O que será do Catar após a Copa do Mundo?
Moradores do país se dividem sobre como será o país após o Mundial terminar e se o processo de abertura para o mundo seguirá acontecendo
O que será do Catar assim que a segunda-feira de cinzas da Copa do Mundo chegar? Terá valido a pena investir R$ 229 bilhões em obras que praticamente fundaram novamente Doha e criaram Lusail do zero? Como será o dia a dia da sociedade catariana e estrangeira após 30 dias de uma invasão de camisas, bandeiras e torcidas mais diversas? Haverá mais ou menos abertura ao que segue a cartilha islâmica? São perguntas que só com o tempo haverá algum tipo de resposta. Uma delas já tem um desfecho: A expectativa de receber 1.5 milhões de turistas pelo Comitê Organizador de Entrega e Legado não se cumpriu.
Ao longo de 30 dias, a capital catariana e cidades metropolitanas receberam muita gente, mas a sensação, tantos nas ruas quantos nos estádios, é que o quadro não era o que órgãos catarianos pintavam, como ingressos esgotados em muitos jogos onde claramente havia buracos e assentos vazios. Segundo a Reuters, 765.000 estrangeiros estiveram no Catar até a fase de oitavas de final e a expectativa é os números finais cheguem perto de um milhão. Tanto o Brasil, em 2014 e a Rússia, em 2018, receberam um pouco mais do que esse número de viajantes estrangeiros.
Conforme a fase de grupos terminou, as praças ao redor do Souq Wakif e a orla da Corniche esvaziaram consideravelmente com a partida de torcedores de seleções eliminadas ou que, por conta dos altos custos de hospedagem, ingressos e alimentação, optaram por uma estadia curta no país da Copa, variando entre sete e dez dias. Algumas torcidas mais numerosas permaneceram, como a argentina, a brasileira e a marroquina, que ganhou um reforço numeroso de cerca de dez mil pessoas assim que a organização permitiu a entrada de cidadãos do país africano para o dia da semifinal contra a França sem precisarem de Hayya Card, hospedagem e ingressos.
Sinal de que, para um país-sede que garantiu não deixar entrar visitantes sem o cartão criado para este mundial, ingressos e hospedagem reservados, houve tentativa, de última hora, de buscar surfar na onda marroquina e inflar a presença de público nas ruas mais vazias, mesmo com jogos decisivos, e encher de vez os estádios das decisões a partir das quartas de final.
O QUE SERÁ QUE SERÁ, RESPONDA SE PUDER
Vivendo no Catar há sete anos, o curdo Mohamad Galwaii não conseguiu ingressos para a família em nenhum jogo, mas aproveitou bastante o clima multicultural formado em pontos de aglomeração de torcedores, como a Corniche. "O Catar é um país com muitos estrangeiros e vejo como positivo se abrir mais para o mundo após a Copa. Foi um evento de paz e espero que o país cresça, pois isso é bom para nós que trabalhamos aqui".
A expectativa de mais abertura divide quem vive no país. Para a brasileira Bruna Bardavid, o Catar não é tão fechado quanto muitos querem pintar, "É um lugar extremamente seguro e eu, como mulher estrangeira, ando livremente aqui, dirijo, trabalho. Eles possuem códigos culturais, como a questão do álcool, que não abrem mão e é preciso respeitar. Acredito que a Copa conseguiu atrair a atenção de muita gente que nunca tinha se interessado por aqui ou ouvido falar."
Do lado mais pessimista, a mexicana Talita Cruz, que vive no país desde 2018, acredita que, assim que o clima de Copa terminar, o Catar voltará ao seu ritmo normal, uma vez que o emir do país possui uma visão mais conversadora dos costumes. "Vimos muitos árabes e estrangeiros dividindo a faixa de areia, de biquinis e abayas. Acho difícil ver isso após o torneio, mas gostaria que algumas aberturas que a Copa trouxe ficassem."
FIM DE FESTA E GUINADA RADICAL
Em 2018, mal a França venceu a Copa, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, aprovou, no dia seguinte a final, a nova lei da previdência, causando cortes nas aposentadorias e aumento do tempo de contribuição para se aposentar. A Rússia também esqueceu a festa da bola e entrou em uma guinada ainda mais autoritária, que culminaria na guerra contra a Ucrânia, no início de 2022. No Catar, há correntes que creem que Tamim Al-Thani, assim que o apito soar pela última vez, aumente as políticas pró-islã e contra os modos de vida do Ocidente.
Ao mesmo tempo que há essa dúvida, o Catar seguirá investindo forte para não ser mais um destino de conexão e sim, um destino turístico, o que é um dos principais objetivos do comitê local da Copa. Neste sentido, investir pesado em infraestrutura urbana, como o metrô, sistema de ônibus e um novo aeroporto gera um legado para se tentar aumentar o fluxo de visitantes não apenas de passagem, aproveitando conexões mais longas ou stop over e sim, de estrangeiros interessados em permanecer mais tempo no país, gerar mais receitas no turismo, além de ultrapassar os 3 milhões de passaportes carimbados por ano, que é a expectativa do setor. Para efeito de comparação, o Brasil, infinitamente maior, costumava receber, antes da pandemia, seis milhões de turistas por ano. Em 2021, foram 600 mil visitantes em solo nacional segundo a Embratur.
Se o turismo é uma indústria em expansão, o retorno de desenvolvimento esportivo no Catar fica em xeque e muito do que foi erguido para o torneio desapareça da função original, que é fomentar o futebol e público nos estádios, liga mais forte e melhores atletas. Mesmo que os oito estádios sejam reformulados para evitar a criação de elefantes brancos, valerá a pena todo o investimento para montar e desmontar uma Copa temporária, que daqui um ano, terá poucos resquícios em campo e no futebol no país?