Opinião: Integrantes de movimentos feministas analisam 'caso Neymar'
Polêmica envolvendo Neymar e a modelo Najila Trindade gerou diversas opiniões nas redes sociais
A polêmica envolvendo o atacante Neymar e a modelo Najila Trindade rendeu diversas opiniões nas redes sociais. Neste cenário, o Estadão ouviu integrantes de movimentos feministas que analisaram a repercussão do episódio.
Najila acusou Neymar de estupro, e o caso está sendo investigado. No último fim de semana, o atacante divulgou em seu Instagram parte das conversas que teve com a modelo e prestou depoimento sobre crime virtual, porque imagens íntimas de Najila foram expostas. A polícia cogita acareação entre os dois.
VEJA ABAIXO AS OPINIÕES:
Carla Vitória, advogada e integrante da Marcha Mundial das Mulheres:
"Esse episódio mostrou como a opinião pública sobre a percepção do que é estupro não está consolidada. A sociedade e as redes sociais viraram um grande tribunal popular. Outro ponto é que durante muitos anos tinham a ideia de que se uma mulher usar roupa curta, topar tomar uma cerveja com um cara ou, como no caso da modelo, ela aceitar ir até Paris com tudo pago, é sinal de que ela é obrigado a fazer algo. A violência sexual pode acontece até quando ela iniciou a relação e resolveu parar. Dentro da nossa ideologia patriarcal, a mulher é um objeto para o homem.
A sociedade tem um uma dupla moral sexual. Ela tende a sempre taxar a mulher como uma santa, que não sabe nada ou uma 'vadia' que tem interesse escusos e quer enganar o homem. A sociedade não vê a mulher como alguém que tem vontade e limites. É comum na violência com a mulher que ela seja desacreditada até mesmo por delegadas.
Independentemente de ter ou não acontecido o estupro, já sabemos que houve um crime que foi divulgar as imagens dela e as conversas. Isso se chama pornografia de vingança. Ele mesmo criou a prova contra ele. Sabemos que o mundo é machista e o que mais me assusta é que o Brasil está ficando mais machista. Quando a gente tem um presidente da República que se posicionou favorável ao jogador, vai criando uma permissividade perigosa. Estamos vivendo uma reação conservadora muito forte.
Tudo isso não ganhou destaque por ser o Neymar. Recentemente tivemos casos de mulheres famosas, algumas globais (artistas da TV Globo), que tiveram fotos íntimas divulgadas e elas é quem foram julgadas pelo público. O machismo atinge todas as mulheres, independente da cor e da renda familiar. Claro que dependendo da raça e da classe social, o preconceito é ainda maior."
Maíra Liguori, diretora da ONG Think Olga:
"Eu olho esse caso a partir de uma perspectiva feminista por dois caminhos. O primeiro é o benefício da dúvida, que é muito mais estendido e amplamente defendido para o homem do que para a mulher. A palavra dela é colocada à prova, a postura dela é julgada, o olhar sobre ela é de crítica, sempre em dimensões maiores do que quando se refere a ele. Ainda existe um inquérito em andamento, mas o "tribunal da sociedade" já deu conta de que ela é interesseira, que está atrás do dinheiro dele, que fez tudo isso armado.
Então é uma narrativa muito fácil de ser construída porque é um modus operandi, a forma clássica de culpabilização da vítima. É muito mais fácil desqualificar o que ela está dizendo e colocar o homem em um lugar mais "protegido" do que duvidar da postura dele também. Será que ele de fato não cometeu esse crime? Existe uma ânsia tão grande em livrar a cara do agressor, do homem, só porque ele é homem. Isso é uma tendência.
O segundo ponto é a camaradagem. A gente está falando de homens defendendo homens. Como temos mais homens ocupando os espaços de poder e de expressão, pois estamos falando de grandes times, de empresários, de patrocinadores, ou seja, estamos lidando com um mundo que movimenta muito dinheiro cuja imagem deteriorada do Neymar implica em prejuízo financeiro, então existe por parte de todos os atores envolvidos um interesse muito grande em protegê-lo.
A abordagem é sempre na linha de que ele é coitado, que é só um menino, que não pode ser responsabilizado, que foi vítima de um golpe porque é rico, como se isso o colocasse acima de qualquer suspeita. Então existe esse acordo de cavalheiros, que funciona muito bem. Na maioria das vezes, quem conta a história são os homens, que são os donos da narrativa, então fica difícil fazer a voz da mulher ser levada em conta."
Cristina Lima, secretária executiva da Universidade Livre Feminista:
"Esse caso é bem emblemático. Como sempre, nós, mulheres, somos questionadas. As pessoas querem ditar o que fazemos. Pode ser que esse caso tenha uma repercussão para as mulheres, mas não acho que vai ser positivo para os movimentos feministas, porque vi que muitas mulheres até aprovam a conduta dele (Neymar).
Claro que tudo deve ser apurado, mas sabemos que vivemos em uma sociedade machista, patriarcal, que condena as mulheres, e isso é bem complicado.
Uma outra questão desse caso que me preocupa é que para ele se livrar de uma acusão, usou um recurso que é considerado crime (divulgação de conversas e imagens íntimas). Ele reagiu dessa forma, e mais uma vez o corpo das mulheres fica com esse tipo de evidência."