Diniz é uma ideia. E as derrotas não acabam com ideias
Treinador deixa o Fluminense acalentado por eterna gratidão tricolor, apesar de temporada ruim após maior título da história do clube
Fernando Diniz não é apenas um técnico de futebol. Mais do que isso, Fernando Diniz é uma ideia. Um dos raros casos profissionais que emprestam o nome a uma doutrina. Tal qual lendas universais da estirpe de Guardiola e Bielsa, entre amantes e detratores, ele foi consagrado pelo “dinizismo” e a maneira transgressora como seus times jogam.
A demissão do Fluminense, oficializada no início da tarde desta segunda, após uma sequência de oito jogos sem vencer e com o time afundado na lanterna do Campeonato Brasileiro, encerra sua trajetória mais vitoriosa como treinador – marcada pela conquista do título mais importante da história tricolor –, mas não acaba com a semente plantada por Diniz.
Há quem diga que a base do dinizismo é a troca de passes, como a que envolveu por mais de dois minutos o poderoso Manchester City na final do Mundial de Clubes. Para outros, a filosofia de jogo parte do sistema aposicional, em que jogadores se movimentam livremente em busca de espaços pelo campo. Ainda se pode definir o modelo do técnico pela disposição incondicional ao risco, a ponto de cruzar bolas dentro da própria área e recorrer à saída com os pés do goleiro.
Mas, de acordo com Diniz, sua premissa é bem mais simples que qualquer teoria. O dinizismo se baseia nas relações humanas. Em criar conexões profundas com os atletas, convencendo-os de que podem ser muito melhores do realmente são e que, para tanto, precisam estar dispostos a arriscar e a resgatar os garotos sonhadores que foram um dia.
Foi assim que resgatou John Kennedy, herói da conquista da Libertadores depois de ouvir do técnico, ainda à beira do gramado do Maracanã, que ele entraria para marcar o gol do título. Dito e feito. Diniz tenta enxergar o jogador, antes de tudo, como pessoa. E entender o ser humano é meio caminho andado para decifrá-lo e seduzi-lo.
Decifrar o que cada um pode fazer de melhor e seduzir pelo desejo instintivo de praticar bom futebol é uma virtude indissociável do dinizismo. Logo, tentar medir seu sucesso pelo percentual de posse de bola ou número de passes trocados não deixa de ser um reducionismo, pois ignora, precisamente, a dimensão humana e variável do processo.
Esmiuçar o dinizismo significa reconhecer que seu mentor também é humano. Falho, sanguíneo, inconstante. Mais do que as equívocos de percurso, como a injustificável exposição de Tchê Tchê na época do São Paulo ou a recaída de John Kennedy no Fluminense, que chegou a ser afastado neste ano por indisciplina, Diniz parece, enfim, ter se dado conta de sua bagagem de passivos pessoais.
Nunca mais foi o mesmo após a destituição do comando interino da seleção brasileira no início do ano. Esperava ter mais tempo e compreensão da CBF. Ao contrário, a única coisa que recebeu foi o selo tão aguardado por seus críticos, de que supostamente não é capaz de convencer os maiores craques do país a seguirem seus mandamentos.
Uma injustiça que Diniz, avesso a rótulos arbitrários e precipitados, custou a digerir. No dia a dia do Fluminense, sobretudo após resultados negativos, se tornou cada vez mais reativo. Confundiu questionamentos justos ao desempenho da equipe com perseguição e implicância gratuita. Demonstrava sinais de esgotamento físico e mental, provavelmente fruto do desgaste imposto pelos meses de dupla jornada na seleção.
Com as convicções que marcam sua trajetória desde os primeiros passos como treinador no pequeno Votoraty, Fernando Diniz chegou ao topo da América e, no semestre seguinte, ao fundo do poço na tabela do Brasileiro. Não poderia ser diferente. O dinizismo é uma ideologia feita de extremos. Uns amam, outros odeiam. Ou dá espetáculo ou dá vexame. Ou ganha ou perde.
Tremenda ironia do destino, já que, seja como atleta, seja como treinador, Diniz sempre se opôs ao determinismo extremista. Para ele, o futebol não precisa ser um pêndulo do céu ao inferno. Os erros não definem a qualidade de um atleta. As vitórias não moldam o caráter dos campeões. Da mesma forma, as derrotas não simbolizam o carma perpétuo dos perdedores.
Lutar contra o resultadismo, no fim das contas, é um dos maiores legados do dinizismo. Há todo o encanto das imprevisibilidades do jogo e das nuances humanas a ser desbravado e apreciado no futebol. Assim, Diniz encantou e decepcionou. Fez sorrir e fez chorar. Mas, em que pese o mau momento desta temporada, se despede do Fluminense como um vencedor, com a eterna gratidão dos tricolores, hoje convictos de que as derrotas não acabam com ideias.