SAF é igual a privatização: o mercado adora, mas poucas entregam o que prometem
Início das sociedades anônimas no futebol brasileiro evidencia que modelo não é solução mágica para os problemas dos clubes
Existem privatizações e privatizações, assim como existem SAFs e SAFs. Algumas podem funcionar bem, outras nem tanto. Mas, apesar das Sociedades Anônimas do Futebol serem algo relativamente novo no Brasil, ambas carregam um traço em comum: são adoradas pelo mercado, mas poucas entregam tudo o que prometem.
Não se trata de demonizar a privatização, muito menos o modelo de SAF. Apenas uma constatação de como o discurso inflamado de lobistas financeiros, que defendem a venda para a iniciativa privada como solução mágica de todos os problemas, é bastante relativo.
Em São Paulo, por exemplo, privatizações podem ser consideradas bons negócios para donos e acionistas. No entanto, do ponto de vista do consumidor, a população e até mesmo o Estado costumam sair no prejuízo.
A Enel, que deixou moradores sem luz por quase duas semanas depois de um temporal, cortou mais de um terço de seus funcionários desde que foi privatizada, embora tenha dobrado seu lucro no período. Na capital, linhas privadas transportam menos da metade dos passageiros, mas recebem quatro vezes mais verbas públicas comparadas às administradas por concessionárias estatais. Duas distorções que ilustram como a promessa de maior eficiência das empresas privatizadas geralmente não se traduz em melhor serviço.
Pouco mais de dois anos após sua aprovação, a Lei da SAF, que abriu caminho para transformar clubes de futebol em empresas, despertou um verdadeiro canto da sereia por parte de empresários sedentos pelo mercado que movimenta mais de 50 bilhões de reais no Brasil. Desde então, clubes tradicionais que aderiram ao modelo, como Bahia, Botafogo, Cruzeiro e Vasco, observaram a chegada de investimentos, mas não necessariamente de melhores práticas de gestão.
Comprado pelo norte-americano John Textor, o Botafogo voltou a brigar por título no Brasileirão, mas cometeu erros típicos da velha cartolagem que resultaram num tombo sem precedentes. O novo dono não conseguiu estabilizar o comando após a saída de Luís Castro, demitiu dois treinadores, entregou a chave do vestiário aos jogadores e ainda adotou um equivocado discurso de perseguição contra CBF e arbitragem.
Se as SAFs prometiam práticas modernas e uma visão de negócio a longo prazo, o balanço atual é a repetição de velhas fórmulas imediatistas. O Cruzeiro, arrematado pelo ex-jogador Ronaldo em 2021, também contabilizou dois técnicos demitidos ao longo da temporada e chegou a figurar na zona de rebaixamento.
Bahia e Vasco só escaparam da queda na última rodada. Tanto o tricolor administrado pelo Grupo City quanto o cruzmaltino sob controle da 777 desperdiçaram bastante dinheiro em contratações frustradas, mas preferiram responsabilizar e demitir treinadores para camuflar erros de gestão.
Os maus resultados das SAFs, ainda contempladas por Coritiba e América-MG, rebaixados para a segunda divisão, não significam uma sentença de morte para o modelo. Nenhum trabalho de reestruturação rende frutos instantâneos, e quem realmente apostar em projetos de longo prazo pode se dar bem no futuro. De qualquer forma, o choque de realidade acende o sinal amarelo de que nem tudo que reluz é ouro.
Textor jurou que o Botafogo jamais seria preterido em relação a outros clubes de sua propriedade, que só nesta temporada fisgaram o atacante Jeffinho, o zagueiro Luis Segovia e o técnico interino Cláudio Caçapa. No Vasco, o CEO da 777, Josh Wander, havia prometido que o clube não entraria mais em desvantagem financeira diante do rival Flamengo, que segue sobrando em termos de investimento.
A experiência recente das SAFs, vista como boia de salvação para clubes endividados, deveria servir de alerta para dirigentes lobistas do futebol privatizado. Mesmo comandando uma instituição que fatura mais de 1 bilhão de reais por ano, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, aponta a conversão da associação em sociedade anônima como caminho para a construção do estádio rubro-negro.
No modelo associativo, os sócios-torcedores já têm pouquíssimo poder de decisão dentro dos clubes, o que se agrava a partir do momento em que seus times passam a ter donos. A SAF pode ser opção interessante em alguns casos, como o do expoente e valorizado Fortaleza, mas, por enquanto, tem servido mais aos anseios ilusórios de cartolas e investidores do que aos interesses de torcidas populares no país.