Flamengo começa bem, mas ainda precisa acertar contas pendentes do ano passado
Em campo, tudo se desenha para uma temporada melhor. A grande preocupação continua sendo os bastidores rubro-negros
Uma atuação segura e, até certo ponto, surpreendente do ponto de vista físico. Se o Flamengo sofreu para manter a intensidade durante os jogos em 2023, a goleada de 4 a 0 sobre o Audax na estreia do Campeonato Carioca mostrou um time bastante dinâmico, com jogadores em ótima forma, apesar de ainda estarem em pré-temporada.
Não que o adversário tenha exigido correria ou dedicação integral dos rubro-negros, mas, de qualquer forma, como as equipes menores costumam dificultar a vida dos grandes em começo de Estadual justamente por estarem em estágio de preparação mais avançado, o Flamengo sobrou tanto no aspecto técnico quanto físico.
Cebolinha mantém o bom nível do fim da temporada passada, Pulgar idem. Gerson, Arrascaeta e Gabigol, que entrou no segundo tempo e admitiu ter sofrido com problemas físicos ao longo do último ano, mostraram desenvoltura. Titular da lateral direita, Varela deu conta do recado e ainda marcou um gol. Depois de 12 jogos no comando, Tite inicia 2024 entregando uma perspectiva muito mais otimista para o torcedor rubro-negro.
Em campo, as coisas andam bem, e tendem a melhorar com a incorporação do uruguaio De La Cruz. Por outro lado, é nos bastidores que reside a principal preocupação para a temporada. Em ano de eleição, o Flamengo deveria se blindar ao máximo para que a política não contamine o futebol. E nesse sentido, a falta de mudanças fora do campo segue gerando insegurança.
Como Tite indica o desejo de manter a base que melhorou o time na reta final do Brasileiro, a tendência é que três medalhões de peso comecem com status de reservas: além de De La Cruz, que ainda não estreou, os ídolos Gabigol e Bruno Henrique. Por mais profissionais que sejam os atletas, nunca é fácil para um treinador administrar egos e vaidades em grupos com talentos de sobra.
Para isso, Tite precisa de anteparo e respaldo de todo o departamento de futebol. Marcos Braz, o chefe da pasta, viveu um ano tenebroso no clube. Se envolveu em briga com torcedor dentro de um shopping, entrou em atrito com Gabigol e ainda viu seu departamento protagonizar cenas insólitas, como a troca de socos entre Varela e Gerson em um treinamento e a agressão de um preparador físico a Pedro.
Aparentemente, o Flamengo pouco aprendeu com as lições dolorosas de 2023. Braz continua intocável no cargo. Dividindo o expediente no clube com as obrigações de vereador, é blindado pelo presidente Rodolfo Landim por sua força política dentro e fora da Gávea, visto como cabo eleitoral indispensável. Jamais foi questionado ou cobrado pelos escândalos e falhas do departamento de futebol.
Mantendo uma estrutura amadora no principal setor do clube, a diretoria rubro-negra passa o recado de que o poderio econômico por si só, capaz de bancar a chegada de estrelas como De La Cruz, compensa a falta de profissionalismo na gestão do futebol. Um setor que depende, cada vez mais, do pulso firme de Tite e sua comissão diante da ausência de um comando com autoridade legítima para cobrar técnico e jogadores.
Outra amostra da resistência de Landim em podar aliados políticos é o caso de Rodrigo Dunshee, vice-presidente jurídico que chegou a ser apontado como responsável pela criação de um perfil falso nas redes sociais para difamar opositores no Flamengo. Nem mesmo a denúncia às autoridades policiais e o silêncio do VP foram suficientes para dissuadir o presidente da ideia de tentar emplacar Dunshee como seu sucessor na eleição prevista para o fim deste ano.
Marcada por escândalos e a perda de todos os títulos possíveis na última temporada, a diretoria do Flamengo ainda precisa encarar seus fantasmas e acertar as contas pendentes para que o elenco mais caro das Américas não continue sendo desperdiçado pelo amadorismo que insiste em reinar nos bastidores, em pesem os nítidos sinais de evolução dentro do campo.