Com a lamentável derrota de 1x0 para o Equador,
ocorrida na tarde de hoje, mais
uma rodada de debates sobre a "decadência" da Seleção Brasileira
ocupou as redações da imprensa e as mesas de bar do Brasil. Muitas teorias
são formuladas, hipóteses são analisadas e, como sempre, épocas passadas
são relembradas de forma nostálgica. Entretanto, alguns fatores
intrinsecamente ligados à queda de qualidade da Seleção Brasileira passam
totalmente despercebidos, embora estejam bem à frente de nossos narizes.
Não se pode negar que, de um modo geral, as seleções
"pequenas" estão crescendo. Basta comparar o nível atual de
seleções como Nigéria, EUA e Japão, com a mediocridade que ostentavam há
15, 20 anos. Mas os pontos para que quero chamar a atenção são outros. O
primeiro é o fato de que o povo brasileiro (especialmente a imprensa) tem se
mostrado extremamente mal-acostumado. O Brasil assistiu a duas gerações (a
geração 1958/1962 e a geração 1970) MUITO acima de qualquer média que se
estabeleça , e como diz um velho ditado "quem conheceu o ótimo não se
contenta com o bom". O brasileiro, que passou algumas décadas se fartando
de filet-mignon, tem se portado de forma cada vez mais exigente e inconformada
com o bifinho que lhe é servido hoje. E esse mesmo brasileiro ainda não parou
para pensar que é impossível viver eternamente degustando filet-mignon.
Trocando em miúdos: jamais surgirão novos Pelés, Garrinchas, Rivellinos ou
Tostões, assim como jamais nascerão novos Beethovens, Tchaikovskys, Leonardos
da Vinci ou Isaacs Newton. Enquanto não inventarem a máquina do tempo, aquele
futebol virtuose jamais será reeditado e não será com julgamentos obcecados,
pronunciados por saudosistas incuráveis, que a atual Seleção Brasileira
reencontrará seu status.
As lembranças mais recentes de "futebol
arte", de "espetáculo" e de uma Seleção Brasileira aprovada
pelo povo são de 1982 ou, no máximo, 1986 (certo, alguém pode mencionar a
Seleção Olímpica de 1988, mas em termos de Seleção Principal, vamos ficar com
1986). Um fato importante que tem passado
despercebido nas análises sobre a Seleção Brasileira está intimamente ligado
ao cotidiano dos clubes e se torna de fácil de perceber quando comparamos o
mundo de 1986 com o mundo de 2001:
1) Em 1986, um jogador que atuasse em um clube
brasileiro disputava apenas o campeonato estadual e o Campeonato Brasileiro.
Apenas dois (ou no máximo três times) disputavam a Taça Libertadores da
América, que se estendia por todo o ano. De lá para cá, tivemos:
- em 1988, a criação da Supercopa Libertadores (que
acabou confinando a disputa da Taça Libertadores ao Primeiro Semestre);
- em 1989, a criação da Copa do Brasil (que contava com apenas alguns times
"grandes");
- em 1995, a abertura da Copa do Brasil a todos os "grandes",
independentemente de terem sido campeões estaduais no ano anterior;
- em 1997/98, a instituição das Copas Norte, Sul, Nordeste, Centro-Oeste e
Rio-São Paulo (aumentando a já excessiva quantidade de jogos disputados pelos
"grandes");
- ainda em 1997, a mudança de formato da Supercopa, que de torneio mata-mata,
passou a ser disputada em grupos (aumentando ainda mais a quantidade de jogos e
viagens dos times brasileiros);
- em 1998, a criação da Copa Mercosul (obrigando sete times brasileiros a
congestionarem seus calendários no segundo semestre);
- em 1999, o aumento de participantes da Copa Libertadores (expandindo para
quatro ou cinco o número de times brasileiros submetidos a maratonas de jogos);
- em 2000, a criação da Copa dos Campeões (que acabou de vez com as férias
de meio-de-ano para os jogadores dos clubes envolvidos).
2) Um jogador que atuasse na Europa em 1986 disputava
apenas o campeonato e a copa nacional. Eventualmente (já que havia apenas uma
vaga para cada cada país) participava também da Copa dos Campeões. De lá
para cá, esse jogador não viu tantas mudanças quanto seu colega que ficou no
Brasil, mas também teve aumentada sua cota anual de partidas graças a fatos
como:
- Criação das "Copas da Liga", ou
competições similares, que vieram se juntar ao campeonato e à copa nacional
na lista dos compromissos anuais obrigatórios das principais equipes do
continente.
- Aumento de times e de jogos da Copa dos Campeões da Europa. Em 1986,
apenas uma equipe de cada país disputava a Copa e, para ser campeã, bastava
disputar 9 jogos. Já hoje em dia, na temporada 2000/2001, praticamente todos os
"grandes" da Europa estão envolvidos nessa Copa que exige, para a
equipe campeã, a disputa de cansativas 17 jogos (sem contar as fases de qualifying).
Por tudo o que nossos dois jogadores acima assistiram,
fica fácil perceber por que a Seleção Brasileira está com desempenhos
decrescentes: graças às estruturas futebolísticas vigentes na Europa e no
Brasil, os times disputam cada vez mais jogos, dando cada vez menos brechas para
a atividade das Seleção; nessas brechas, a Seleção tem recebido seus
jogadores cada vez mais cansados e com antecedência cada vez menor em relação
ao compromisso oficial. Além disso, os jogadores têm chegado à Seleção cada
vez menos entrosados, pois desde o último compromisso pelo Brasil, cada um dos
jogadores (sem exceção), disputou dezenas de partidas por seu clube,
desacostumando-se portanto (se é que o jogador chegou a se acostumar) das
características de jogo da Seleção.
Apenas para comparar: TODOS os principais times
brasileiros jogaram por seus campeonatos estaduais ou regionais no último
fim-de-semana e algumas equipes (como São Paulo, Cruzeiro e os quatro
"grandes" cariocas) também estão jogando nesta quarta e
quinta-feiras. Com isso, os jogadores convocados não tiveram mais do que um ou
dois dias para se "entrosar". Enquanto isso, a Seleção Equatoriana,
está reunida desde a semana passada e pôde até disputar um amistoso de
preparação no domingo contra um time local (Emelec, se eu não me engano). À
luz dessa gritante diferença entre as preparações de ambas as equipes, a
vitória do Equador já não parece tão grotesca quanto à primeira vista, não
é verdade?
A solução, portanto, é uma só: reestruturar o
calendário tupiniquim (e, por que não, o sul-americano também), banindo as
competições que não têm razão de ser (como as copas regionais e a Mercosul,
por exemplo), enxugando as remanescentes, permitindo que a Seleção brasileira
volte a poder se reunir com a antecedência necessária. Afinal, onze craques
jamais poderão formar uma equipe se reunindo na véspera do jogo, assim como os
onze melhores músicos do mundo nunca formarão uma grande orquestra se se
encontrarem apenas na hora do show.
É isso aí. A qualquer momento estarei Acertando as
Contas com um novo assunto atual do futebol.