Contratação de Cuca pelo Athletico é uma afronta às mulheres
Na semana do Dia Internacional da Mulher, clube paranaense anuncia técnico que teve condenação por estupro anulada na Justiça
Condenado por violência sexual contra uma garota de 13 anos na Suíça, na década de 1980, Cuca teve um recurso aceito no início deste ano pela Justiça local, que decidiu anular a pena do treinador, que, na época, havia sido julgado à revelia. Como o crime prescreveu e a vítima está morta, o Tribunal de Berna entendeu que um novo julgamento seria inviável.
Apesar da novidade jurídica, o técnico não foi declarado inocente nem absolvido das acusações que pesavam contra ele e outros três jogadores que defendiam o Grêmio. No processo, constam evidências e depoimentos que levaram as autoridades suíças a condená-lo, como possíveis vestígios de sêmen de Cuca no corpo da vítima.
Depois da chegada frustrada ao Corinthians, onde comandou o time em apenas dois jogos e pediu para sair após protestos da torcida por causa de sua condenação, o treinador resolveu mexer no passado na tentativa de provar inocência. O que antes era um tabu em seu currículo profissional se tornou uma necessidade de sobrevivência no mercado.
Mesmo sem uma sentença que declare Cuca inocente, o Athletico decidiu bancar a contratação do treinador e anunciá-lo na semana do Dia Internacional da Mulher. Não deixa de ser uma afronta às mulheres, mas que condiz com o histórico recente do clube comandado por Mário Celso Petraglia.
Em 2021, indiferente a protestos de torcedores, o clube paranaense contratou o lateral Marcinho, condenado por homicídio culposo pelo atropelamento de um casal de professores. Ele fugiu do local sem prestar socorro às vítimas.
“Erro, todos nós podemos cometer”, justificou Petraglia. “O Athletico tem uma política de dar oportunidades para aqueles que pedem.” Dois anos antes, o presidente do Furacão foi alvo de repúdio do Sindicato de Jornalistas do Paraná por humilhar e hostilizar uma repórter durante uma coletiva de imprensa.
A contratação de Cuca não pode ser dissociada desse contexto, sobretudo depois do que aconteceu no Corinthians. Recorrer aos serviços do técnico, ainda que ele hoje esteja livre do peso de uma condenação, representa, no mínimo, um dilema moral que qualquer clube que se diga verdadeiramente engajado na defesa dos direitos da mulher jamais toparia abraçar.
No mês de março, assim como a maioria dos clubes, o Athletico também é adepto de campanhas de marketing que enaltecem as mulheres. Porém, a prática do clube contradiz todo o discurso de responsabilidade social, a começar por um presidente que não se constrange em mandar uma mulher se calar ao exercer sua profissão, muito menos em bancar um técnico marcado por grave acusação de estupro de um garota de 13 anos.
Por fim, a contratação expõe como o futebol continua sendo um ambiente hostil às mulheres. Assim que deixou a prisão na Suíça, o então jogador Cuca foi para Curitiba se desculpar com os pais de sua esposa pelo escândalo de Berna. “Eles [pais de Rejane] acharam que recebemos uma punição severa demais pela falta que cometemos”, disse na época à revista Placar.
Enquanto Cuca comparou a imputação do crime de violência sexual a uma “falta”, um deslize banal, Tite, seu colega de profissão, mais de 30 anos depois, equiparou o estupro cometido por Daniel Alves na Espanha a um “erro”. Percebendo o equívoco após a repercussão da fala, se retratou, mas não conseguiu disfarçar a forma como os homens do futebol interpretam violências contra mulheres.
Os eufemismos contribuem para que histórias como a de Cuca não demandem as devidas reflexões em um meio acostumado a abafá-las, tornando cada vez mais inócuas e constrangedoras as campanhas que o Athletico e outros clubes farão na próxima sexta-feira em alusão ao Dia Internacional da Mulher.