O que o fenômeno Júnior Santos ensina sobre um dos grandes preconceitos do futebol
Goleador e herói do Botafogo em classificação para a fase de grupos da Libertadores despontou na várzea com mais de 20 anos
Júnior Santos é um caso raríssimo no futebol, não só por ter marcado incríveis oito gols em quatro jogos da Libertadores e classificado o Botafogo para a fase de grupos, mas, principalmente, por sua trajetória incomum. Aos 29 anos, o atacante hoje vive o auge de uma carreira que começou muito tarde para os padrões da bola.
Nascido em Conceição do Jacuípe, no interior da Bahia, ele foi servente de pedreiro antes de se tornar jogador. Nessa época, conciliava o trabalho braçal com jogos em campeonatos de várzea, em Salvador. Só depois de se destacar e juntar um dinheiro extra como amador é que resolveu tentar a sorte no esporte de alto rendimento.
Se mudou para São Paulo e virou profissional já aos 23 anos, pelo Osvaldo Cruz, da quarta divisão paulista. Por pouco, Júnior não abandonou o clube e voltou para a Bahia. O pai, Antônio, e seu atual empresário, Edivaldo Ferraz, foram determinantes para que ele desistisse de largar o futebol. O pai, com um discurso radical de motivação, disse que não o aceitaria de volta se abrisse mão do sonho. Nesse período, Ferraz foi observar outro jogador do Osvaldo Cruz e identificou talento em Júnior, o levando para um teste no Ituano, poucos dias antes do Campeonato Paulista de 2018.
Aprovado por Juninho Paulista, com quem Ferraz conversou para conseguir a oportunidade, o atacante fez quatro gols em 11 jogos naquele Estadual. No mesmo ano, disputou a Série B pela Ponte Preta, anotando nove gols e chamando a atenção do Fortaleza, onde ganhou projeção nacional em 2019 e se firmou de vez como profissional. Atletas como Júnior Santos costumam sofrer rejeição nos clubes. Há um enorme preconceito no futebol com jogadores que não cumprem todo o ritual de formação, ainda mais saídos da várzea.
“Não teve base”, “passou da idade” ou “peladeiro” são alguns dos estereótipos que acompanham os amadores mais talentosos, muitas vezes impedidos de fazer categorias de base por falta de oportunidades e condições financeiras. Por necessidade da família, tal qual Júnior Santos, começam a trabalhar cedo e, sem a orientação de empresários, recorrem ao futebol amador como único refúgio.
Classificado para a fase de grupos, Júnior Santos pode trilhar um caminho semelhante ao de Bruno Henrique, que também saiu da várzea e se tornou Rei da América, pelo Flamengo, ao ser eleito o craque da Libertadores em 2019. Artilheiro isolado da atual edição, o atacante botafoguense já larga como um dos maiores candidatos ao prêmio.
O fenômeno Júnior Santos, com sua atípica história de sucesso, assim como Bruno Henrique, revelado nos campos de terra de Belo Horizonte, ensina que os clubes devem romper com a análise preconceituosa sobre jogadores formados na várzea. E o principal: reconhecer que, no futebol, os grandes talentos nem sempre precisam da chancela da base para brilhar.