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Como Paulo Freire explica o duelo entre técnicos revolucionários na Copa do Nordeste

Treinadores de Sport e Fortaleza, os argentinos Mariano Soso e Juan Pablo Vojvoda se conectam pela visão humanista do futebol

21 fev 2024 - 07h00
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Mariano Soso e Juan Pablo Vojvoda se enfrentam pela primeira vez no Brasil
Mariano Soso e Juan Pablo Vojvoda se enfrentam pela primeira vez no Brasil
Foto: Divulgação

Sport e Fortaleza se enfrentam nesta quarta-feira pela Copa do Nordeste, em duelo instigante entre os técnicos Mariano Soso e Juan Pablo Vojvoda, que começam bem a temporada à frente de seus respectivos clubes. Além de compatriotas, os treinadores argentinos compartilham de uma visão humanista do futebol, fruto de trajetórias pouco convencionais no meio.

Filho de professora de escola pública e ativista dos direitos humanos, Soso conciliou sua formação no esporte de alto rendimento com o viés educacional. Ele se inspira na metodologia de Paulo Freire, patrono da educação brasileira, que nasceu justamente em Pernambuco, estado onde o técnico desembarcou no fim do ano passado para sua primeira experiência no Brasil.

Adepto do jogo ofensivo e da posse de bola, o comandante do Sport parte de uma premissa fundamental para implementar sua filosofia de trabalho: a conexão íntima com os jogadores e a cultura local. Assim como Freire pregava em seu conceito de pedagogia crítica, Soso enxerga os atletas como iguais, capazes de responder às propostas treinadas a partir de suas vivências, sem uma limitação hierárquica que os engesse em um esquema tático. Ou seja, suas formações se adaptam ao elenco e ao clube, não o contrário.

Para isso, o principal é a relação humana que desenvolve no dia a dia, baseada na incorporação de hábitos e rituais típicos do ambiente em que trabalha. Embora esteja há apenas dois meses no Brasil, tem se esforçado para se comunicar em português e se adaptar à cultura pernambucana. De prestigiar o Carnaval de Recife ao apreço pela culinária local.

Do outro lado, Vojvoda engata a quarta temporada consecutiva à frente do Fortaleza. Pelos títulos e feitos alcançados, como levar o time cearense à Libertadores e a uma final de Sul-Americana, já se tornou o maior treinador da história do clube. Mas ganhou o respeito dos torcedores do Leão principalmente pela forma como valoriza o cargo.

Apesar de não se inspirar abertamente em Paulo Freire, o técnico tricolor, que por pouco não se formou em medicina, traz lições do pensamento freiriano ao futebol brasileiro. “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”, pregava o educador pernambucano. Exatamente o que faz Vojvoda no Fortaleza.

Em várias ocasiões, o técnico argentino se disse grato ao clube pela oportunidade de trabalhar no Brasil e atingir o ápice da carreira, mas não ficou só no discurso. Recebeu propostas mais vantajosas para dirigir equipes de maior visibilidade e recusou por acreditar no projeto de longo prazo do Fortaleza.

Questionado se a permanência no clube não seria um sinal de acomodação, Vojvoda deu uma resposta bastante didática: “Não é por comodidade. Eu tenho o direito de decidir onde quero morar, onde quero trabalhar e com quem quero trabalhar. O Fortaleza é um clube grande e ainda não chegou ao topo. Meu desafio é que time e treinador continuem crescendo juntos.”

Tratados por boa parte dos técnicos brasileiros como meros trampolins ao longo de décadas, os clubes do Nordeste descobrem em profissionais como Soso e Vojvoda a possibilidade de serem vistos como as devidas potências que representam. Cada um ao seu estilo, respeitando as peculiaridades dos lugares onde trabalham e mirando o crescimento coletivo em profunda comunhão de ideais.

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar o opressor”, dizia Paulo Freire, em um mandamento que resume sua pedagogia. Em uma região historicamente oprimida do país, tanto Soso quanto Vojvoda protagonizam o ato revolucionário de libertar seus clubes da mentalidade opressora e limitante do passado, o que explica o simbolismo do jogo desta noite na Arena de Pernambuco.

Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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