O impacto dos ídolos em histórias de superação
Fred e Cássio contam sobre o papel que vem junto do reconhecimento como jogador
Além do nome, Gabriel Varandas e Gabriel José dos Santos compartilham outras semelhanças. O primeiro está com 13 anos, mas aos oito foi diagnosticado com um tumor no cérebro. Depois da cirurgia, descobriu que tinha contraído meningite. O outro é mais novo, tem 10 anos, e há poucos meses teve de amputar a perna direita após ter sido espancado por outros três alunos na escola. Além das dificuldades, esses dois garotos têm algo em comum também com a pequena Larissa Martins Piloto, de 7 anos, que descobriu em 2017 um tumor no cérebro: todos têm um ídolo no futebol.
Gabriel Varandas é louco pelo Fred, da época em que o atacante atuava no Fluminense, seu time de coração. Além de conhecer o jogador, o sonho do jovem de João Pessoa, capital da Paraíba, sempre foi jogar futebol. Foi durante os treinos de futsal que percebeu que algo estava errado: além das tonturas, tinha dores de cabeça. 48 horas depois, Gabriel estava na mesa de cirurgia. Uma semana depois teve parada cardiorrespiratória.
"Ele entrou na UTI e ficou desacordado por seis minutos. O padrão é cinco minutos de tentativa de reanimação, mas o médico não desistiu e inexplicavelmente ele voltou a viver", conta Marcus Varandas, pai de Gabriel. Foram 15 dias em coma, diversas complicações e outras 36 cirurgias. Ficou com o lado esquerdo do corpo paralisado. Foi então que seus pais tiveram a ideia, inspirados em seu amor pela bola, em transformar as sessões de fisioterapia em um treino de futebol.
Jogos gravados na TV, entrevistas de Fred e uniforme ajudaram Gabriel a ter rápida evolução. Foi assistindo aos jogos que perceberam que seu estímulo visual havia voltado. E repetindo entrevistas de seu ídolo que pôde retomar a fala. "Fred sempre foi um jogador que vivia machucado e sempre voltava, inclusive fazendo gol, então esse era o estimula. Ele estava no departamento médico, mas voltaria a jogar", diz o pai do garoto.
Gabriel não se lembra dessa época. Na missão de reaprender a andar, ele chegou a treinar com crianças de três anos. "Tudo que eu fazia era para conseguir voltar a jogar futebol, então a melhor parte é estar de volta na quadra e me sentindo igual aos outros". Quando questionado sobre seu sonho, não hesita: ver o Fred voltar a jogar no Fluminense.
Em um encontro na Toca da Raposa, o camisa 9 do Cruzeiro atendeu ao pedido do fã. "Disse ao Gabriel, e pretendo honrar, que vou fazer pelo menos um jogo de despedida pelo Fluminense, com ele em campo, trocando bola comigo e, de preferência, me colocando na cara do gol", afirma Fred ao Estado. Fred conta que aprendeu o que é ser ídolo de alguém e o papel que isso pode representar nas vida dessas pessoas. "Ser instrumento dessa virada que a vida do Gabriel deu é de uma alegria sem tamanho".
Fã de Cássio
Natural de Caruaru, no agreste de Pernambuco, Gabriel José foi agredido por outros três meninos ganhando um jogo de futebol improvisado com tampinha de garrafa. Levou inúmeros chutes em sua perna direita, mas escondeu a briga de sua mãe por ter sido ameaçado. "Tenho de ser sincero, estava com medo de eles baterem em mim de novo", disse o torcedor do Corinthians. Aguentou oito dias calado, até que foi levado ao hospital.
Era só o começo de uma longa internação de sete meses. Ficou na UTI, teve uma infecção generalizada e amputou a perna na altura do joelho. "Ele disse que queria ter a perna dele de volta, falou de se matar para encontrar a perna dele que está lá no céu. Partiu meu coração", conta a mãe Maria Izabel.
A história chegou ao Corinthians e o clube trouxe o garoto para conhecer Cássio. Gabriel entrou em campo com o goleiro no clássico com o Santos, dia 10 de março. "Quase desmaiei, minha pressão estava alta, meu coração acelerado. Foi emocionante", lembra o menino. "Mas trocaria tudo pela minha perna de volta, só para poder conquistar tudo que eu quisesse, conhecer o Cássio com meu suor, meu esforço e meu próprio dinheiro".
Cássio também conta que ficou comovido quando sua mulher lhe mostrou a história de Gabriel. O goleiro do Corinthians acredita que o papel de ídolo é uma via de mão dupla, uma vez que ele também é encorajado por cada uma das histórias que ouve. "Acredito que esse tipo de coisa, como o que aconteceu com o Gabriel, me dá força e me faz querer ser melhor não só como goleiro, mas como ser humano", diz. Por isso, o atleta reforça a importância de pensar além das quatro linhas e ajudar o próximo sempre. "Quando fazemos o bem, isso volta a nosso favor", acredita Cássio.
Antony como ídolo
Diferentemente dos dois meninos, a batalha de Larissa contra um tumor no cérebro não acabou. A torcedora do São Paulo está em tratamento, mas não deixa que isso lhe tire o sorriso. Sempre que pode, visita o atacante Antony. "Ele me ajuda no tratamento, me dá força", diz.
Após entrar em campo ao lado do jogador na Copa São Paulo de Juniores, ela virou torcedora símbolo da conquista do time tricolor. Larissa conta que ficou surpresa quando os jogadores rasparam o cabelo em solidariedade a ela, mas teve outro momento que a emocionou mais. "Fiquei feliz quando o Antony conseguiu fazer o primeiro gol dele e ainda comemorou me homenageando".
A admiração pelo jovem atacante tem um motivo que vai além do carinho dado a ela pelo atacante. "Ele é guerreiro igual a mim, não desiste da bola", diz Larissa antes de emendar um outro desejo além de se curar. "Meu sonho é que o Antony nunca se esqueça de mim".