Torcida do Palmeiras persegue jogador, mas se indigna quando Breno Lopes resolve dar o troco
Atacante palmeirense foi vaiado e fez gesto obsceno em direção a organizada depois de marcar gol da vitória contra o Goiás
Há um mito que precisa urgentemente ser quebrado no futebol. Repetir que “torcedor sempre tem razão” ajuda a justificar insanidades cometidas na arquibancada, mas, via de regra, ignora a realidade. Muitas vezes, o torcedor não tem razão. Muitas vezes, pelo contrário, a paixão pelo clube despreza a razão. É o que explica a perseguição de torcedores do Palmeiras contra Breno Lopes.
Nesta sexta-feira, ele entrou em campo no Allianz Parque previamente questionado pelos seus próprios torcedores, que, embora valorizem o gol do título da Libertadores de 2020, entendem que seu futebol não está à altura do Palmeiras. Tal sentença faz com que a paciência com o atacante seja mínima, ainda que ele já tenha demonstrado ser um jogador útil no elenco.
Em suas primeiras ações no jogo contra o Goiás, Breno Lopes cometeu erros que resultaram em vaias imediatas, condicionadas pelo gol que havia perdido no último clássico contra o Corinthians. Acontece que, no último lance da partida, o atacante aproveitou a sobra dentro da área para anotar o gol da vitória palmeirense. De cabeça quente pelas cobranças, se dirigiu ao setor ocupado pela principal torcida organizada do clube e provocou com gestos obscenos, imediatamente contidos pelos companheiros de time.
O jogador erra, sim, ao partir para o embate público contra torcedores, ainda mais com um ato ofensivo e num momento em que pode ser essencial para o Palmeiras, como potencial substituto do ídolo Dudu, lesionado, na reta final da temporada. No entanto, é preciso ressaltar o papel desmedido e determinante para o conflito exercido por parte da torcida palmeirense.
Recentemente, outro atacante, Luiz Adriano, ficou sem clima no clube e acabou saindo pela porta dos fundos depois de ter sido insultado várias vezes por torcedores. Chegou a receber ameaças caso continuasse na Academia. No mesmo ano, um grupo de palmeirenses intimidou o jovem Patrick de Paula ao sair de uma balada em São Paulo. O volante também precisou ir embora para o Botafogo na temporada seguinte.
Tantos casos de jogadores perseguidos pela torcida se sucedem na era mais vitoriosa do Palmeiras, capitaneada pelo técnico Abel Ferreira, que fez questão de defender seu atleta após a vitória sobre o Goiás. É óbvio que, mesmo nos bons momentos, torcedores têm o direito de vaiar e cobrar. Porém, espanta que os mesmos que pesam a mão com cobranças desproporcionais se indignem quando jogadores como Breno Lopes e Luiz Adriano resolvem dar o troco.
Nem sempre o torcedor tem razão. O zagueiro Luan, por exemplo, já chegou a ser covardemente perseguido pela torcida palmeirense, que decretou o fim de sua passagem pelo clube após erros em jogos decisivos. Porém, com o apoio da comissão técnica, ele deu a volta por cima e, mesmo na reserva, se tornou uma das lideranças do time. Tanto que, por já ter vivido na pele o que aconteceu com Breno Lopes no Allianz, foi um dos primeiros a tentar conter a fúria do companheiro.
É preciso lembrar também que parte da torcida do Palmeiras já pediu a cabeça do técnico e pichou muros em protesto contra jogadores como Marcos Rocha, Zé Rafael e Mayke, que hoje figuram entre os mais vitoriosos da história do clube. A Mancha Verde, organizada que puxou vaias contra Breno Lopes, já emitiu nota insinuando que Abel Ferreira seria melhor “falador” do que treinador antes do bicampeonato da Libertadores.
Breno Lopes não é craque, muito menos “bagre”, como sentencia boa parcela da torcida alviverde. Vários clubes e treinadores da Série A gostariam de ter um atacante versátil e taticamente cumpridor como ele. Na cabeça de quem o persegue, jogador precisa ouvir vaia e insulto calado, sem direito a rompantes de exaltação e irracionalidade equivalentes aos daqueles que não raro jogam contra o próprio clube.
Tudo que o Palmeiras não precisava era ter um das alternativas a Dudu atiradas à fogueira na véspera dos jogos mais importantes da temporada, pela semifinal da Libertadores, contra o Boca Juniors. Breno Lopes é apenas o alvo da vez. Outros virão e serão perseguidos da mesma forma, sobretudo em meio ao confronto político escancarado entre torcida organizada e a presidente Leila Pereira.
Cabe a quem comanda o futebol ter cabeça fria para blindar o elenco e, antes de cogitar punir a vítima, colocar a razão acima da emoção.