Ausência de técnicos e presidentes negros é reflexo da estrutura racista no futebol
Comando dos clubes e federações continua monopolizado por brancos incapazes de implementar políticas verdadeiramente inclusivas
É simbólico que neste 20 de novembro nenhum dos 20 clubes de primeira divisão no Brasil seja dirigido por treinador ou presidente negro. O futebol de tantos ídolos pretos segue restrito ao comando dos brancos.
Ronaldo, ex-jogador que comprou o Cruzeiro, é o único dono negro entre clubes que viraram SAF. Já a presidência da associação está a cargo de Sergio Santos Rodrigues. Para ocupar seu lugar a partir de janeiro do ano que vem, foi eleito o conselheiro Lidson Potsch, que também é branco. Em julho, o clube criou um Comitê de Inclusão e Diversidade, com ampla maioria de integrantes brancos.
No Vasco, que se orgulha de ter sido o primeiro clube esportivo brasileiro a eleger um presidente negro e da Resposta Histórica, ocasião em que se recusou a disputar um campeonato como afronta à liga que reivindicava a exclusão de seus atletas pretos, em 1924, protagonizou uma eleição recente – vencida pelo ex-jogador Pedrinho – sem nenhuma chapa encabeçada por candidato negro.
Os casos de Cruzeiro e Vasco resumem como dirigentes que monopolizam o comando de clubes e federações têm sido incapazes de implementar políticas verdadeiramente inclusivas no futebol. Muitos publicam posts e divulgam ações especiais para o Dia da Consciência Negra, mas boa parte seguirá normalizando a ausência de pessoas negras no alto escalão.
Há um evidente privilégio a brancos em posições de liderança, reflexo de um país onde só 5% dos cargos executivos em grandes empresas são ocupados por negros. A diferença é que, ao contrário do mundo corporativo, o futebol não pode se apegar à desculpa batida de que “faltam profissionais negros qualificados no mercado”.
O que explica a escassez de técnicos e executivos negros sendo que a maioria dos que ocupam essas funções é composta por ex-jogadores que, em boa medida, também provêm das classes desfavorecidas? Na hora de ascender a posições de comando após pararem de jogar, a proporção de brancos é muito maior que a dos negros que conseguem dar esse salto.
Diante de uma inegável estrutura racista, a implementação de cotas raciais para o alto escalão do futebol representaria o primeiro passo para iniciar o desmonte do racismo estrutural. Um movimento que deveria ser capitaneado pela CBF, que, além de exigir que os clubes entrevistem profissionais negros para cargos executivos e de treinador, deveria se responsabilizar pela garantia de oportunidades a profissionais que buscam formação.
O curso de treinadores, requisito para exercer a profissão, por exemplo, é inacessível para a maioria da população. Conseguir todas as licenças exigidas para treinar equipes profissionais demanda um investimento de aproximadamente 50 mil reais. Boa parte do público interessado não é de ex-jogadores consagrados nem ostenta reserva financeira para arcar com os custos.
Regido pela CBF, que finalmente tem um presidente negro, o baiano Ednaldo Rodrigues, o curso poderia ser o marco na política de cotas do futebol ao oferecer bolsas para minorias étnicas. Isso, sim, seria uma ação antirracista mais efetiva e transformadora que campanhas em rede social neste 20 de novembro.
Ter consciência negra implica em reconhecer e mudar radicalmente a estrutura racista do futebol que impede não somente a ascensão, mas também a consolidação de profissionais negros. Enquanto o comando continuar sob exclusividade dos brancos, nenhuma medida será suficiente para camuflar o racismo escancarado à beira e fora do campo.