BH tem mortes, protestos “abafados” e Savassi enlouquecida
A cidade de Belo Horizonte foi palco de nada menos que seis jogos da Copa do Mundo de 2014, sendo quatro deles na fase de grupos, um nas oitavas de final e a fatídica semifinal entre Brasil e Alemanha, que ficará marcada para toda história.
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Pelo Estádio do Mineirão passaram craques como Lionel Messi, Neymar, James Rodríguez, Wayne Rooney, Alexis Sanchez, Thomas Muller e muitos outros. Mas apesar da grande festa que os mineiros fizeram na Fan Fest localizada no Expominas e, principalmente, na região da Savassi, que chegou a receber 35 mil pessoas em dias de jogos da Seleção, a queda de um viaduto que matou duas pessoas na avenida Pedro I também ficará marcada para sempre.
Dois mortos em tragédia
Em 3 de julho, reta final da Copa, o viaduto Guararapes, que fazia parte das obras do BRT Move, sistema de transporte rápido por ônibus da matriz de responsabilidade para o Mundial, desabou e deixou duas pessoas mortas e outras 23 feridas. Quatro veículos foram atingidos, sendo dois caminhões, um micro-ônibus e um carro de passeio. O viaduto estava em fase de acabamento e seria entregue no final do mês.
A prefeitura chegou a decretar luto oficial de três dias. Já em 4 de julho, dia seguinte ao acidente e que deveria ser de festa, já que a Seleção Brasileira jogaria com a Colômbia em Fortaleza, pelas quartas de final, a administração municipal optou por cancelar todos os eventos relacionados ao Mundial. Fan Fest e Savassi Cultural não aconteceram e, apesar da vitória do Brasil, a festa acabou sendo bem menor do que o esperado.
"Foi impactante porque o desastre provocou duas mortes em duas famílias, que hoje sofrem com as perdas. Eu sinto muito por eles, mas não creio que o desastre tenha manchado a imagem da eficiência de Belo Horizonte e Minas Gerais na preparação deste Mundial. Estou falando de quase seis anos de trabalho, com muitas conquistas e também desafios, entre os quais, o mais doloroso, talvez, tenha sido a queda do viaduto. A mancha que nunca será apagada é a da dor para essas famílias”, disse o secretário de Esportes e Turismo de Minas Gerais, Tiago Lacerda.
Após problemas judiciais, o viaduto Guararapes começou a ser demolido na manhã de segunda, dia 7, para que o trânsito na região fosse liberado. O trabalho de demolição parcial foi iniciado às 9h35 com autorização do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Protestos "abafados"
Um dia antes da abertura da Copa do Mundo, em 11 de junho, a cidade de Belo Horizonte foi palco do único protesto violento durante todo o período do Mundial. Cerca de 400 manifestantes saíram da praça Sete, no centro da capital, e se dirigiram à praça da Liberdade, onde estava localizado o relógio da Copa.
Lá, a Tropa de Choque da Polícia Militar estava posicionada para que não houvesse depredações ao relógio. Porém, iniciou-se um confronto entre PM e manifestantes, que depredaram agências bancárias, lojas e até mesmo prédios comerciais.
Na avenida João Pinheiro, em frente ao Detran, um grupo de manifestantes depredou e virou um carro da Polícia Civil de Minas Gerais. A quebradeira continuou na sede da prefeitura, na avenida Afonso Pena, onde os manifestantes picharam o prédio da administração municipal.
Esse protesto contra a Copa do Mundo foi o único em que houve confronto. Nas manifestações seguintes, que aconteceram em dias de jogos da Seleção Brasileira e em partidas realizadas no Mineirão, a PM adotou uma tática que se estendeu até o fim do Mundial.
Sempre monitorando as redes sociais, os policiais souberam onde seriam realizados os protestos e disponibilizavam um efetivo superior ao número de manifestantes. Enquanto o protesto reunia cerca de 250 pessoas, a PM colocava a Tropa de Choque a Cavalaria com 1,5 mil homens.
Com isso, quando os manifestantes começavam a se juntar, na maioria das vezes na praça Sete, a PM já interferia e revistava todos os presentes no local, vasculhando bolsas, mochilas e até pedindo para tirar tênis e sapatos.
Ao iniciarem o ato, os manifestantes eram cercados pelos milhares de policiais, que não permitiam que as pessoas saíssem da praça ou do local onde estava sendo realizado o ato. Na maioria das vezes a ideia dos manifestantes era dirigir-se ao Estádio Mineirão. A tática foi chamada de "envelopamento" e acabou sendo usada em todas as manifestações seguintes.
De acordo com o secretário Tiago Lacerda, diferente do que aconteceu durante a Copa das Confederações 2013, quando BH e outras cidades-sede foram palco de verdadeiras guerras contra os policiais, desta vez a grande maioria da população aderiu à Copa. "Enxergo (baixo índice de protestos) de uma maneira que me leva a crer que a maioria da população aderiu de corpo e alma ao evento".
Savassi enlouquecida
Muitos imaginavam que a maior concentração de torcedores durante os jogos da Seleção e outras partidas decisivas fosse acontecer na Fan Fest, no Expominas, e nas centenas de bares espalhados pela capital mineira. Porém, o local de maior concentração de torcedores foi na Savassi, região nobre de BH. No jogo do Brasil contra o Chile, pelas oitavas de final, a praça chegou a receber um público de 35 mil pessoas, de diversas nacionalidades.
