Copa amplia risco de vírus raro no País se espalhar; entenda
Um vírus considerado “primo distante da dengue” pode desembarcar no Brasil junto aos milhares de turistas que virão ao País acompanhar a Copa do Mundo de 2014. O alerta, feito em estudo do Journal of Virology e replicado em diversos órgãos da imprensa internacional de forma até exagerada com previsões de “epidemia catastrófica” – como o jornal canadense Global News e o britânico International Business Times -, é real: o vírus chikungunya, que só tem três casos documentados em território nacional, pode finalmente se alocar no Brasil graças ao Mundial.
Divulgado na prestigiosa publicação especializada em virologia, o estudo que apontou a possibilidade de o vírus, que apresenta sintomas parecidos com a dengue, se espalhar com a Copa do Mundo foi conduzido por um brasileiro. O Dr. Ricardo Lourenço, infectologista do Instituto Oswaldo Cruz, estudou a relação de espécies de mosquitos de toda a América com o vírus para chegar à conclusão de que a possibilidade da doença estabelecer-se no continente é plausível.
“Estudamos três tipos do vírus chikungunya e fomos testar na população da América da família Aedes, da América do Norte ao Sul. O que nós observamos é que os mosquitos daqui são bastante eficientes na transmissão do chikungunya”, explicou ao Terra o Dr. Ricardo Lourenço.
Assim como a dengue, o vírus chikungunya tem como um dos vetores o mosquito Aedes aegypti, encontrado em larga quantidade no Brasil e responsável pelos surtos de dengues no território nacional. A conclusão do estudo de Lourenço causa temor: os mosquitos nacionais são capazes de carregar o vírus chikungunya e de transmitir a doença até cinco vezes mais rapidamente do que a dengue. A Copa, no caso, aumenta a vulnerabilidade do país à doença com a chegada dos turistas internacionais.
“A Copa do Mundo aumenta nossa vulnerabilidade porque você já tem o espaço com o vetor competente, e aí muita gente vem de lugares com transmissão do chikungunya. Então junta tudo isso, você tem primeiramente um país com o mosquito transmissor e em segundo lugar você tem pessoas vindo para a Copa do Mundo neste momento. Aumenta muito a vulnerabilidade e as chances de transmissão”, contou Lourenço.
Especialista minimiza aumento de risco do vírus na Copa do Mundo
Apesar da manifestação expressa em estudo do Dr. Ricardo Lourenço, outros infectologistas não seguem a teoria de que a Copa do Mundo pode ser a responsável direta pela disseminação do chikungunya no Brasil. Para o médico infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Dr. Stefan Cunha, autor dos livros Pandemias: a Humanidade em Risco e A História do Século XX Pelas Descobertas da Medicina, o risco da doença se alastrar pelo País já é iminente, com ou sem Mundial.
“A tendência é ele se espalhar mesmo e eventualmente chegar ao Brasil. A gente vai ter uma quantidade grande de turistas aqui e essa quantidade pode estar em uma região antes que tem o chikungunya. Mas a quantidade de turistas que a gente tem entre o Caribe e o Brasil já basta para colocar o País em risco. Não precisa da Copa. acho que isso já é o suficiente. Por isso que eu não sei se a Copa pode aumentar tanto essa ameaça do vírus”, opinou ao Terra o Dr. Stefan Cunha.
Chikungunya, dengue "mais fraca", nasceu na África, passou por Ásia, Europa e está no Caribe
A história do vírus chikungunya começou no interior da África, em 2004. Muitos infectologistas acreditam que ele foi levado ao litoral do Quênia motivado por uma migração populacional causada pelo fenômeno climático El Niño entre 2002 e 2003. Graças ao Aedes aegypti, a doença se espalhou pela região e rapidamente ganhou força por todo o litoral africano. O vírus foi levado para a Ásia, onde também teve alta incidência na região sudeste do continente (Indonésia e Índia, principalmente).
