Paulinho cala o Maracanã e o racismo religioso
Candidato a craque do campeonato, atacante faz o Atlético acreditar no título em atuação de gala contra o Flamengo
Em carta ao The Players' Tribune, Paulinho contou que, não fosse por uma arbitrariedade de seu pai, ele se chamaria Edmundo, fazendo par com o irmão mais velho, Romário. A dupla marcou época nos anos 1990 pelos gols e, também, pela personalidade forte misturada à irreverência, refletida em comemorações como as que pediam silêncio à torcida.
Por vezes, torcedores brasileiros reclamam que faltam jogadores com esse perfil, que entrem na roda das provocações típicas das rivalidades. Porém, quando alguém ousa fugir do padrão bem comportado, a exemplo de Paulinho, que levou o dedo à boca ao marcar o primeiro gol do Atlético-MG diante do Flamengo, no Maracanã, os mesmos saudosos do “futebol raiz” se revoltam caso sejam o alvo da zueira.
Não há desrespeito em uma comemoração de gol como a de Paulinho. Pedir silêncio à torcida adversária consta até mesmo no código de ética não escrito dos atletas, tanto que jogadores do Flamengo nem se ocuparam de tirar qualquer satisfação com o atacante atleticano. Inclusive, Gabigol, máximo ídolo rubro-negro da atualidade, cansou de comemorar seus tentos provocando torcedores adversários.
Cria do Vasco, Paulinho viveu intensamente o clima do clássico na base e nos poucos meses em que defendeu a equipe principal cruzmaltina. Em sua primeira temporada no Atlético, já teve tempo suficiente para aprender sobre a rivalidade histórica entre mineiros e cariocas. Nada mais natural que celebrar um gol tão importante com uma pitada de provocação, batendo no peito para dizer que o Maracanã é sua casa.
O que não faz parte do jogo é a intolerância reiterada que o jogador, praticante da umbanda e do candomblé, sofre por causa de sua religião. Assim como durante a atuação pela seleção brasileira nas Eliminatórias, ele voltou a ser alvejado por ataques discriminatórios nas redes sociais, dessa vez desferidos por alguns flamenguistas que o chamavam de “macumbeiro”.
Engajado na causa antirracista e muito bem educado, Paulinho acerta ao qualificar esse tipo de agressão como racismo religioso, um preconceito banalizado no Brasil contra pessoas negras praticantes das religiões de matriz africana. Provocações normais do futebol não podem servir como pretexto para nenhum tipo de ataque preconceituoso.
Paulinho segue resiliente em sua luta, usando a visibilidade como atleta para erguer uma bandeira fundamental. Dentro de campo, mostrou porque é um forte candidato ao posto de craque do Campeonato Brasileiro. Além do gol para abrir o placar, que o mantém isolado na artilharia da competição, o atacante chegou a sua oitava assistência com a camisa atleticana após servir Edenílson no segundo gol.
O Galo ainda marcou o terceiro, com Rubens, consolidando-se com a melhor campanha disparada do returno. Ultrapassou o Flamengo pelo saldo de gols e se coloca de vez na briga pelo título. Contando com a estrela de Felipão, que finalmente talhou o time ao seu estilo (defesa forte e contra-ataques letais), e a dupla de ataque mais efetiva do Brasil (Hulk e Paulinho), o torcedor atleticano tem bons motivos para voltar a entoar o tão esperançoso “eu acredito”.
A vitória desta quarta-feira, o segundo 3 a 0 consecutivo em cima de postulantes ao título, coroou a evolução tática da equipe com a melhor atuação do ano. E reforçou novamente o protagonismo inquebrantável de Paulinho, que calou o Maracanã e, por tabela, o racismo religioso.