Ex-promessa do Figueirense vira aposta da vela após 'loucura' por sonho olímpico
Mateus Isaac, de 28 anos, teve princípio de carreira nos gramados, mas se apaixonou pelo windsurf e hoje é o segundo do ranking mundial de IQ Foil, nova classe para Paris 2024
Volte a mente para meados de 2020. A pandemia de Covid-19 causava estragos, assombrava populações e fechava fronteiras. A humanidade convivia com o medo do vírus. A saúde era prioridade. Não foi diferente para Mateus Isaac, ex-promessa do Figueirense no futebol e velejador. Mas ele não deixou o caos mundial comprometer um sonho: uma medalha nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024.
O paulista de 28 anos é agora aposta da Confederação Brasileira de Vela (CBVela) para manter a tradição de pódios no megaevento. Hoje, ele é o segundo colocado no ranking mundial de IQ Foil, classe do windsurf que fará sua estreia no programa olímpico, atrás apenas do alemão Sebastian Kordel. Basicamente, trata-se de uma prancha à vela que, à distância, parece voar.
A novidade em comparação com a antiga classe do tipo, a RS:X, é a presença do "foil", uma espécie de "aviãozinho" que fica embaixo da prancha, de modo que o velejador fique por inteiro fora da água.
Para alcançar o status atual e tentar cravar seu nome da história do esporte brasileiro, algo que não conseguiu fazer nos gramados, Mateus topou algumas "loucuras". Em 2020, viajou para a Europa em meio às barreiras impostas pelos governos para conter a propagação do coronavírus, dirigiu sozinho de Portugal até a Suíça, em uma viagem de 2.500km.
O esforço valeu a pena. Isaac conseguiu disputar a primeira grande competição da classe na fase olímpica, terminou no top 10 mundial e, dali para frente, só escalou posições.
- O primeiro evento internacional de Foil foi em 2020, e eu competi, mesmo na época de pandemia. Foi uma missão gigante para poder viajar, mas eu já queria correr e ter o material, porque sabia que era um sonho disputar as Olimpíadas - disse Mateus, ao LANCE!.
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Ele conta que, naquele ano, tinha um patrocinador em Portugal, um hotel, que facilitou sua entrada no país. Com a ajuda do Comitê Olímpico do Brasil (COB), conseguiu uma carta atestando que precisava competir. Naquela altura, os debates na comunidade olímpica se voltavam para a realização ou não dos Jogos de Tóquio, que acabariam adiados para 2021. Mas Mateus já pensava em 2024.
- Fui de carro de lá até a Suíça, em uma viagem de 2.500 km, cruzando fronteiras e apresentando um monte de carta de federações. Foi terrível. Em cada fronteira, eu tinha de ficar lá conversando com os guardas, dizendo que ia competir e tal - lembra Mateus, que optou por viajar sozinho para evitar riscos de contaminação pelo coronavírus.
Treinado por Bruno Prada, dono de duas medalhas olímpicas na classe Star ao lado de Robert Scheidt, o velejador participou de perto da ascensão do IQ Foil. Ele acredita que tenha sido uma das 50 pessoas do mundo de sua geração a correr com o equipamento. Embora o esporte já exista há mais de 30 anos, somente a partir de 2015 ele começou a ser explorado em nível mundial competitivo.
O conhecimento sobre a classe e a progressão de desempenho ao longo dos anos indica que o brasileiro poderá chegar à França em condições de brigar por medalha, assim como as bicampeãs olímpicas Martine Grael e Kahena Kunze, da 49erFX. A vela é o esporte que mais deu medalhas de ouro olímpicas ao Brasil na história. Foram oito.
'Gostava mais de fazer esportes do que de estudar'
Vela e futebol sempre fizeram parte da vida de Mateus. Ele nasceu em Ilhabela, um dos destinos favoritos dos velejadores, como seu pai. Na infância, mostrou talento nos campos, atuando como meia, e nos salões, um pouco mais recuado. Quis levar o negócio a sério quando a família se mudou para Florianópolis, mas a logística de treinamentos era difícil. E a paixão pelo windsurf só aumentava.
- Eu gostava muito do Ronaldo, do Kaká, do Ronaldinho Gaúcho. Depois, Neymar e Adriano. Sou corintiano! Eu era muito pequeno e sempre gostei muito de esportes em geral. Já lutei capoeira e judô, também. Jogava bola na escola e gostava muito mais de fazer esportes do que estudar, por exemplo. Quando eu me mudei para Florianopolis, já jogava e tentei ir um pouquinho mais longe. Fiz o teste no Figueirense e joguei na base do Vasco, que tinha uma sede lá. Mas era complicada a logística - conta Mateus.
- Lembro que para eu jogar futebol não era fácil. Tudo era uma missão. Ir treinar, voltar e tudo mais. Ainda tinha que estudar e faltava tempo. Tinha gente que estava lá só jogando futebol. Eu tinha 10 anos e lembro do meu pai falando: 'esses caras não estudam, não? Não comem? Só jogam futebol?' Eu morava longe e tinha que ir de carro, depois tinha que estudar, tinha prova, aí ia mal na prova. Era tudo muito complicado e eu me lembro que normalmente o vento era de tarde e perto da minha casa e meu pai já ia velejar mesmo. E era muito simples: eu entrava no carro com ele e a gente ia conversando, fazendo piada. Era muito natural, muito divertido.
Os resultados começaram a aparecer, bem como o contato com novos ídolos. Com 14 anos, o brasileiro disputou o primeiro evento internacional, um Mundial sub-16 anos, e terminou na segunda colocação. Aos 18, foi campeão mundial junior.
- Eu me lembro que as primeiras vezes que eu comecei a velejar, em Florianopolis, estava treinando o Kauli Seadi, três vezes campeão mundial de windsurf, e o Browzinho. Hoje em dia, os dois são meus amigos. Naquele dia, eles foram treinar surfe onde eu estava velejando. Era como você ver o Ronaldinho Gaúcho e o Ronaldo treinarem na sua frente - descreve Mateus, formado em Administração nos Estados Unidos.
Mateus está na Itália para a disputa do Campeonato Europei de IQ Foil, no Largo di Garda. A competição reúne 251 atletas de 40 países, sendo 156 homens e 95 mulheres. No ano passado, o brasileiro terminou a competição em terceiro lugar.