Da Ásia, turistas europeus que estiveram de passagem pela região levaram o vírus para o Velho Continente. Contudo, como não havia mosquitos Aedes aegypti na região temperada, não houve epidemia na Europa inicialmente. No entanto, uma mutação genética no vírus fez ele se adaptar ao Aedes albopictus, presente na Europa. Uma epidemia do chikungunya chegou a ser documentada na Itália, mas foi controlada pelas autoridades – de acordo com o Lourenço, há ainda epidemias sazonais do vírus na Europa e, com o verão nortista paralelo à Copa do Mundo, aumenta o risco da epidemia vir ao Brasil.
A proximidade do vírus para o Brasil cresceu no fim de 2013. Uma epidemia do chikungunya se alastrou pelas ilhas do Caribe, no que foi registrado como os primeiros casos transmitidos dentro do continente americano. Antes, o Brasil tinha registrado três casos de pessoas que contraíram fora do País, assim como os Estados Unidos documentaram 100, mas em nenhum dos casos aconteceram transferências internas.
As semelhanças do vírus natural da África com a dengue são várias. Além do vetor compartilhado, os sintomas das duas doenças são semelhantes. O chikungunya causa menos mortalidade que seu “primo distante”, mas apresenta uma peculiaridade: dores intensas nas juntas, que incapacitam a pessoa – seu nome, inclusive, é originário do dialeto africano e significa “corpo curvado”.
“O chikungunya causa um quadro de febre parecido com a dengue. Tem febre, mal estar, indisposição, náusea, dor pelo corpo. O que diferencia dele é o comprometimento das articulações. Ele inflama muito, as dores nas juntas são muito importantes. A dor é tão forte que faz andar curvado. O chikungunya não mata tanto como a dengue, mas é incapacitante. A pessoa fica de duas a três semanas em média com dores nas juntas. Causa tanta dor que a pessoa não pode nem trabalhar”, contou o Dr. Stefan Cunha.
Ministério e Anvisa se dizem preparados para riscos; surto de dengue não preocupa
Em contato com o Terra, tanto o Ministério da Saúde quanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostraram confiança na preparação nacional para evitar uma epidemia do chikungunya. Por meio de nota enviada à reportagem, a Anvisa, que acompanhará os desembarques internacionais, salientou que estará “atenta e capacitada” para qualquer demanda do Ministério e que há “planos de contingência prontos para serem acionados para qualquer evento de saúde pública”. No caso do chikungunya, o plano provavelmente seria o bloqueio do vírus, como explica o Dr. Ricardo Lourenço.
“O Ministério da Saúde está preparado para fazer bloqueios, procurar o caso suspeito e bloquear a transmissão. Desde 2009 o Ministério sabe que há epidemia pelo mundo e está se preparando. No Brasil, vários institutos estão preparados para fazer um bloqueio da transmissão, diminuindo drasticamente a possibilidade de epidemia”, explicou o infectologista.
O Ministério, por sua vez, salientou a opinião do médico e lembrou que os únicos três casos registrados no Brasil foram em 2010, todos de estrangeiros que contraíram a doença fora do País. A recente circulação do vírus no Caribe, contudo, criou um alerta maior interno: o Ministério diz ter adotado medidas para preparar o Brasil em caso de identificação do vírus no País – entre elas, “treinamento de médicos para atendimento de casos, preparação de laboratório de referência para realizar o diagnóstico e divulgação de medidas de vigilância para as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde”.
Outra preocupação interna para a Copa do Mundo é referente à dengue. Cidades do sudeste como Campinas, casa das seleções de Portugal e Nigéria, registram graves epidemias. A previsão do Ministério da Saúde é que com a chegada do inverno a incidência de dengue diminua, como ocorre normalmente – 74% a menos, segundo dados da entidade governamental, que diz ter alocado investimentos contra a doença para as cidades-sede.