Do 1º ouro do Brasil às limitações: como decreto de Lula sobre armas prejudica tiro esportivo
Atletas da modalidade e entidades representativas destacam impactos ao esporte com novas diretrizes na política de acesso a armas e munições
As restrições impostas para o acesso a armamento e munições no Brasil após o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), trouxeram impactos aos praticantes de tiro esportivo. A modalidade foi a primeira a garantir ao País uma medalha de ouro na história dos Jogos Olímpicos, mas para os atletas e entidades representativas, a nova regulamentação demonstra preconceito e falta de reconhecimento com o esporte.
O Brasil estreou sua participação em Olimpíada na edição da Antuérpia, em 1920. Naquele ano, a delegação ganhou três medalhas - uma de ouro, uma de prata e outra de bronze -, todas elas no tiro esportivo.
Logo que assumiu o mandato, Lula revogou total ou parcialmente sete decretos do governo Jair Bolsonaro (PL) e baixou novas diretrizes gerais sobre a política de acesso a armas e munições. As principais entidades representativas do tiro esportivo, no entanto, apontam que a medida causou prejuízos ao esporte.
"Somos favoráveis à regulamentação, desde que não haja prejuízo ao esporte", afirma o presidente da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE), Jodson Edington, ao destacar que está mais difícil a participação dos atletas em treinamento e competições, o que pode diminuir o rendimento e nível técnico deles para disputas olímpicas.
Conforme explica Jodson, a suspensão da emissão de novos Certificados de Registro (CR) prejudica o início no esporte por novos atletas. Já sobre os atletas já praticantes, a nova regulamentação reduziu de 5.000 para 600 o número de munições que podem ser adquiridas por ano, mas há modalidades em que essa quantidade é utilizada em apenas uma única etapa.
"Houve também uma redução drástica na quantidade mensal de munições que possam ser repassadas para os atletas pelos clubes (50 unidades), para utilização exclusiva nas etapas, uma vez que a quantidade necessária não pode ser transportada de avião. E o deslocamento por carro na maioria das vezes é impossível em razão da distância", acrescentou.
Além disso, outras duas mudanças que impactaram diretamente os atiradores esportivos: a proibição da aquisição de insumos para recarga de munições; e a proibição de armas com calibre restrito, necessárias para algumas modalidades.
"Os atletas olímpicos são de altíssimo rendimento, motivo pelo qual seu treinamento é constante e intenso, precisando, portanto, de munições em quantidade compatível com o treinamento e participação nas competições. Neste ano estarão ocorrendo as provas seletivas para as equipes olímpicas, bem como a disputa das vagas para os Jogos Olímpicos. Os atletas estão com seu treinamento prejudicado, o que reflete negativamente nas chances de conquistas de vagas", destacou.
Impacto na geração de empregos
"O esporte de tiro envolve toda uma cadeia socioeconômica. Com a impossibilidade de frequência dos atletas nos clubes, pela pouca quantidade de munição, os mesmos ficam diretamente afetados no seu faturamento, havendo a possibilidade de terem que reduzir seus quadros de colaboradores ou até mesmo encerrarem suas atividades", disse Jodson Edington.
O presidente da CBTE ainda afirma que essa situação se estende às lojas, que tiveram uma redução abrupta de faturamento, o que pode causar uma onda de desemprego e até o fechamento de alguns desses estabelecimentos.
"Afeta também os trabalhos autônomos dos despachantes, treinadores, técnicos, armeiros, instrutores. Além da iminente onda de desemprego no setor, o qual vinha em constante crescimento, certamente não haverá novas vagas, caso se mantenha como está. É necessário que as entidades desportivas formais sejam ouvidas para que apresentem as suas especificidades", afirmou.
Ao Terra, Marcelo Danfenback, presidente da Liga Nacional dos Atiradores Desportivos (Linade) e proprietário de loja e clube de tiro, reforçou o quanto a regulamentação tem impactado na vida dos atletas e na geração de empregos. Para ele, o revogaço mostra um "desconhecimento da parte técnica, que fundamenta todo o estudo dessa pauta."
"Atualmente, estão sendo paralisadas em média 2 lojas por dia, que simplesmente baixam as portas, e paralisam suas atividades, pois mostrou-se muito mais econômico e viável manter-se fechado do que com as portas abertas, amontando dívidas e desespero. Já demiti 8 pessoas e devo demitir mais 4 em alguns dias. Houve uma redução de 80% no faturamento nas lojas em geral. Teremos em poucos dias, o fechamento de 30 a 40% das lojas e clubes", acrescentou.
No último dia 7, a Confederação Brasileira de Tiro Esportivo e a Confederação Brasileira de Tiro Prático, participaram de reunião com o secretário nacional de Segurança Pública, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar para levar as demandas emergenciais necessárias à continuidade do esporte, diante dos efeitos do decreto. O Terra solicitou posicionamento ao Ministério da Justiça, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. O espaço continua aberto, e o texto será atualizado em caso de resposta.
Falta de reconhecimento
Essa limitações impostas ao tiro esportivo ocorrem devido a falta de reconhecimento ao esporte. Esse é o pensamento do atirador brasileiro Philipe Chateaubriand, classificado para Paris-2024. "Infelizmente, o tiro esportivo ainda não ocupa uma posição de prestígio entre as modalidade olímpicas praticadas no Brasil. Um esporte lindo, que tem como premissas a técnica refinada, concentração e foco muitas vezes é relacionado a coisas completamente antagônicas apenas pelo fato da natureza de seu equipamento esportivo", lamentou ele.
Para o atleta, um dos maiores impactos do decreto é impossibilitar o treinamento de alto rendimento devido a quantidade liberada de munição, e também pela dificuldade em deslocar o armamento preciso para a modalidade.
"Atualmente atiro pistola de ar 10m e o maior impacto que tive foi em relação a documentação pra transporte. No entanto, em breve iniciarei o treinamento de pistola de tiro rápido, modalidade olímpica, em um estande de 25m com calibre.22 que está inserida no contexto de restrição a aquisição de munição. Não conseguiria, nem de longe, realizar o volume de treino necessário pra atingir o alto rendimento também nessa modalidade", afirmou.
O gasto de Chateaubriand com transporte encareceu demais, principalmente o aéreo e, segundo ele, também ficou muito mais difícil o ingresso de novos atletas nas modalidades olímpicas, por conta de todas essas restrições. "Os atletas que representam o país em competições internacionais tem a necessidade de realizar treinamentos de alto nível para disputarem medalhas nas mesmas condições de preparação que atletas de outros países tem", destacou.
Para o atleta olímpico, é urgente que o governo federal analise os documentos produzidos pelos órgãos esportivos para permitir a prática do esporte. "Nossas armas são para nos levar ao pódio. Tivemos a primeira medalha de ouro do Brasil nessa modalidade. Nos jogos olímpicos do Rio, conquistamos a prata e o primeiro atleta a se classificar em modalidade individual pros jogos de Paris também é do tiro esportivo. Sem contar as dezenas de medalhas que conquistamos em jogos Pan-Americanos. O reconhecimento é desproporcional frente aos feitos dos atletas que representam o Brasil", lamentou.
Serviço de blindagem afetado
A revogação dos decretos que regulamentavam a venda e a autorização para a posse e o porte de armas também travou o serviço de blindagem de automóveis no país, já que foram derrubadas também regras que regulamentavam o serviço. A blindagem é uma alternativa da segurança, pois consiste em uma proteção estrutural que visa proteger os ocupantes contra tiros e explosões contra o veículo.