Por que a imprensa brasileira é tão exigente com Abel Ferreira
Técnico do Palmeiras reagiu a questionamentos de jornalistas com generalização que tira o foco de erros internos na temporada
A eliminação para o Boca Juniors na Libertadores não precisa resultar em mudanças bruscas de rota no Palmeiras. Pela quarta vez consecutiva, o clube alcançou as semifinais da competição continental, ostenta dois títulos recentes da América e segue levantando ao menos uma taça por temporada. Abel Ferreira conduz um trabalho repleto de frutos, que subiu o sarrafo para treinadores no futebol brasileiro.
Como ele bem reconhece, quando se atinge tal nível de excelência, time e comissão técnica acabam se tornando “vítimas do próprio sucesso”, cobrados até mesmo em momentos mais prolíficos de glórias do que fracassos. Esse é um dos motivos que explicam por que não somente a torcida palmeirense, mas também a imprensa brasileira, são tão exigentes com o treinador.
Abel deixou todo mundo mal acostumado, no bom sentido, a sempre acreditar em seu plano da vez, que geralmente dá certo, por mais questionáveis que pareçam suas escolhas. Por ter conquistado duas Libertadores seguidas, Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro, ganhou confiança quase incondicional da torcida alviverde ao bancar jogadores até então criticados ou mudar o esquema tático em função do adversário.
No entanto, como todo profissional, o técnico português não é infalível. Confiou que poderia desbancar o Boca insistindo em Mayke e Marcos Rocha pela direita, dobrou a aposta ao manter a formação no jogo de volta, no Allianz Parque, e nem mesmo a ousadia na etapa final ao lançar os garotos Endrick, Luis Guilherme e Kevin foi suficiente para evitar as penalidades que consagraram o goleiro Sergio Romero.
Evidentemente, ainda que com a melhor das intenções, o plano não funcionou como Abel imaginava, até porque, do outro lado, houve a execução de uma estratégia melhor elaborada pelo técnico Jorge Almirón. Uma eliminação sem vilões, muito menos a necessidade de caça às bruxas, mas com escolhas que mostraram que o treinador palmeirense é passível de falhas como qualquer mortal.
Depois do jogo, ao tentar justificar o plano frustrado, Abel voltou a entrar em rota de colisão com jornalistas que questionavam suas opções. O técnico apelou à generalização ao dizer que “estamos no Brasil”, insinuando que o nível de cobrança por aqui seja muito maior que em outros países. “Quem não conhece a imprensa brasileira? A imprensa brasileira é conhecida em todo mundo por isso”, cutucou.
Que há problemas na imprensa brasileira, mais especificamente na cobertura esportiva, é inegável. Críticas desproporcionais, chamadas caça-clique e sensacionalismo, porém, não são exclusividade do jornalismo brasileiro. Tanto que, em uma rápida busca pelo Youtube, sobram vídeos de embates entre treinadores portugueses com a imprensa local, a exemplo de Jorge Jesus, José Mourinho e até mesmo o próprio Abel Ferreira, nos tempos em que comandava o Braga.
É um direito mais que legítimo criticar o trabalho da imprensa, que, por sua vez, tem a obrigação de ofício de questionar o treinador. Seria mais construtivo que Abel direcionasse a crítica e especificasse a suposta diferença de tratamento que sente no Brasil ao invés de generalizar. Ao fazer isso, naturalmente estabelece o confronto imaginário entre clube e imprensa, que muitas vezes serve para tirar eventuais erros – que tanto o técnico como a diretoria palmeirense cometeram nesta temporada – dos holofotes.
Tente imaginar como um treinador brasileiro seria tratado em Portugal ao dizer “quem não conhece a imprensa portuguesa?”. Ou ao colocar em xeque a lisura dos campeonatos europeus e insinuar a existência de um sistema oculto para prejudicar sua equipe sem nenhum tipo de prova ou evidência. Não é difícil pressupor que teria problemas para seguir carreira por lá.
Tal qual vários outros técnicos, brasileiros ou estrangeiros, Abel Ferreira extrapola limites em atitudes sanguíneas dentro e fora do campo. Não apenas por frequentemente ser advertido ao protestar contra a arbitragem, bater de frente com a imprensa – a ponto de já ter tomado o celular de um repórter que o filmava – e se desentender com adversários, mas principalmente por forçar a narrativa de perseguido pela opinião pública ou pelo “sistema”.
Nem é preciso se aprofundar muito na história para saber que diversos treinadores já se colocaram nesse lugar, do embate constante ao vitimismo, como Luiz Felipe Scolari, Vanderlei Luxemburgo e Renato Gaúcho, igualmente contestados e cobrados por resultados apesar dos currículos vitoriosos. E isso não distingue a imprensa esportiva no Brasil de outros países.
Enquanto Abel Ferreira seguir em evidência, disputando títulos todas as temporadas com o Palmeiras e atraindo todo o barulho em direção ao personagem que sempre tem um plano para habilmente desviar o foco dos problemas reais, a imprensa brasileira continuará sendo tão exigente com o treinador. O que, não raro, costuma refletir o sentimento do torcedor, hoje ciente de que um dos maiores técnicos da história do clube, além dos planos bem-sucedidos, também tem seu lado falho.