Tiago Leifert e a consequência de culpar vítima assassinada em jogo do Palmeiras
Pais de torcedora palmeirense que foi morta nas imediações do Allianz Parque realçam insensibilidade do apresentador
Antes de a bola rolar entre Palmeiras e Boca Juniors, pela semifinal da Libertadores, os pais de Gabriella Anelli, torcedora assassinada após ser atingida por estilhaços de uma garrafa de vidro no entorno do Allianz Parque, em julho, protestaram contra o apresentador Tiago Leifert. Com uma faixa em memória da filha, eles acusaram o ex-global de “inverter valores e culpar a vítima”.
Na época do assassinato, Leifert chegou a cravar que Gabriella estaria envolvida em uma briga entre torcidas antes da partida entre Palmeiras e Flamengo. Ao perceber que imagens das imediações do estádio contradiziam sua informação, o apresentador se desculpou pelo equívoco, mas insistiu em transferir responsabilidade para a vítima ao dizer que “quem é de organizada assume o risco” – Gabriella integrava a torcida Mancha Verde.
Mesmo três meses depois da perda, os pais da torcedora mostram a Tiago Leifert que a insensibilidade deixa cicatrizes que tornam o luto ainda mais doloroso. As falas do apresentador são infelizes não apenas por desprezar o sofrimento dos familiares de Gabriella, mas também por reforçar um estereótipo preconceituoso contra torcidas organizadas.
Repetir distorções como “torcedor organizado assume risco” ou “todo conflito em estádios envolve organizadas” é uma forma torpe de demonstrar indignação com a violência. Por essa lógica, todo torcedor assume risco simplesmente por frequentar jogos de futebol. Além de ser um argumento falacioso, se torna também cruel quando usado para naturalizar assassinato.
Não satisfeito com a repercussão negativa de suas manifestações a respeito da torcedora palmeirense, Leifert voltou a se expressar de maneira inapropriada sobre organizadas no mês passado, ao afirmar que o líder da Galoucura, maior torcida uniformizada do Atlético-MG, merecia “apanhar da polícia”.
Em vez de propor soluções para o problema da violência, os arroubos inconsequentes do apresentador, que tem formação em jornalismo, acabam contribuindo para acirrá-lo, pois esse nível de argumentação faz com que a vida de torcedores, sobretudo organizados, seja tratada com desdém por autoridades que deveriam zelar pela sua integridade.
Há menos de duas semanas, o torcedor são-paulino Rafael dos Santos Garcia foi assassinado com um tiro na cabeça que partiu da Polícia Militar, após a final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo, no Morumbi. Não se viu de pessoas que compartilham do pensamento de Leifert a mesma indignação que propagam contra torcidas organizadas em repúdio aos abusos cometidos pela PM paulista.
O futebol brasileiro já teve vários casos de torcedores assassinados por policiais e agentes de segurança. A maioria fica impune justamente por existirem muitas vozes, inclusive na mídia, defendendo que torcedor organizado tem de “apanhar da polícia”. Fim da violência? Não. Querem violência seletiva.
Leifert, obviamente, não é culpado por brigas de torcidas nem pelos seguidos episódios de violência nos estádios, mas não ajuda em nada ao proferir discurso raivoso e pouco construtivo para estereotipar ainda mais as organizadas.
A consequência desse tipo de comportamento, que chega ao cúmulo de culpar uma vítima de assassinato, só serve para jogar gasolina na fogueira. E revela que a insensibilidade também machuca, como fizeram questão de lembrar os pais de Gabriella Anelli.