Neymar se autossabota ao atrelar imagem a políticos bolsonaristas
Após brilhar em retorno à seleção, camisa 10 atrai ranço com exposição desnecessária no campo da política
O primeiro jogo pela seleção brasileira depois da Copa do Mundo do Catar foi praticamente perfeito para Neymar. Na goleada contra a Bolívia, ele marcou duas vezes, se destacou com dribles e assistências e por pouco não fez um golaço em arrancada magistral pelo lado esquerdo. Jogador mais festejado pela torcida em Belém, saiu de campo aplaudido e com desempenho extremamente elogiado pelo técnico Fernando Diniz.
Porém, apesar de toda idolatria desfrutada em solo paraense, o craque resolveu abraçar um discurso descolado da realidade difundido por políticos bolsonaristas que tentam surfar em sua popularidade.
Horas depois da vitória na estreia das Eliminatórias, Neymar compartilhou fotos com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que o exaltavam sob o lema “contra tudo e contra todos”, o mesmo utilizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro após perder a última eleição.
Ao se permitir ser utilizado como instrumento político e comprar a ideia de uma suposta perseguição generalizada, Neymar, de certa forma, acaba desprezando milhões de fãs que o idolatram, ainda mais nesses dias em que recebeu inúmeras mostras de carinho em Belém. Por tabela, se autossabota diante de parte da torcida brasileira insistindo em manter sua imagem associada ao bolsonarismo.
É claro que atletas não devem ser coibidos de se manifestarem politicamente. Pelo contrário. Eles têm todo o direito de assumir posicionamentos que bem entenderem como cidadãos. Durante a eleição presidencial, Neymar prestou apoio explícito à candidatura de Bolsonaro, o que faz parte do jogo democrático, tal qual posar para fotos com políticos.
O problema, além de se vitimizar com discurso de “contra tudo e contra todos” quando se trata simplesmente do jogador mais idolatrado da atualidade no Brasil, é não se dar conta de como o oportunismo bolsonarista agora se aproveita de sua imagem de ídolo para tentar virar o jogo do debate político.
Na última semana, o STF homologou a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que pode acarretar sérias complicações para a família Bolsonaro nos inquéritos sobre milícias digitais, venda ilegal de joias e fraudes em cartões de vacina. Por outro lado, o deputado Nikolas tem sido criticado pelos eleitores por ter votado contra o projeto de lei que pretende limitar juros abusivos cobrados pelos bancos no rotativo do cartão de crédito.
Em meio ao cenário adverso, bolsonaristas empurram Neymar para o ringue da política como um elemento de distração. Enquanto poderia aproveitar o retorno à seleção e direcionar todos os holofotes para seu ótimo desempenho, o atacante ainda topou atuar como mestre de cerimônias virtual no chá-revelação da filha de Nikolas Ferreira diretamente da concentração da equipe.
Além do questionado voto sobre os juros do cartão de crédito, o deputado mineiro é um dos mais ferrenhos militantes da tropa de choque bolsonarista nas redes sociais. Seu histórico político é marcado pelo apreço por polêmicas e embates com a esquerda, o que, naturalmente, atrai o ranço de muitas pessoas que não apoiam Bolsonaro para quem o cerca.
Diante da oportunidade de somar ainda mais fãs à já extensa base de admiradores de seu futebol, Neymar escolhe o caminho que gera cisão e uma exposição desnecessária no campo da política. Ao longo de seus 13 anos de seleção, críticos – entre imprensa e torcida – sempre foram minoria no que diz respeito ao aspecto esportivo.
Colocar-se no papel de perseguido, sobretudo instigado por bolsonaristas que pegam carona em seu sucesso, é um tremendo erro de cálculo. Assim, Neymar ofusca o próprio brilho com a bola nos pés servindo de escada para políticos que vivem às sombras de escândalos e conflitos.