Futebol feminino é uma causa política. E quem não enxerga perde o bonde da história
Governo Lula acerta ao abraçar modalidade e decretar ponto facultativo em jogos da seleção na Copa do Mundo
A luta das mulheres por valorização e visibilidade do futebol feminino se trata, em essência, de um movimento político, ainda mais no Brasil, onde elas foram proibidas por lei de jogar bola ao longo de quase quatro décadas. Durante a Copa do Mundo feminina, essa cruzada histórica ganha holofotes e pode ser potencializada por agentes que entendam a importância de se engajar na causa.
No estádio Mané Garrincha, antes do embarque da seleção brasileira para a Austrália, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de se encontrar com as jogadoras e demonstrar o apoio de seu governo à modalidade. Durante a visita oficial, discursou sobre duas leis que sancionou recentemente: uma que garante igualdade de salários entre homens e mulheres, outra que prevê manutenção do pagamento do Bolsa Atleta a gestantes e mães de recém-nascidos durante o afastamento das atividades esportivas.
Em paralelo, a ministra do Esporte, Ana Moser, trabalha nos bastidores para que o Brasil seja a sede da próxima Copa feminina, prevista para 2027. Um dos principais trunfos da candidatura é o fato de que nenhum país da América do Sul sediou o Mundial da categoria, o que poderia servir para impulsionar não só o futebol feminino brasileiro, mas de todo o continente.
Uma postura que contrasta com a do governo anterior, de Jair Bolsonaro. Mesmo com a Copa de 2019, primeiro ano de seu governo, o ex-presidente preferia marcar presença em jogos e competições masculinas, como a Copa América realizada no Brasil naquele ano. No Mundial feminino, se restringiu a parabenizar a seleção em rede social pela campanha após a eliminação para a França, além de não ter oferecido garantias à CBF na candidatura a sede da Copa 2023.
Não bastasse o distanciamento da modalidade, Bolsonaro ainda entrou em atrito com Marta ao criticar uma questão do Enem sobre igualdade de gênero e dizer que a maior craque brasileira não merecia ganhar o mesmo salário de Neymar. “Uma comparação absurda. O futebol feminino ainda não é uma realidade no Brasil”, argumentou o ex-mandatário. Marta rebateu com classe: “Uns serão lembrados como os melhores da história. Já outros…”.
Em 2019, Marta usou a Copa como plataforma para reivindicar igualdade de pagamentos de premiações e patrocínios, já que os valores oferecidos por marcas e federações às mulheres sempre foram muito inferiores aos do futebol masculino. No ano seguinte, pressionada pelas atletas, a CBF anunciou a equiparação de diárias e premiações das seleções masculinas e femininas.
O discurso encontra eco no atual governo, que tem se esforçado para passar a mensagem de que não só levanta a bandeira da igualdade de gênero, como também coloca em prática políticas para reduzir a discriminação. Nessa esteira, Lula aproveitou a ocasião futebolística para decretar ponto facultativo para funcionários públicos em dias de jogos da seleção. É a primeira vez que a medida, já tradicional em Mundiais masculinos, vigora numa Copa feminina.
Manifestar apoio à causa das mulheres atletas é mais do que uma necessidade de sobrevivência política em uma sociedade cada vez mais sensível a desigualdades e preconceitos. É uma obrigação de Estado, independentemente do governo, para reparar décadas de descaso com o futebol feminino.
A incapacidade do antigo governo em reconhecer o crescimento e o poder de influência da modalidade ajuda a explicar a fraquejada nas urnas entre a maioria do eleitorado brasileiro. Gol contra que a gestão Lula não tem o direito de repetir.