Abuso sexual contra jogador revela como cultura machista intoxica o futebol
Lucas Ocampos, atacante do Sevilla, foi molestado por torcedor adolescente durante partida do Campeonato Espanhol
O abuso sofrido pelo atacante Lucas Ocampos na vitória do Sevilla sobre o Rayo Vallecano, pelo Campeonato Espanhol, repercute pelo mundo e pelas redes sociais como um meme, uma galhofa inocente, mas deveria ser tratado como realmente é: uma violência sexual.
Enquanto se preparava para cobrar um arremesso lateral, o jogador argentino foi apalpado pelas costas por um torcedor do Rayo que estava sentado na primeira fileira das arquibancadas do estádio de Vallecas. Ele se virou contra o agressor, mas, ao perceber que se tratava de um jovem adolescente, teve sangue frio para relatar ao árbitro da partida a agressão que acabara de sofrer.
Diante dos protestos do atacante, outro adolescente, que estava ao lado do agressor, se levanta e chama o jogador do time adversário para a briga. Em volta, alguns torcedores – adultos – do Rayo Vallecano riem e se divertem com a cena, à medida que outros se levantam para proferir xingamentos contra Ocampos.
Quem frequenta estádios de futebol, seja na Espanha ou no Brasil, sabe que o ambiente normaliza comportamentos que deveriam ser recriminados, como racismo, homofobia, xenofobia e o machismo. Nesse ambiente, jovens e adolescentes aprendem desde cedo a reproduzir a má conduta dos mais velhos. Tanto que, em outubro do ano passado, no estádio do Sevilla, uma criança foi flagrada pelas câmeras imitando macaco em provocação racista direcionada a Vinicius Jr.
Dessa vez, para além das violências toleradas na arquibancada, a agressão sofrida por Ocampos revela como a cultura machista intoxica o futebol. Dos atletas, que não raro se dedicam a provar sua virilidade com peitadas, cotoveladas e encaradas, aos torcedores, que recorrem a atos violentos e discriminatórios para subjugar rivais, a masculinidade frágil é visível em praticamente todas as áreas do futebol masculino.
Um contexto que abre caminho para a banalização de ofensas, provocações e ataques homofóbicos, em que agressores não temem as consequências de agir num espaço cercado por câmeras e holofotes. Em 2015, o defensor chileno Gonzalo Jara deu uma dedada nas partes íntimas do uruguaio Edinson Cavani, que foi expulso por revidar o toque com um tapa. Depois de ter sido suspenso pela Conmebol, Jara se disse injustiçado e afirmou que atos obscenos como aquele são “coisas do futebol”.
Justamente por tratar abusos sexuais, agressões discriminatórias e violência homofóbica como parte do jogo, o futebol acabou contaminado por comportamentos que levam um adolescente a se sentir encorajado a apalpar um jogador adversário dentro do campo. O Rayo identificou o torcedor e La Liga promete denunciá-lo ao Ministério Público Infantojuvenil da Espanha, mas a mudança não implica somente em punição, como também em reconhecer e combater a cultura machista entranhada no esporte.