A Copa das zebras: França campeã após fracasso de gigantes
Com quedas prematuras de Brasil, Alemanha, Espanha e Argentina, Croácia fez história chegando à final; relembre o Mundial de 2018
Qual foi o fato mais marcante da Copa do Mundo de 2018? O fiasco da Alemanha na primeira fase, a eliminação da Seleção Brasileira para a Bélgica ou as “quedas” de Neymar em campo? No Mundial em que a França conquistou o bicampeonato vencendo a surpresa Croácia na final, outros destaques foram a estreia do VAR no torneio e o mascote “Canarinho Pistola”, sensação fora dos gramados que agitou torcedores por onde a delegação do Brasil passou. O Terra traz, em mais um especial da Retrospectiva 2018, os episódios mais memoráveis (para o bem ou para o mal) da Copa da Rússia.
Mesmo após 16 anos sem levantar a taça e voltando à Copa com o peso do 7 a 1 histórico de 2014, a Seleção pousou em solo russo com grande expectativa. O técnico Tite havia assumido o time em meio à crise do futebol brasileiro nas eliminatórias, em 2016, a dois anos do Mundial. Em seis jogos com o ex-técnico Dunga, a equipe ocupava a sexta colocação na tabela, ou seja, fora da zona de classificação para a Copa, e vinha de uma pífia eliminação para o Peru na Copa América Centenário.
Tite chegou com a missão de recuperar o futebol e a confiança perdidos no tempo. E o sucesso foi inquestionável. O Brasil atropelou seus adversários sul-americanos, se classificando em 1º, dez pontos à frente do 2º colocado, o Uruguai, e foi à Copa de peito estufado para desafiar os principais favoritos ao título: Alemanha, Espanha e França. Em momento conturbado dentro e fora de campo, a Argentina corria por fora.
Hexa adiado outra vez
A campanha nas eliminatórias foi avassaladora, mas na Copa foi diferente. O Brasil alternou bons e maus momentos durante o torneio. Na primeira fase, não conseguiu se impor contra a Suíça (empate em 1 a 1) e sofreu para vencer a Costa Rica (2 a 0, com os dois gols nos acréscimos). No jogo decisivo antes do mata-mata, derrotou a Sérvia por 2 a 0 com um futebol eficiente, sem grandes sustos.
Nas oitavas, contra o México, veio a melhor atuação do Brasil na Copa. Não que tenha sido uma exibição de gala, mas a equipe de Tite conseguiu fazer uma partida digna da tradição da Seleção Brasileira. Com a melhora de produção de Neymar e William, o time conseguiu envolver o adversário na maior parte do jogo. A vitória, também por 2 a 0, aconteceu com gols de Neymar e Firmino.
Porém, havia um De Bruyne no caminho. Contra a Bélgica, o Brasil esbarrou não só no talento dos belgas, comandado pelo craque do Manchester City, mas também em suas próprias limitações. Um dos principais problemas escancarados na eliminação brasileira foi a falta de um referência no ataque. Gabriel Jesus, apesar de jovem e promissor, não foi bem como centroavante e deixou a Rússia sem balançar as redes sequer uma vez. Além disso, Neymar voltou a cair de rendimento e, sem ele, o time desmoronou. O placar final foi de 2 a 1, gols de Fernandinho (contra) e De Bruyne, para a Bélgica, e de Renato Augusto, para o Brasil.
Neymar: de ‘candidato’ a melhor do mundo à piada mundial
Neymar chegou à Copa sustentando o posto de jogador mais caro da história, com a transferência do Barcelona para o Paris Saint-Germain, em 2017, por 222 milhões de euros (cerca de R$ 822 milhões). Apesar de vir de recuperação de cirurgia após fratura no quinto metatarso do pé direito, o craque brasileiro era a grande esperança da Seleção para brilhar na Rússia. “Se fizer uma grande Copa e levar o Brasil ao título, será o melhor do mundo”, diziam muitos torcedores e comentaristas na época.
Porém, a expectativa começou a ruir a cada atuação abaixo da média. Além de pouco conseguir colocar em prática todo o seu talento, o atacante, muito marcado pelos adversários, exagerava nas quedas e nas reclamações em campo. A atuação de Neymar passou a ser avaliada mais pelas “encenações” do que pelo futebol jogado. Pior: suas quedas no gramado viraram alvo de diversas brincadeiras ao redor do mundo.
O choro no gramado após a suada vitória da Seleção sobre a Costa Rica, na fase de grupos, foi um dos momentos mais críticos da relação de Neymar com a torcida brasileira. Acusado de tentativa de “vitimização”, o jogador desabafou em sua conta oficial no Instagram, afirmando que o choro havia sido de “alegria e superação”. Com alguns lampejos de bom futebol, Neymar terminou a Copa com apenas dois gols e como um dos jogadores mais criticados do grupo.
A Copa das Zebras
Quase todos os Mundiais surpreendem com resultados improváveis. Mas essa, definitivamente, foi a Copa das Zebras. Tetracampeã em 2014, a Alemanha já estreou perdendo por 1 a 0 para o México.
