Abel Ferreira dá bom exemplo ao se desculpar por expressão racista
Treinador do Palmeiras usou gíria depreciativa contra povos indígenas, mas emitiu comunicado se retratando pelo erro
Em deslize cometido durante coletiva de imprensa após a vitória do Palmeiras sobre o Atlético-GO, nesta quinta-feira, Abel Ferreira utilizou expressão obsoleta e preconceituosa ao explicar o apreço de seu time pela organização defensiva e exaltar a importância do volante Aníbal Moreno.
“Não é uma equipe de índios”, afirmou o treinador, para em seguida sublinhar que o Palmeiras é um time organizado e com equilíbrio defensivo. Em primeiro lugar, o termo “índio” se tornou antiquado e carrega histórica conotação depreciativa. As identificações mais apropriadas atualmente são “povos indígenas” ou “indígenas”.
Por outro lado, a expressão “time de índio” sempre foi banalizada como uma gíria da bola em referência a equipes mal organizadas ou taticamente frágeis. Em 2019, Abel Braga, então técnico do Flamengo, também recorreu ao jargão preconceituoso ao justificar a necessidade de maior atenção ao sistema defensivo rubro-negro.
Relacionar povos indígenas a estereótipos pejorativos, como ocorre em outra expressão de uso corriqueiro, “programa de índio”, é uma manifestação de racismo, ainda que não se tenha a intenção de ofender a coletividade indígena. Ao ser alertado sobre a carga discriminatória do termo no Brasil, Abel Ferreira tentou se esquivar num primeiro momento, dizendo repudiar toda forma de preconceito, porém sem reconhecer o equívoco.
Já no início da tarde desta sexta, o treinador do Palmeiras emitiu um novo comunicado se retratando pela fala preconceituosa. “Infelizmente, há expressões que continuamos a perpetuar sem que nos debrucemos sobre o seu conteúdo. Errei ao usar uma dessas expressões na coletiva de imprensa. Peço desculpa a todos e, em especial, às comunidades indígenas”, escreveu o técnico.
Abel poderia ter insistido no erro e se amparado no fato de outros treinadores e jogadores brasileiros terem utilizado a mesma expressão anteriormente, mas demonstrou grandeza e humildade ao refletir sobre o deslize. Geralmente, quando confrontadas por reproduzir estereótipos racistas, a maioria das pessoas tem dificuldade de assumir falhas e prefere abraçar de vez a ignorância a desconstruir preconceitos enraizados.
Quando alguém aponta um comportamento preconceituoso, o melhor caminho é buscar a autocrítica sincera para evoluir como ser humano, a exemplo de Abel Ferreira. Não foi preciso cancelar o técnico nem pregar em sua testa o rótulo de racista. Ao perceber o erro, de cabeça fria depois do calor de uma partida, o técnico português dá um bom exemplo à comunidade do futebol.
Mostra que todo ser humano é passível de erros e deve estar aberto a refletir sobre as mudanças sociais. Que, por mais batidas que sejam, algumas expressões contribuem para a perpetuação de preconceitos e precisam ser abolidas não só do contexto do esporte, mas do vocabulário popular como um todo. E que, ainda mais pelo histórico de extermínio, violências e massacres encampados pela colonização, respeito é o mínimo que os povos indígenas merecem.