O local foi escolhido para ser palco de muitas ações culturais como exposições, shows e feira de artesanato, mas acabou ficando conhecida como uma verdadeira torre de babel pela diversidade cultural e excesso de pessoas. Os que mais fizeram festa no local, além dos brasileiros, é claro, foram os argentinos. A seleção albiceleste ficou hospedada na Cidade do Galo e atraiu milhares de argentinos, cerca de 30 mil, segundo o consulado. Porém, apesar da maior festa ter ficado por parte dos eternos rivais do Brasil, um episódio lamentável marcou a Savassi.
Na madrugada de 21 de junho, centenas de argentinos entraram em confronto com brasileiros na praça da Savassi. Lá, as torcidas dos países travaram uma briga com garrafadas e a Polícia Militar precisou revidar com bombas de gás e efeito moral. No dia seguinte, o policiamento, que era de pouco menos de 20 homens, passou a ser feito por centenas e, nos dias seguintes, apenas pequenos delitos foram registrados no local.
As outras torcidas que marcaram a região foram argelinos e ingleses. Os primeiros, que puderam comemorar a chegada histórica às oitavas de final de uma Copa, fizeram festa na Savassi. Apesar de estarem em menor número, eles fizeram barulho e chegaram a pendurar bandeiras da Argélia nos postes das ruas. Já os ingleses, apesar da eliminação precoce na primeira fase, também deram um show, com gritos e cantos.
Outro momento que causou preocupação na Savassi foi logo após a derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1. A região recebeu cerca de 10 mil pessoas e a PM fazia a segurança do local. Porém, segundo a própria corporação, o excesso de bebida alcoólica e a irritação pelo placar da partida semifinal complicaram ainda mais a situação.
"Logo quando os torcedores perceberam que o Brasil estava perdendo, e de muito, eles ficaram exaltados e destemperados e começaram, já que estavam bêbados, a brigar entre si. A polícia interveio. Eles jogaram pedras e é por isso que a PM utilizou a munição não letal. Se fosse apenas agressão entre eles e a PM chegasse sem revide, aí a coisa seria mais fácil. Mas como a situação é cíclica e isso pode generalizar, intervimos", afirmou o coronel Alberto Luiz ao Terra.
O futuro do Mineirão e o legado da Copa
Apesar de ter sido o palco da goleada mais vexatória da história da Seleção ao perder para a Alemanha por 7 a 1 na semifinal, o Estádio do Mineirão seguirá o rumo e continuará recebendo jogos nacionais e shows. Um dos estádios mais testados da Copa, já que ficou pronto no prazo estipulado e chegou a ser usado na semifinal da Copa das Confederações, a arena teve um investimento de R$ 677.353.021,85 para reforma.
"A transformação do Mineirão em uma arena multiuso de alto padrão, que incluiu o acréscimo de uma esplanada com capacidade para 80 mil espectadores, também foi fundamental para colocar Belo Horizonte na rota dos grandes eventos internacionais. O Mineirão seguirá, portanto, sendo palco de grandes espetáculos, tanto esportivos como culturais”, afirmou o secretário Lacerda.
Mesmo tendo ficado pronto um ano e meio antes da Copa do Mundo e ter sido sucesso de público, o Mineirão não é o maior legado que a capital mineira e o Estado deixarão. Algumas obras previstas na matriz de responsabilidade merecem destaque, como a expansão do BRT Move até os arredores do Mineirão e as obras de construção do terminal 3 de passageiros no aeroporto de Confins, que seguem em andamento.
"Minas Gerais ofereceu à Copa um planejamento bem feito do evento, com firmeza nas negociações com a Fifa em defesa do interesse público. Tivemos a oportunidade de ser pioneiros em outros quesitos, como o da segurança, com a montagem do Centro Integrado de Comando e Controle. Eu poderia enumerar os demais itens como saúde, mobilidade urbana e capacitações, mas diria que Minas Gerais foi para a Copa trabalho eficiente", disse Lacerda.
"Fizemos o dever de casa e fomos aprovados com louvor. Já a Copa foi para Minas a oportunidade de ver o maior espetáculo de futebol da terra em nossa cidade, com direito a fortíssimas emoções. Foi o momento de conviver com outras culturas, com destaque para os inesquecíveis colombianos, além dos europeus e iranianos. A Copa é para MG uma grande vitrine para o mundo dos nossos valores culturais e patrimônios históricos e naturais", explicou.
Para facilitar a chegada e saída dos torcedores ao estádio, os chamados Teminais Copa foram disponibilizados para população. Ao todo, cerca de 400 ônibus fizeram o transporte dos torcedores que optaram pelo serviço saindo do centro, do Minas Shopping, do Expominas, da Savassi e do aeroporto de Confins. Ao usar esses ônibus, a distância de caminhada dos torcedores entre os terminais e o estádio foi de, no máximo, 2 km, o que aliviou o trânsito na região.
A publicitária mineira Maira Rodrigues, 29 anos, elogiou o sistema de transporte público nos dias de jogos e fez questão de deixar o carro em casa para ir ao estádio com o BRT Move. "Deu tudo muito certo, principalmente o Terminal Copa e o Move. O mais interessante foi ir ao estádio com pessoas de todas as nacionalidades ao seu lado, gritando e torcendo. Eles (estrangeiros) nem pensaram em ir ao Mineirão de carro ou taxi. Pegaram logo o ônibus mesmo", afirmou Maira, que assistiu ao jogo entre Brasil e Chile, pelas oitavas de final.