantem. O reacionário tende a se posicionar contra qualquer mudança revolucionária, as modernidades e a evolução científica. Naturalmente, o dinizismo não deixaria de incomodar os reacionários da bola.
Porque a proposta do técnico do Fluminense foge do lugar comum, dos clichês e explicações preconcebidas. Foge à ideia, igualmente reacionária, de que o jogador é máquina, de que não deve ter liberdade para jogar e pensar. Ou de que o jogador, se for preto e de origem humilde, pode ser associado à criminalidade sem quaisquer constrangimentos.
Em sua entrevista coletiva antes da final, Diniz deu várias aulas, uma delas sobre o racismo estrutural, ao dizer que o Fluminense representa as favelas do Brasil. Outra, aos reacionários de plantão, ao bancar seu estilo de jogo até mesmo contra o poderoso Manchester City. Independentemente do resultado no Mundial, o treinador já deixou um grande legado. Tanto para o clube tricolor quanto para as mentalidades antiquadas do futebol brasileiro.