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Bola fora, Argentina! Lembrar da Copa do Mundo de 1978 é obrigatório

Falta de memória assola a vizinhança, mas o futebol pode ajudar a conscientizar

20 nov 2023 - 17h56
(atualizado em 25/11/2023 às 00h13)
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Enquanto a Argentina de Messi brilha na maioria das vezes, exceto no clássico com o Uruguai, nas Eliminatórias para a Copa de 2026, os eleitores do país parecem ter memória de peixe
Enquanto a Argentina de Messi brilha na maioria das vezes, exceto no clássico com o Uruguai, nas Eliminatórias para a Copa de 2026, os eleitores do país parecem ter memória de peixe
Foto: Jogada10

Escrevo a crônica de hoje em uma mesa, quase no cantinho, do Café Lamas, tradicional restaurante fundado em 1874 no Flamengo, bairro da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Claro que tomando cuidado para não derramar mate no computador portátil, que me custou os olhos da cara. Sim, leitoras e leitores. A máscara caiu. Sou um bebedor de mate. Vergonha dos meus amigos que gostam de uma cervejinha. Peço perdão. No máximo, bebo ‘dois’ chopes por mês. Há nove anos, eu bebia um pouquinho mais do que isso.

Atualmente, moro na Zona Oeste carioca em condomínio fechado, com vida aparentemente segura mas meio sem graça. Sinto falta do Lamas e de tudo aqui do Flamengo. Sinto falta dos tempos que vinha com meu pai. Ainda criança, presenciei debates políticos de uma turma que se preocupava com o Brasil, a América do Sul, a América Latina, a África, enfim, com o mundo.

O ano de 1989 foi especial, pois nele aconteceu a primeira eleição direta para Presidente da República depois dos tempos sombrios repressores da Ditadura Civil-Militar (1964-85). Votar novamente era a esperança de um futuro melhor.

A América do Sul sofreu muito com a violência dos chamados milicos, que não eram todos a favor da censura e tortura. Existem excelentes exemplos no Brasil como o do Professor Ivan Cavalcanti Proença, que, em plena Ditadura, exatamente no dia 1º de abril de 1964, evitou um massacre dos estudantes de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro, encurralados por um grupamento paramilitar fortemente armado. No entanto, o capitão Proença se encontrava dentro de um tanque, afugentando os covardes milicianos. Ivan entrou na faculdade e salvou 400 universitários da morte. Repito: esse é um exemplo de que uma categoria inteira não pode ser condenada pela sede de sangue de líderes como Augusto Pinochet, no Chile, e todos os presidentes do Brasil entre 1964 e 85.

Voltando a falar sobre memória e família. Lá em casa, os assuntos se misturavam. Futebol e política conviviam juntos. O Café Lamas era um dos locais de debate entre parentes e amigos. Meu pai contou repetidas vezes sobre a Copa do Mundo de 1978. Essa edição foi disputada em uma Argentina em plena repressão militar. O país exalava a sangue de quem lutava contra a falta de liberdade. Talvez, tenha sido a sede de Copa mais estranha da História ao lado da do Catar. Como a Fifa deixa uma Copa ser realizada em um país com desgoverno autoritário? A da Arábia Saudita, em 2034, deve seguir os passos/moldes das de 1978 e 2022. Uma pena.

No entanto, o foco é lembrar da Copa de 1978. Como escrevi anteriormente, a Argentina sofria com um regime de carnificina que foi de 1976 até 1983. O debate sobre boicotar ou não essa edição se mostrou amplo, mas nenhum país teve peito de fazer isso. Craque da seleção holandesa, Johan Cruyff não teria ido à Argentina por protesto político. Outras versões sobre o real motivo existem. O craque da camisa 14 laranja não teria atuado na Argentina por divergências em relação a dinheiro. Enfim, sem Cruiff, aquela Copa já perdeu brilho.

A edição de 1978 ficou marcada por um resultado manipulado. O regulamento era bem complicado. Eram duas fases de grupos. A primeira com quatro grupos de quatro seleções, onde os dois primeiros de cada grupo se classificavam para a segunda fase. Nela, tudo ficou organizado (ou desorganizado) assim:

Grupo A: Alemanha Ocidental, Áustria, Holanda e Itália.

Grupo B: Argentina, Brasil, Peru e Polônia

Observem que Argentina e Brasil estavam no mesmo grupo. O primeiro colocado iria para a final. O segundo teria direito apenas a um amistoso chamado decisão de terceiro lugar. Na Copa, decisão de terceiro lugar não vale nada, né?! Convenhamos.

O que aconteceu?

Na segunda fase, Brasil e Argentina empataram em 0 a 0. A seleção brasileira venceu o Peru por 3 a 0. A anfitriã derrotou a Polônia por 2 a 0. Na última rodada, a polêmica veio à tona porque o jogo da Argentina seria realizado três horas depois de Brasil 3 x 1 Polônia, ou seja, os donos da casa sabiam que deveriam ganhar de goleada. Além disso, o ex-goleiro Quiroga e outros integrantes daquela equipe peruana afirmaram que existiu suborno de autoridades ligadas ao regime repressor. Resultado? Argentina 6 a 0. Na final, os ‘hermanos’ venceram a Holanda, sem Cruyff, por 3 a 1. O Brasil ficou com o terceiro lugar ao derrotar a Itália por 2 a 1.

Por que escrevi sobre o Café Lamas, lembranças familiares, emocionais e intelectuais e História política recente do Brasil? Porque é obrigatório ter memória e saber sobre a História do próprio país para que besteiras e atrocidades não sejam repetidas.

No dia 19 de outubro, Javier Gerardo Milei foi eleito Presidente da Argentina
No dia 19 de outubro, Javier Gerardo Milei foi eleito Presidente da Argentina
Foto: Reprodução/Instagram / Flipar

Por que escrevi sobre a terrível Copa de 1978? Exatamente para mostrar a tremenda bola fora dos argentinos na eleição do ultradireitista Javier Milei, que tem uma agenda de negação de todas as atrocidades cometidas pela Ditadura Militar antes, durante e depois da Copa de 78. Quarenta anos após o fim da repressão no país, os argentinos fizeram um gol contra bizarro nas urnas por falta de conhecimento histórico. Vaias.

Fonte: PV Ferreira PV Ferreira é editor e jornalista esportivo com experiência em coberturas do futebol brasileiro, sul-americano e europeu, além das modalidades olímpicas e paralímpicas. As visões do colunista não representam a visão do Terra.
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