CBF tenta se recuperar de 3 décadas seguidas de escândalos
Primeiro ano do mandato de Ednaldo Rodrigues sinaliza novo rumo
Faz exatamente um ano que a CBF elegeu seu novo presidente, Ednaldo Rodrigues, o primeiro negro e nordestino a comandar a centenária entidade. Graduado em Ciências Contábeis, com extensão em auditoria financeira, ele mantém seu estilo discreto e é afeito ao trabalho quase que ininterruptamente. Um de seus principais desafios no cargo é promover a mudança de imagem da CBF, manchada por longos anos de escândalos.
Já são três décadas seguidas em que a entidade sofre com um grande volume de denúncias, indiciamentos e até prisão de seus dirigentes. Mas, pelo menos nos 365 dias iniciais de seu novo mandato, Ednaldo conseguiu livrar a CBF do noticiário policial.
Desde março de 2022, carros da Polícia Federal não foram mais vistos na porta da sede da entidade. Não houve novas denúncias de corrupção envolvendo dirigentes da CBF e existe uma percepção interna de que a confederação busca um caminho que a faça se aproximar do torcedor brasileiro e dos interesses legais de federações, clubes, jogadores, de todo o complexo e ilimitado mundo do futebol.
Uma das primeiras medidas de Ednaldo, que incomodou muita gente, foi a de incluir em novos e antigos contratos da CBF cláusulas anticorrupção, antiassédio e antipreconceito. Por causa de inconsistências e obrigações que considerava lesivas à CBF, a gestão de Ednaldo não continuou sua parceria com empresas conhecidas, como, por exemplo, a Sport Promotion, Klefer e Live Mode.
Nos meses à frente da confederação, Ednaldo também vem liderando ações de combate ao racismo e a toda forma de preconceito no futebol, com o que conta com o apoio integral da cúpula da Fifa. A abertura do espaço da CBF para federações e clubes é outra marca de sua administração, pouco importando se o clube é da Série A, B, C ou D do Brasileiro ou mesmo se está fora de uma das divisões nacionais.
Veja alguns exemplos abaixo, ano a ano, de como a CBF e seus dirigentes “se destacavam” na mídia antes da chegada de Ednaldo à presidência em março de 2022:
1994 – Após a Copa de 1994, nos Estados Unidos, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, foi acusado de pressionar um funcionário do Aeroporto Internacional do Rio para a liberação de cerca de 17 toneladas de bagagens da Seleção brasileira, no episódio conhecido como o “vôo da muamba”. A carga continha, entre outros itens, eletrodomésticos comprados por jogadores e dirigentes ligados à entidade.
1995 – Conflito de Ricardo Teixeira com a Receita Federal, que o acusa de ter trazido para o País de forma ilegal (no vôo da muamba) equipamentos de refrigeração de chope que seriam instalados no bar El Turf, no Rio, do qual Teixeira era sócio.
1996 – CBF assina contrato com a Nike de 160 milhões de dólares - parceria que seria alvo de uma CPI anos depois. Ricardo Teixeira é acusado de remessa ilegal de dinheiro para o exterior.
1997 – Caso de corrupção envolvendo a Comissão Nacional de Arbitragem da CBF e seu diretor Ivens Mendes, acusado de vender resultados de jogos para dirigentes de clubes.
1998 – Após o fracasso do Brasil na final do Mundial com a França, a CBF se vê no centro de uma polêmica, incluindo a Nike e o craque Ronaldo. Circulam pela imprensa acusações de que a empresa pressionou a entidade para a escalação de Ronaldo, que sofrera uma convulsão na noite anterior à final.
1999 – CPI da Nike aberta na Câmara dos Deputados investiga contrato da empresa com a entidade e levanta uma série de irregularidades cometidas pela confederação e seus dirigentes. A CPI foi instalada inicialmente para apurar os motivos reais da escalação de Ronaldo na final do Mundial de 1998.
2000 – Senado instaura CPI do Futebol e investiga federações, clubes e CBF, cujo personagem principal é Ricardo Teixeira.
2001 a 2003 – Entre 2001 e 2003, 13 inquéritos foram abertos na Superintendência da Polícia Federal, no Rio, tendo como alvo Ricardo Teixeira ou a CBF. Todos para investigar crimes financeiros.
2002 – Ricardo Teixeira consegue liminar na Justiça para impedir a impressão do livro CBF-Nike, de autoria dos deputados Sílvio Torres e Aldo Rebelo. A obra relatava todas as investigações que devassaram seus negócios.
