Vini Jr. acertou ao dizer que a Espanha é um país racista
Sequência de casos de discriminação racial em estádios espanhóis derruba narrativa de vitimismo usada contra brasileiro do Real Madrid
Em 2023, depois de sofrer pesados ataques discriminatórios no estádio Mestalla, em partida entre Real Madrid e Valencia, Vinicius Júnior foi preciso ao dizer que a Espanha “aceitou exportar para o mundo a imagem de um país de racistas”. Obviamente, nem todos os espanhóis são racistas. Mas, a partir do momento em que não só boa parte da população, mas também as instituições espanholas se mostram coniventes com o racismo, não há outra definição possível.
“País racista” é uma expressão forte, que tende a ser rejeitada por puritanos e cartesianos por supostamente generalizar uma coletividade. Entretanto, do ponto de vista político, ainda mais no desgastante contexto da luta antirracista, o termo se torna apropriado para gerar choques de consciência e chamar a atenção da sociedade para a urgência de medidas efetivas de enfrentamento ao racismo.
Dizer que a Espanha é um país de racistas não significa negar que exista discriminação racial em outros países como o Brasil, que também sofre, de maneira até mais profunda que nações europeias, com as chagas do colonialismo e do racismo estrutural. O objetivo, no caso, é endereçar responsabilidades para a resolução do problema. Se uma comunidade não quer ser reconhecida como racista, deve, em primeiro lugar, ser absolutamente intolerante ao racismo. E essa é a mensagem de Vini Jr. que muitos espanhóis insistem em desvirtuar.
Apesar das inúmeras tentativas de culpar o craque brasileiro pelos ataques que sofre, os casos de insultos racistas nos estádios continuam explodindo pelo país, mesmo quando não joga o Real Madrid. Somente neste sábado, dois incidentes vieram à tona, a começar pela terceira divisão espanhola. O goleiro Cheikh Sarr, do Rayo Mahadahonda, foi tirar satisfação com torcedores do El Sestao River após sofrer reiterados xingamentos discriminatórios atrás do gol que defendia. A vítima acabou expulsa pelo árbitro da partida, e seus companheiros decidiram sair de campo. Já em La Liga, o lateral argentino Marcos Acuña e o treinador Quique Flores, do Sevilla, foram alvo de ofensas racistas e xenofóbicas por parte da torcida do Getafe.
Nas redes sociais, Vini Jr. se solidarizou com as vítimas, enaltecendo a valentia de Sarr e da equipe do Rayo Mahadahonda ao abandonarem a partida. “Os racistas devem ser expostos e os jogos não podem continuar com eles na arquibancada. Só haverá vitória quando saírem dos estádios direto para a prisão, que o lugar que merecem”, escreveu o atacante ao comentar os casos deste sábado, que simplesmente desmontam a narrativa usada por seus críticos para desqualificá-lo.
Dizem que Vini só é atacado porque provoca os adversários. Pois nenhuma das vítimas atacadas neste fim de semana havia feito uma provocação sequer direcionada a rivais. Dizem que Vini só se pronuncia sobre os ataques que sofre e ignora outros casos. Pois, apenas este ano, ele saiu em defesa de companheiros de profissão na Espanha e na Itália, quando o goleiro Maignan, do Milan, foi chamado de macaco por torcedores da Udinese, em janeiro.
Enquanto uma horda de espanhóis continuar inventando desculpas para culpar a vítima e equiparar provocações típicas do futebol a ofensas racistas, é preciso apontar que o racismo não é um produto individual, muito menos se resume a casos isolados. Como bem explica o historiador e ativista Antumi Toasijé, presidente do Conselho para Eliminação da Discriminação Racial, ligado ao Ministério da Igualdade espanhol, “a Espanha é provavelmente o país que inventou o racismo como conhecemos hoje”, remontando ao conflitos entre cristãos e muçulmanos na Península Ibérica durante a Idade Média.
Como um Estado-nação colonizador, que enriqueceu da escravatura e do genocídio negro, a Espanha tem se negado por séculos a promover políticas de reparação histórica, que deveria começar por rever a própria estrutura racista de sua sociedade. Hoje, como bem denuncia Vini Jr., a intolerância crescente no futebol expõe para o mundo a imagem de um país que rejeita imigrantes, mas acolhe, de forma cínica e desavergonhada, racistas da pior espécie.