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Caso Cuca: duas interpretações válidas e uma ressalva sobre o mea-culpa tardio

Treinador que conseguiu anular condenação por estupro na Suíça reconhece pela primeira vez a necessidade de mudar postura

11 mar 2024 - 17h41
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Cuca lê pronunciamento sobre anulação de processo na Suíça
Cuca lê pronunciamento sobre anulação de processo na Suíça
Foto: Reprodução/RPC

Finalmente, Cuca resolveu fazer um mea-culpa sobre o episódio que ficou conhecido como “escândalo de Berna”, na década de 1980, quando foi condenado por estupro de uma garota de 13 anos na Suíça. Em janeiro, o técnico conseguiu a anulação do processo, sendo que a Justiça local, levando em conta que o crime já havia prescrito, não entrou no mérito se ele era inocente ou culpado.

“Muitos [profissionais do futebol] se perdem pelo caminho com fama e dinheiro. Somos levados a acreditar que podemos tudo, inclusive desrespeitar as mulheres. Precisamos dar aos mais novos a oportunidade de não errarem como tantos de nós erramos”, afirmou Cuca ao ler um pronunciamento após sua estreia pelo Athletico, se comprometendo a tomar, daqui em diante, atitudes em defesa das mulheres a fim de reparar o erro do passado.

Há quem tenha interpretado a mudança de postura tardia do treinador como um recurso desesperado e oportunista para sobreviver no mundo do futebol. Afinal, Cuca teve a chance de se redimir várias vezes desde que o caso voltou à tona em 2020, quando trabalhava no Santos, mas preferiu o silêncio e a omissão. Se limitava a alegar inocência e fugia de questionamentos sobre o tema.

Porém, ao ser recebido com protestos pela torcida do Corinthians e ter sido obrigado a entregar o cargo depois de apenas dois jogos no comando do time paulista, acuado por pressões internas e externas, ele decidiu reivindicar a anulação do processo na Suíça. Se desde a época do escândalo Cuca já admitira, inclusive publicamente, ter cometido uma “falta”, por que só mudou de postura quando o resgate do caso virou uma ameaça real à sua carreira?

É válido questionar a sinceridade do mea-culpa do treinador enquanto as tais atitudes que promete tomar não se tornarem públicas e efetivas, assim como também é válida a leitura de quem enxerga um avanço a partir do compromisso assumido pelo treinador de se converter em um aliado na luta pela igualdade de gênero.

Diante de tantos casos de violência contra a mulher protagonizados por referências do futebol, como os goleiros Bruno e Jean e os ex-jogadores da seleção, Daniel Alves e Robinho, condenados por estupro, a atitude de Cuca, que mesmo tardiamente reconhece o erro, é, de fato, rara. Na maioria dos casos, impera a narrativa dos homens que insistem em culpar as mulheres pelos seus crimes.

Como Cuca afirma no pronunciamento, “uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir com a vida dela sem permanecer machucada”, ao contrário do treinador, que segue prestigiado na profissão. Sandra Pfäffli, a única vítima do escândalo de Berna, que era uma criança na época, morreu 15 anos depois de ter denunciado o estupro coletivo. Segundo um dos advogados de sua família, ela teria tentado se suicidar por causa do trauma.

Hoje, enfim, Cuca entende que o caso não é sobre ele, mas, essencialmente, sobre Sandra e todas as vítimas que têm suas vidas dilaceradas pela violência machista. Demorou, mas antes tarde do que nunca. E aqui entra uma ressalva em meio às duas interpretações válidas sobre o pronunciamento.

A mudança de postura não representa um avanço de Cuca, tampouco uma vitória pessoal digna de aplausos. Trata-se, por outra perspectiva, de uma conquista do movimento feminista, coletivos de torcedores do Corinthians engajados na causa e de todas as mulheres que são protagonistas nessa luta, sobretudo nomes que militam no meio esportivo, como Milly Lacombe, Ana Thaís Matos e Renata Mendonça, que, por muito tempo, foram vozes isoladas na tentativa de chamar a atenção da sociedade para a vista-grossa de clubes, dirigentes e torcedores em torno da grave condenação que até então pesava contra o treinador.

Graças à incansável e persistente mobilização liderada por mulheres, o técnico abriu os olhos a ponto de compreender que a anulação de uma condenação não é capaz de apagar o passado nem de reparar o erro. Mais do que dar sequência à carreira, cabe a Cuca tirar do papel o compromisso social que assumiu, pois o meio que por tanto tempo acobertou a história de Berna seguirá atento e vigilante devido à igualmente tardia ocupação do espaço pelas mulheres.

Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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