Copa: MP vê indícios de limpeza social nas ruas do RJ
O superlotação de um abrigo para população em situação de rua no Rio de Janeiro pode estar relacionada à Copa do Mundo, de acordo com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ). Nesta terça, o órgão revelou o descumprimento de decisão judicial de abril que limitava o número de pessoas no Abrigo Municipal Rio Acolhedor, em Paciência, na zona oeste. O local tem capacidade para 150 pessoas e está atualmente superlotado, com 463 abrigados em condições insalubres.
A vistoria que constatou o aumento do número de abrigados foi feito no dia 5 de junho pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Cidadania (CAO Cidadania) do MPE. Segundo a promotora do caso, Patrícia Villela, a prefeitura foi orientada a não encaminhar mais pessoas para o abrigo e regularizar a superlotação imediatamente. A medida era ainda uma tentativa de impedir a “higienização da cidade”, a retirada de pessoas das ruas, às vésperas do mundial, segundo o MP.
“Acho que a (higienização) é uma inferência possível. Existe incidência da população de rua na zona norte, mas a maioria dos encaminhados (para o abrigo) estão vindo do centro, da zona sul e do Maracanã”, informou Patrícia, refererindo-se a regiões que concentram os pontos turísticos do Rio. De acordo com censo da Secretaria Municipal de Assistência Social, a cidade tem 5 mil pessoas nas rua e vagas para 2 mil em abrigos. Procurada para comentar a denúncia, a prefeitura não retornou.
Além da superlotação, na vistoria, o MP atestou a falta de medicamentos para tuberculose, que coloca em risco quem convive com os pacientes, o compartilhamento de lâminas de barbear e problemas de pele causados por percevejos nos colchões. No abrigo também foram encontradas “baratas e outros vetores” no mesmo local em que alimentos são preparados para consumo. “Vamos ter que voltar à Justiça”, frisou Patrícia. “Este abrigo é um depósito de gente”.
O recolhimento de pessoas quem vivem nas no Rio de Janeiro também preocupa o Movimento Nacional da População de Rua. O representante e agente social Maciel da Silva avalia que ações da Guarda Municipal tem aumentado nas últimas semanas. “Tenho visto claramente que tem há um esvaziamento dos espaços que a população frequenta por conta dessa higienização ”, disse, em seminário sobre o tema, no MP-RJ.
O movimento condena o recolhimento compulsório, sobretudo em locais insalubres como Paciência. Maciel citou como exemplo do recolhimento contra a vontade das pessoas o dado apresentado pelo próprio Ministério Público estadual, de que os abrigados passam de dois a três dias na unidade e depois voltam para as ruas. “Isso é uma prova de que não queriam ir para lá”.
Integrante do Fórum Permanente sobre População Adulta em Situação de Rua do Rio de Janeiro, Jorge Munhoz, que participou do evento, também criticou a limpeza da cidade e a situação em Paciência. “O melhor a se fazer seria fechar”, disse. O fórum cobra atendimento para resgatar quem está nessas condições. “Ninguém mora na rua porque gosta. A pessoa perdeu todos os laços”.
Para garantir que a prefeitura do Rio cumpra a decisão da Justiça e resolva os problemas no Rio Acolhedor, o MP informou que já entrou também com ação de improbidade administrativa contra gestores e cobra multa mais alta para o descumprimento da liminar. Com a medida, a promotora explica que a Justiça pode estipular até a prisão dos responsáveis.