Daniel Alves, o cidadão de bem e uma distorção conveniente dos direitos humanos
Julgamento do ex-jogador começa na Espanha com pedido de anulação do processo por parte da defesa
Quando anunciou apoio público ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Daniel Alves sabia bem onde estava pisando e quais eram as pautas propagadas pelo então candidato à reeleição. Entre elas, o combate aos direitos humanos e a defesa do que chama de “valores da família”, em que os supostos “cidadãos de bem” que compartilham dos mesmos princípios são adeptos incondicionais da tese do “bandido bom é bandido morto”.
Eis que, no banco dos réus sob acusação de estupro em Barcelona, o ex-jogador agora recorre aos direitos humanos ao reivindicar a anulação do processo, alegando que as autoridades espanholas teriam desrespeitado garantias fundamentais. Foi assim que a defesa abriu o primeiro dia do julgamento que pode resultar em condenação de nove anos de prisão.
Ironicamente, Daniel Alves se vê na situação tão distorcida pela corrente política que apoiou no Brasil: a de suspeito de cometer um crime hediondo. Ao longo de sua carreira política, Bolsonaro se notabilizou por pregar que direitos humanos só servem para proteger bandidos. Defensor da lógica punitivista, o ex-presidente já disse ser favorável à pena de morte, prisão perpétua ou castração química para estupradores – ainda que já tenha dito, também, barbaridades como “não te estupro porque você não merece”, dirigida a uma colega parlamentar.
O fato é que a lógica “bandido bom é bandido morto” simplesmente despreza as tais garantias reivindicadas pela defesa de Daniel Alves e um processo justo, desde que não envolva um dito “cidadão de bem”. Mas graças aos direitos humanos, o ex-jogador teve a possibilidade de se comprometer a pagar uma multa para reduzir a pena, caso seja condenado, de mudar de versão cinco vezes sobre o que aconteceu na noite em que foi acusado de estupro e de depor por último em juízo.
Logo no início do julgamento, a Justiça espanhola rechaçou o pedido de anulação do processo por parte de Daniel Alves, argumentando que o réu, que está preso há pouco mais de um ano em Barcelona, contou com amplo direito de defesa, incluindo duas mudanças de representantes legais. Por outro lado, quem violou garantias fundamentais foram amigos e familiares do ex-lateral, que divulgaram a identidade da suposta vítima.
O ponto é que se não fosse rico, famoso e fiador do bolsonarismo, Daniel Alves seria sumariamente condenado pelo grupo político que apoiou. Mas desde que foi acusado pelo crime na Espanha, nem Jair Bolsonaro nem seus filhos, tão viscerais diante de acusações semelhantes no Brasil, se manifestaram sobre o caso envolvendo o ilustre apoiador.
Mesmo que seja condenado nesta semana, Alves ainda terá direito a recursos em outras instâncias, como ocorreu com Robinho, sentenciado em defitinivo por estupro na Itália. Desde que não distorçam os direitos humanos de acordo com a conveniência, eles servem – ou deveriam servir – para todos, sejam denunciados ou denunciantes, celebridades ou anônimos.