Essa frase, junto com sua inconfundível musica-tema,
identifica uma das séries que mais fãs conquistaram na história do cinema.
Entre as grandes marcas da série, além das tramas típicas do mundo da Guerra
Fria e das bond-girls que contracenaram com Sean Connery e Roger Moore,
estão as lutas de James Bond contra seus arquivilões. Brigas homéricas, ao
final das quais o herói emergia invariavelmente impecável, sem sequer
desalinhar os cabelos.
Mas, afinal, o que tem a ver o agente 007 com o futebol
brasileiro? Uma análise do comportamento brasileiro nos últimos tempos mostra
que o público (imprensa e torcida) tupiniquim vem sofrendo do que se pode
chamar de "Complexo de James Bond". Torcedores
palmeirenses que chamam Celso Roth de burro, apesar de o time estar liderando o
Campeonato Brasileiro; torcedores sãopaulinos que não se conformam com o
"jejum" de sete anos sem participar da Taça Libertadores; torcedores
da Seleção Brasileira que não aceitam a situação do Brasil nas
Eliminatórias da Copa; torcedores corintianos, cruzeirenses, flamenguistas,
gremistas, santistas, vascaínos, etc., que viram seus times se cobrirem de
glórias no passado e hoje se revoltam com a posição mediana de seus times no
Campeonato Brasileiro; todos esses apaixonados por seus times denunciam, em suas
manifestações, o sentimento a que me referi como "Complexo de James
Bond".
No período de 1991 a 1994, nenhum torcedor do São
Paulo tinha dúvidas de que seu time estaria entre os finalistas do campeonato
(fosse paulista e brasileiro). Até o mais fanático sãopaulino sabia que
ganhar o título não era uma tarefa fácil e que o "já ganhou" seria
uma postura condenável, mas mesmo o mais cético tricolor assistia à maior
parte do campeonato (a fase de classificação) com uma segurança que beirava a
arrogância, pois a única dúvida que tinha era sobre quem seria(m) o(s)
adversário(s) na fase final. O mesmo acontecia com torcedores do Palmeiras
entre 1993 e 1998 (é verdade que o Palmeiras ficou fora das finais do
Campeonato Brasileiro de 1995, mas naquele ano classificavam-se para as finais
apenas quatro times ao invés dos habituais oito, e o Palmeiras terminou aquele
ano em quinto lugar), com torcedores do Corinthians em 1998 e 1999, com
torcedores do Flamengo entre 1980 e 1983, e assim por diante.
O mesmo ocorre com relação à Seleção Brasileira:
desde a Criação do Universo e, especialmente, no período de 1957 a 1986, o
torcedor brasileiro sempre considerou as Eliminatórias para a Copa do Mundo
como uma formalidade, um mero cumprimento de tabela. A prepotência era tamanha
que, no sorteio dos grupos da Copa (mesmo em épocas de pouca confiança, como em
1966, por exemplo), a expectativa maior era em torno dos outros grupos para saber
contra quem o Brasil jogaria na segunda fase, sempre partindo da suposição de
ser o campeão de seu grupo.
Para reforçar esse quadro, é fácil encontrar, na
imprensa esportiva geral (e não apenas na imprensa do futebol), manifestações
de cunho igualmente arrogante:
"Está certo que com o futebol que a
Seleção vem apresentando essa vitória por 1x0 já está de bom tamanho,
mas ela [a vitória] poderia ter sido menos sofrida.",
escreveu um jornal de São Paulo no dia seguinte à estréia do técnico
Leão contra a Colômbia pelas Eliminatórias da Copa em 15/11/2000.
"Não agüento mais ver o Rubinho comer
poeira do alemão. Que saudade do Ayrton Senna!" e inúmeros textos
similares invariavelmente chegam nas mesas-redondas da TV nos dias em que
há GPs de Fórmula 1.
"Hoje em dia você torce mais para a
Seleção [de futebol] ou para o Guga?" era a enquete
on-line do site de um jornal esportivo há cerca de um mês. E havia bem
mais respostas favoráveis ao Guga do que à Seleção...
Aí está, então, o "Complexo de James Bond":
mimados por seus times de 1993 a 1998, os torcedores palmeirenses ficaram
mal-acostumados a entrar nos campeonatos seguros da classificação e de
vitórias tranquilas na maioria das rodadas (e o mesmo vale para torcedores
corintianos mimados pelo time de 1998-1999, gremistas mimados pelo time de
1995-1997, torcedores de todos os principais times do país, mimados por seus
esquadrões do passado e, principalmente, para torcedores brasileiros mimados
desde as gerações de Leônidas, Zizinho e Pelé); comentaristas esportivos "deixam
escapar" que não basta a Seleção Brasileira ganhar, mas além disso a
vitória deve ser tranquila; torcedores de Fórmula 1 confessam não tolerar
uma época de incertezas e sentir saudade de quando o pódio era certo e a
vitória, provável; por fim, o torcedor brasileiro acaba confessando, em uma
enquete on-line, que prefere torcer por quem ganha.
Como James Bond em seus filmes, o torcedor brasileiro se
acostumou a lutar com vilões que nem sequer lhe desalinham o cabelo ou lhe
amassam a roupa. Quer dizer, o torcedor brasileiro se acostumou a torcer por
Ayrton Senna, Gustavo Kuerten e a Seleção de Pelé e Garrincha contra
adversários mais fracos e conquistando muitas vitórias com relativamente poucas
dificuldades.
Acostumados a ver seu herói sair impecável das lutas,
muitos fãs do agente 007 não viram com bons olhos os modernos James Bond (Timothy
Dalton, Pierce Brosnam), que chegam até a sangrar em alguns golpes. E
acostumados a estarem sempre no topo dos rankings, a quilômetros de distância
de seus oponentes, os torcedores brasileiros não aceitam ser, na atualidade,
simples "mortais" que lutam em pé de igualdade com seus vilões.
Felizmente, o "Complexo de James Bond" tem
cura: a conscientização de que é impossível que o agente 007 fique eternamente
lutando como um super-homem sem sequer desarrumar a gravata, assim como é
impossível que o esporte brasileiro produza eternamente novos Pelés,
Garrinchas, Sennas, Gugas e Hortências e assim como é impossível, graças
também ao crescente nivelamento do futebol, sermos eternamente "Deuses da
bola".
Só assim, conscientizando-se de que não existem mais
Pelés e Garrinchas; compreendendo que o futebol brasileiro não é mais
"Deus", mas um "simples mortal", sendo mais tolerante em
suas cobranças e exigências e, finalmente, abandonando a prepotente postura de
"só torcer por quem ganha", o torcedor brasileiro poderá contribuir
para a melhoria de seu time e da Seleção.
É isso aí. A qualquer momento estarei Acertando as
Contas com um novo assunto atual do futebol.