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A seleção e o verde e amarelo não podem ser usados politicamente, diz presidente do São Paulo

2 jul 2024 - 18h39
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Julio Casares, presidente do São Paulo
Julio Casares, presidente do São Paulo
Foto: Divulgação

Antes de se tornar presidente do São Paulo Futebol Clube, Julio Casares foi executivo de marketing de televisão durante 30 anos. Ocupou a mesma cadeira no clube que hoje dirige, e esses atributos o levaram a chefiar a delegação da seleção brasileira na Copa América, disputada nos EUA, com a missão de recuperar a popularidade da equipe nacional, desgastada por maus resultados recentes e utilização do seu símbolo maior, a camisa amarela, com sentido político. À véspera de embarcar para a missão, ele falou de sua cadeira no clube sobre os desafios que enfrenta na direção de uma empresa sob pressão de milhões de “acionistas” movidos 99% por paixão e 1% por razão. Em bom momento frente ao clube, depois de recoloca-lo novamente na rota de títulos, após uma década de hiato, ele diz viver um dia após o outro. “Hoje vou passear no shopping e até segurança tem que ajudar às vezes pela quantidade de pessoas querendo uma foto. Não vou negar o sentimento de alegria, mas temos que estar preparados porque futebol é uma fotografia do dia.”

Você chefia a seleção brasileira na Copa América em momento emblemático, com ostracismo na equipe nacional e popularidade em alta nos clubes. Você acha que um dia a seleção voltará a ser representativa?

Eu sou do tempo em que até a convocação da equipe parava o Brasil. Esse orgulho da camisa nacional tem que voltar. Existe uma preocupação muito grande com o sentimento de que a bandeira da seleção brasileira não pode ser usada politicamente, ela é um patrimônio normativo do povo. A minha ida para lá é como a de um agente para contribuir e levar a experiência que nós tivemos ao popularizar o São Paulo, que era conhecido como clube de torcida mais distante. A seleção tem que diminuir a distância dos atletas com o torcedor, já que a maior parte joga na Europa, e recolocá-la de volta ao dia a dia do brasileiro.

No Brasil, temos diferentes modelos de gestão que vem dando resultado. Existem exemplos onde uma pessoa ou entidade entra com muito dinheiro, como no Atlético Mineiro  e Palmeiras, e existem as SAFs, que são clubes-empresa. O que acha delas, já que o São Paulo não as aderiu?

O São Paulo nunca teve um mecenas; nós contamos com grandes idéias e homens de brilho. Não sou contra empresários que colocam dinheiro nos clubes. Mesmo se for com intenção política, é válido e é do jogo. Nós temos grande industriais, torcedores bilionários que nunca investiram no clube, ou por timidez ou pela própria história do clube. Sobre as SAFs, ainda questionamos o modelo e sempre disse que não seríamos nem os primeiros nem os últimos a entrarem nela. Por enquanto ainda existe muita confusão jurídica.

As dívidas dos clubes brasileiros são muitas vezes bilionárias. Existe perspectiva de começarem a operar de maneira menos deficitária?

Nós temos que analisar o futebol brasileiro como negócio, mas também como negócio marcado por uma paixão grandiosa. Imaginemos que eu tivesse terminado o meu mandato sem títulos. A gestão seria considerada um fracasso, porque a marca do sucesso esportivo é que alavanca como os resultados são encarados. Então o dirigente é obrigado a ser competitivo a qualquer custo. Um bom projeto começa por estabilizar e diminuir a pressão da dívida bancária, que é aquela que corrói. Como pessoa física, quando compramos mais no cartão de crédito, deflagra processo de parcelamento. Os juros começam a sufocar sua vida e este é o exemplo que eu dou. Nós temos que fazer o mesmo nos clubes, sair da prisão dos juros, planejar redução das dívidas e estabilizar. O futebol brasileiro ainda depende da venda de jogadores, por isso que na outra ponta priorizamos o investimento na base, com plano de vender dois jogadores por ano.

Quais são os principais atributos do esporte brasileiro?

O futebol aqui é muito competitivo, e isso não pode ser confundido com fracasso de gestão. No Espanhol, no Alemão, você tem dois, três clubes que brigam por conquista. Aqui, dos 20 times da série A, 11, 12 podem ser campeões. Isso não significa que os outros times foram mal geridos, é preciso consciência disso. Nós estamos em um país em que o técnico às vezes tem uma fase muito boa e depois perde três jogos seguidos e passa a ser contestado. Essa emoção não pode confundir. Todos os dirigentes querem estar presentes em uma fotografia de campeões durante seus mandatos, mas não podemos fazer isso sem medir limites. O pensamento de curto prazo é perigoso. Hoje, temos uma dívida que chamo de administrável, na linha do potencial de faturamento de um ano do clube. Uma coisa que o torcedor não sabe, por exemplo, é que em três anos e meio de mandato, eu tenho garantido empréstimos com avais pessoais do meu patrimônio. Se o estádio do Morumbi alcançar a modernização que pretendemos, o São Paulo atingirá patamar bem significativo em breve.

Você tem uma experiência grande de gestão diretiva em empresas como SBT e Record. Como é hoje dirigir uma “empresa” com 25 milhões de acionistas apaixonados pressionando por resultados em curtíssimo prazo?