2004 – Polícia Federal abre novo inquérito para investigar Ricardo Teixeira em outras denúncias de crimes financeiros.
2005 – Nova denúncia de manipulação de resultados de jogos de futebol envolvendo competições organizadas pela CBF. Esquema conhecido como máfia do apito seria encabeçado pelo árbitro Edilson Pereira de Carvalho, um dos homens de confiança do comando da Comissão Nacional de Arbitragem da CBF.
2006 – Justiça do Rio recebe denúncia do Ministério Público contra Ricardo Teixeira por causa da venda de ingressos para o Mundial de 2006. Foi acusado de cometer crime de ordem econômica. A CBF tinha parceria com a empresa Planeta Brasil, única autorizada pela entidade para receber e revender ingressos para o Mundial. O dirigente e a empresa negaram irregularidades.
2007 – Ricardo Teixeira perde recurso na Justiça Federal, no qual tentava derrubar decisão anterior que confiscava os equipamentos instalados no bar El Turf (o vôo da muamba).
2008 – Brasil faz amistoso com Portugal em Brasília, e, posteriormente, reportagem da Folha de S.Paulo denuncia esquema de desvio milionário de dinheiro público na organização do jogo, envolvendo diretamente Ricardo Teixeira.
2009 – Juíza Lília Medeiros, da 22ª Vara Federal, suspende direitos políticos de Ricardo Teixeira por causa do episódio conhecido como vôo da muamba.
2010 – Reportagem do Diário Lance aponta que Ricardo Teixeira pode ficar com 100% dos lucros do Comitê Organizador da Copa de 2014. O dirigente também se vê no meio de polêmicas que o associam a interesses particulares na construção de novos estádios para o Mundial no Brasil.
2011 – Polícia Federal abre inquérito contra Ricardo Teixeira para investigar suspeitas de remessa ilegal de dinheiro ao Brasil e lavagem de dinheiro. Em outra frente, advogados do dirigente derrubam a condenação da 22ª Vara Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
2012 – Acuado diante de uma série de denúncias de ilegalidades, Ricardo Teixeira renuncia à presidência da CBF. José Maria Marin assume o cargo.
2013 – CBF é condenada pelo Tribunal de Justiça de SP a uma multa de R$ 20 milhões em decorrência do escândalo conhecido como “máfia do apito” O STJ derrubaria a penalidade em 2020.
2014 – Encontro entre José Maria Marin e o empresário J. Hawilla, já falecido, discute distribuição de propinas da empresa de Hawilla, que detinha direitos de transmissão de várias competições, para Teixeira, Marin e Del Nero. A reunião foi revelada depois pela justiça dos EUA.
2015 – Em maio, José Maria Marin, então vice-presidente da CBF, é preso na Suíça, acusado de vários crimes. Ele havia presidido a CBF desde a renúncia de Ricardo Teixeira, em 2012. Ficou no comando até abril de 2015, passando o posto para Marco Polo Del Nero.
2015 – Senado abre CPI da CBF, a fim de investigar denúncias de irregularidades em contratos feitos pela entidade para sediar o Mundial de 2014. Em dezembro, Marco Polo Del Nero é citado no processo aberto pela Justiça dos EUA para apurar casos de corrupção no futebol mundial e fica impedido de deixar o Brasil, sob risco de ser preso.
2016 – CPI da CBF é encerrada com o pedido do indiciamento de nove pessoas, entre os quais Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e José Maria Marin.
2017 – Marco Polo Del Nero é banido da Fifa.
2018 – Banimento de Marco Polo Del Nero é confirmado pela Fifa por ele ter violado cinco artigos do Estatuto da entidade, um deles versa sobre suborno e corrupção.
2019 – Fifa bane Ricardo Teixeira do futebol e lhe aplica multa de R$ 4,2 milhões, por acusações de corrupção.
2020 – José Maria Marin tem condenação mantida pela justiça dos EUA, que recusa recurso apresentado pela defesa do ex-dirigente da CBF.
2021 – Rogério Caboclo é suspenso da presidência da CBF após acusação de uma funcionária da entidade, que dizia ter sido vítima de assédio sexual e moral praticado pelo dirigente. Enquanto isso Del Nero tem sua pena alterada pela Fifa: em vez de banido, terá de cumprir 20 anos de suspensão.
2022 – Em decisão tomada em Assembleia Geral, a CBF afasta definitivamente Rogério Caboclo da presidência da confederação.