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Comparar atleta com trabalhador virou mania tóxica do torcedor brasileiro

Ignorando que atletas também vivem rotinas estressantes de trabalho, parte da torcida do Brasil na Olimpíada insiste em comparação descabida

30 jul 2024 - 13h21
(atualizado em 2/8/2024 às 15h51)
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Isaquias Queiroz reclamou das condições de sua cama na Vila Olímpica
Isaquias Queiroz reclamou das condições de sua cama na Vila Olímpica
Foto: Getty Images

Um fenômeno típico de Olimpíada é o torcedor que, a cada quatro anos, se torna especialista em todas as modalidades esportivas. Este, por sinal, representa um movimento saudável que ajuda a popularizar outros esportes além do futebol e a ampliar o alcance de atletas olímpicos que não têm a mesma atenção da mídia.

O que prejudica a relação do brasileiro com o esporte é a mania tóxica de comparar a realidade dos atletas com a do trabalhador comum, como se fossem classes opostas. Um exemplo é a repercussão da crítica feita pelo canoísta Isaquias Queiroz às acomodações da Vila Olímpica, em Paris.

“Dormir naquela cama é doído demais. Acho que foi por isso que eu tive dor de cabeça”, reclamou Isaquias, endossando queixas registradas por delegações de outros países, que chegaram até a comprar colchões novos e mais macios para os quartos de seus atletas.

Nas redes sociais, torcedores brasileiros reagiram à justa reclamação do canoísta com comentários do tipo “quando era pobre, não reclamava da cama” ou “não aguentaria uma semana trabalhando de carteira assinada”. Mesmo tom das críticas ao skatista Kelvin Hoefler, que, após a eliminação nesta segunda-feira, desabafou dizendo que nunca tirou férias em 23 anos de dedicação à modalidade. “Se tá cansado andando de skate, imagina se trabalhasse em caixa de supermercado”, é o comentário mais curtido em uma das postagens.

Em primeiro lugar, atletas são trabalhadores como outros quaisquer. Muitas vezes com cargas extenuantes de trabalho, uma rotina estressante de treinos e sem o devido reconhecimento. Dependendo da modalidade, inclusive, até mesmo esportistas que já competem no alto rendimento passam necessidades para seguir em frente na carreira.

Por outro lado, como dependem do corpo e medem forças com os melhores de suas áreas, atletas não são mimados ou deslumbrados por reivindicarem condições ideais de alojamento e treinamento. Apenas exigem o mínimo para que estejam aptos a desempenhar todo seu potencial em competições cada vez mais decididas em pequenos detalhes.

A insistente comparação entre esportistas profissionais e trabalhadores comuns é descabida e improdutiva. Além de normalizar a exploração da maioria da população brasileira, que realmente trabalha muito e ganha pouco, desconsidera as particularidades que moldam o universo dos esportes, contribuindo para a desumanização de ídolos nacionais.

Se alguns atletas – a minoria, diga-se – recebe altos salários, é porque atingiram um patamar em que poucos chegam, inseridos num meio onde há muito dinheiro circulando, dos patrocinadores aos direitos de transmissão. Nada mais justo que a fatia do bolo seja dividida com os protagonistas do espetáculo. Quando competidores de alto rendimento reclamam do calor, das condições de treinamento ou de descanso, é porque sabem que, para alcançar o melhor desempenho, precisam cuidar do corpo da forma mais diligente possível.

De fato, há atletas que se deslumbram ao chegar ao estrelato e acabam se isolando em uma bolha elitista que os distancia da difícil realidade vivida por grande parcela dos trabalhadores brasileiros. Mas não é por reivindicarem a estrutura de trabalho que o esporte tem obrigação de oferecer que se tornam insensíveis ou arrogantes. Isso, pelo contrário, significa respeitar a exigência de cada modalidade em que competem.

Assim como qualquer trabalhador, atletas têm problemas pessoais, sofrem de ansiedade e depressão, sentem dores físicas e se frustram pela falta de reconhecimento profissional. Apesar da fama, que é privilégio de poucos, eles devem ser vistos como parte da classe trabalhadora, desde que não se compare as realidades de profissões e universos tão distintos só para saciar a sede de cancelamentos imposta pela lógica das redes sociais.

Fonte: Breiller Pires Breiller Pires é jornalista esportivo e, além de ser colunista do Terra, é comentarista no canal ESPN Brasil. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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