É o grande drama que vive um cara que vem da iniciativa privada e senta em uma cadeira de dirigente de futebol. Na gestão de uma televisão ou de qualquer empresa, você tem clientes, tem admiradores, mas não tem a torcida. O gol lá é a audiência, a credibilidade, o prestígio, o faturamento. Aqui, se a bola não entra na quarta-feira, no domingo estamos na berlinda. Então é preciso muita resiliência, determinação e fé. Eu vou contar uma coisa que não falei para ninguém. Quando eu cheguei à presidência, na primeira semana, não tínhamos recurso. Tinha Oficial de Justiça rondando as portas no financeiro e um dia, brincando, disse que ia ligar para os meus antigos empregadores e perguntar se poderia voltar, porque era um negócio absurdo.  Se você quiser fazer dar certo, tem que viver essa ambição – tem que viajar com o time, estar presente nos centros de treinamento e formação, marcar presença na área social e viver o clube de segunda a segunda, não tem outro caminho.  Eu me entreguei a esse projeto e coloco sempre na mesa que esses 25 milhões que vivem o clube como acionistas o fazem por total emoção, e que não posso me deixar empolgar ou abater por momento que viva o time.

Atualmente clubes como São Paulo, Palmeiras, Flamengo, passaram de média de torcida de 10, 15 mil pessoas para quase 50 mil. A que atribui isso?

Esse é um fenômeno importante. Antigamente não havia tantos veículos transmitindo os  jogas ao vivo, e mesmo assim as pessoas vinham menos ao estádio. O que aconteceu foi um conjunto de fatores. No nosso caso, a estação do metrô próxima ao estádio ajudou. Estádios passaram a oferecer melhores condições de estacionamento e a comunicação com o torcedor é outro ponto importante. O são-paulino passou por um momento extraordinário na vida, com os títulos brasileiros e mundiais; depois, entrou em profunda reclusão. Foi quando elaboramos processo de reconstrução e possibilitamos ao torcedor de menor poder econômico estar presente mais vezes. Criamos o setor popular e uma dinâmica com canal de streaming próprio que mostra os bastidores, entre outros projetos colaborativos com a torcida. Mesmo com tudo isso, o ticket médio do clube manteve-se aceitável, o que mostra que a cumplicidade gera reciprocidade. Ao tornar o público cúmplice de um projeto, a reciprocidade vem naturalmente.

E como é lidar com os dias ruins?

Quando cheguei à presidência, em 2021, chegamos a duas decisões e perdemos as duas, Campeonato Paulista e Copa Sul-Americana. Foi um choque porque é muito difícil perder uma final, ir depois com jogadores pegar a medalha de prata. Fui tomar banho e me preparar para embarcar quando o pessoal da comunicação foi até meu quarto e falaram algo que me colocou de volta ao lugar devido: “Presidente, você está triste como nós estamos, mas queremos que entenda que há muitos anos não ganhávamos clássicos, não chegávamos a uma final e é hora de nos acostumarmos de volta a esse clima. Somos uma instituição que temos que nos acostumarmos de novo a sermos protagonistas”. Foi o que aconteceu em 2023, quando levamos a inédita Copa do Brasil, entramos em 2024 com o título da Supercopa. Então, às vezes, uma derrota não significa apenas o resultado momentâneo, mas o que você construiu ou reconstruiu para chegar lá.

Como é a agenda de um dirigente de clube da série principal do futebol?

Os meus companheiros não sabem de onde consigo energia para dar conta de tudo. Em 2021 a Covid quase me levou, quase morri. São provações que muitas vezes colocam em teste até as relações familiares. Ser dirigente é uma missão como a de um líder religioso ou político – é ideológica. Só que no futebol é mais difícil ainda porque tem a pressão da torcida e o imediatismo. O cara que senta na cadeira de presidente tem que aprender a deixar a emoção de lado e sempre manter o espírito amador do bom futebol e as boas relações. O Palmeiras já veio jogar no Morumbis e nós fomos no Allianz, esse é o espírito: a noção amadora do esporte nas relações, mas não na gestão.

O público associa dirigentes apenas ao futebol. Quais são os outros desafios que os clubes promovem? Imagino que o futebol feminino seja um deles.

Sim, o feminino é o maior atualmente, mas você tem que manter outros esportes competitivos e nós optamos por tornar o clube uma instituição múltipla. Nós temos, além desses, um protocolo com observatório de discriminação racial, a inclusão independente de orientação sexual, o torcedor menos favorecido presente no Morumbis. Assim, conseguimos deixar de lado impressões erradas, como a de que éramos um clube de elite. Eu, por exemplo, vinha lá do extremo da Zona Leste de São Paulo de Kombi para assistir jogos e gastava duas horas e meia no trajeto. Passava sufoco, a arquibancada era de cimento, não tinha nem cadeiras, tomava um sol danado e eu pensava: “que clube de elite é esse de que falam?”. Eu gosto que seja um clube popular, então essa é uma bandeira importante: ser um clube de todos e para todos. Só que não posso atropelar as coisas. Eu gostaria de chegar e aumentar o orçamento para o futebol feminino, só que não dá ainda. O desafio é grande porque o dinheiro gerado pelo futebol é o grande responsável pra trazer o recursos para dentro.

Como você vê o futuro do futebol brasileiro em curto médio e longo prazo?

Vejo com otimismo, mas com preocupação. Otimismo porque sinto que tem uma safra nova de dirigentes importantes, pessoas capacitadas. A preocupação é que nós não podemos repetir erros do passado. Temos que nos unir para termos uma liga representativa, solidificarmos o movimento para que consigamos pensar no futebol como produto. Na volta ao Brasil vou traçar um plano para sentarmos à mesa e dizer: “Gente, somos diferentes, temos linhas diferentes de pensamento, mas vamos nos unir pelo bem do esporte”. Você percebe o que se tornou a Premier League (inglesa). Então, sou otimista em geral, mas sempre fica a preocupação porque isso teria que começar ontem.

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