A seleção de Toni Kroos, Thomas Müller e Manuel Neuer, que encantou o mundo quatro anos antes com seu futebol compacto e ofensivo, conseguiu uma sobrevida na segunda partida em uma virada suada sobre a Suécia por 2 a 1. O que parecia uma recuperação para embalar na competição revelou ser apenas “fogo de palha”. No jogo seguinte, a derrota para a Coreia do Sul, por 2 a 0, sacramentou a eliminação da Alemanha, que amargou seu pior resultado na história das Copas, terminando como 22º colocada do torneio.
Já a Espanha, campeã em 2010, chegou à Rússia para apagar a má impressão deixada no Mundial do Brasil, quando caiu na primeira fase. Só faltou combinar com os russos. Os anfitriões fizeram a festa nas oitavas de final ao eliminar a seleção do craque Iniesta na disputa de pênaltis após o empate em 1 a 1 no tempo normal.
Apesar de as eliminações das duas gigantes ter surpreendido, a maior zebra mesmo da Copa foi a Croácia chegar à final. Com uma bela campanha na primeira fase, com três vitórias, sendo uma delas o 3 a 0 sobre a Argentina, a Croácia teve uma tabela favorável nas oitavas e nas quartas, passando por Dinamarca e Rússia. Nas semis, a equipe de Luka Modrić, meio-campista do Real Madrid eleito o melhor jogador da Copa, fez história ao eliminar a Inglaterra e ir à final de um Mundial pela primeira vez.
E a Argentina? Mesmo não configurando no primeiro pelotão de favoritas, os "hermanos" sempre vão à Copa como candidatos ao título. Porém, os problemas identificados nas eliminatórias - quando a equipe do técnico Jorge Sampaoli se classificou apenas na última rodada - se confirmaram no Mundial. Com um treinador sem respaldo dos jogadores, um grupo dividido e muita desorganização em campo, a Argentina caiu para a França nas oitavas de final (4 a 3) depois de uma péssima primeira fase. Nos três primeiros jogos, a finalista da Copa de 2014 empatou com a Islândia em 1 a 1, foi derrotada de forma acachapante pela Croácia e venceu a Nigéria por 2 a 1.
França bicampeã
Com uma campanha consistente e segura, a França fez jogos pragmáticos, como contra Austrália (2 a 1) e Peru (1 a 0), na fase de grupos, e partidas memoráveis nas oitavas, contra Argentina (4 a 3), e na decisão contra a Croácia (4 a 2). Os volantes Pogba e Kanté, o zagueiro Umtiti e o atacante Griezmann foram peças essenciais na engrenagem. Mas a cereja do bolo foi o atacante Kylian Mbappé, de apenas 19 anos, que marcou quatro gols na Copa.
Com uma postura defensiva muito disciplinada, o time armado pelo técnico Didier Deschamps estava sempre pronto para dar o bote na hora certa. Com seis vitórias e um empate, a França voltou para casa com sua segunda estrela no peito.
VAR artilheiro
Esta foi a primeira Copa com o uso da tecnologia do árbitro de vídeo, mais conhecido como VAR. Em 64 partidas, foram 455 lances analisados pelos árbitros assistentes de vídeo, o que equivale a 7,1 checagens por jogo. Nem todos eram passadas ao árbitro principal. Ao todo, o juiz foi à beira do gramado 20 vezes para rever o lance na tela.
Muitos lances revistos fizeram o árbitro alterar sua decisão inicial. Com grande protagonismo na primeira fase, o VAR “marcou” pênalti para muitas seleções e ainda validou gol mal anulado.
O Canarinho estava "Pistola"
Mascote da Seleção na Rússia, o Canarinho Pistola combinava dois sentimentos do torcedor brasileiro na Copa: a alegria e a determinação. Ao mesmo tempo em que contagiava delegação e torcedores com o alto astral típico de mascotes, o personagem exibia semblante sério e concentrado, representando o ressentimento brasileiro com os últimos fracassos em Copas e a vontade de dar a volta por cima.
Em frente a um dos hotéis em que a Seleção se hospedou, o Canarinho chegou a ser “detido” por seguranças. Os russos imaginaram que o mascote fosse um torcedor que havia invadido o local para a passagem da delegação, que era recebida com festa pela torcida. Com a fama, o representante brasileiro ganhou até homenagem na culinária do País. A mineira Shirley Candido criou em seu cardápio, divulgado pelo Instagram, o Coxinarinho, que segundo ela, vinha recheado com frango e “catupiródio”. A brincadeira viralizou nas redes.
Casos de assédio a mulheres
Nem tudo foi festa. A Copa também ficou marcada por casos de assédio sexual a mulheres. Em casos de grande repercussão, brasileiros gravaram vídeos fazendo estrangeiras repetirem palavrões difamatórios para divulgar nas redes. Muitas jornalistas que trabalharam no Mundial também sofreram com abusos em tentativas de torcedores que tentavam agarrar ou beijar à força.
Na última semana do Mundial, a Fare Network, ONG parceira da FIFA que monitora situações de racismo e discriminação, informou que havia registrado 45 casos de sexismo e assédio contra mulheres na Rússia. Do total, 15 eram jornalistas. A ONG alertou, contudo, que os números reais poderiam ser até dez vezes maiores, já que muitos casos não são registrados ou denunciados pelas vítimas.
Veja também: