A dura solidão de Maradona, sentado num meio-fio em Goiânia
Craque estava no Brasil para a disputa da Copa América de 1989
No final da noite de 1º de julho de 1989, Maradona, já consagrado pelo título na Copa de 1986 e considerado por muitos como o maior talento do futebol mundial então em atividade, aproveitou um raro instante de sossego para sentar-se num meio-fio de uma rua de Goiânia, em frente ao Castro’s Park Hotel, que hospedava a seleção da Argentina para a disputa da primeira fase da Copa América. Sua presença na cidade criou alvoroço por vários dias – ele chegara na véspera - e havia um esquema de segurança especial à sua disposição.
Mas, naquela terça-feira, após treino em dois períodos, vários jogadores já haviam se recolhido para seus quartos. Maradona, no entanto, preferiu esticar um pouco mais, deixou o hall do hotel e, mesmo vigiado à distância por seguranças, ficou sozinho, a contemplar o silêncio ao seu redor, sem ninguém por perto.
Parecia pensativo quando, por acaso, nós o avistamos. Estávamos eu, como recém-contratado, e o repórter Nogueira Neto, ambos pelo hoje extinto Jornal do Sports, fazendo dupla na cobertura do Grupo B da Copa (formado por Argentina, Uruguai, Chile, Equador e Bolívia). Voltávamos a pé do jantar e seguíamos para o Hotel Umuarama. Surpreendidos com aquele encontro totalmente imprevisto, e sem a presença de fãs, fotógrafos e policiais que pudessem impedir nossa aproximação, fomos cumprimentá-lo.
Nogueira, mais experiente e com bom conhecimento da língua espanhola, conquistou rapidamente a simpatia de Maradona. Isso ficou evidente quando ele disse que era amigo de Alemão e Careca, então companheiros do argentino no Nápoli.
Gentil, Maradona o acolheu com bom humor, algumas gargalhadas, e acabou engrenando uma conversa com Nogueira por mais de 30 minutos. O bate papo virou entrevista, publicada no dia seguinte pelo JS. O craque falou sobre a competição, o seu momento na Itália, futebol brasileiro e também fez um desabafo.
Disse que o que mais queria na vida era poder caminhar como qualquer outra pessoa pelas ruas de Buenos Aires, ter o direito de entrar numa sorveteria ou num café da capital argentina sem o assédio de ninguém, viver como um cidadão comum. Mas, sabia, que isso jamais seria possível.
Diante da notícia da morte de Maradona, o passo a passo daquela noite, em Goiânia, foi reavivado nesta quarta-feira por Nogueira Neto. “Aquilo que aconteceu comigo foi como um minerador ter encontrado um diamante, que na linguagem deles é um bamburro. Ninguém chagava perto do Dieguito, mas não era ele que impunha essas regras. Ao contrário, o Maradona sempre teve a humildade como princípio no trato com as pessoas. Estou muito triste com esse desfecho, mais ainda pelas consequências nefastas das drogas”, disse o jornalista ao Terra.