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Copa do Catar

Sonho da Argentina conquistar o tri da Copa move um país mergulhado em crise

Argentinos lidam com instabilidade econômica e social há décadas. Mas todos neste domingo (18) se reúnem para torcer pelo desejado título

17 dez 2022 - 20h35
(atualizado às 21h31)
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Argentina busca uma alegra em meio a anos de crise (Foto: Emiliano Lasalvia / AFP)
Argentina busca uma alegra em meio a anos de crise (Foto: Emiliano Lasalvia / AFP)
Foto: Lance!

A ansiedade de ver a Argentina conquistar o tricampeonato da Copa do Mundo ganha outras proporções para quem mora em território argentino.

O sonho de ver Messi levando os hermanos à vitória sobre a França neste domingo, 18, no Catar, traz alento para um país que vem sofrendo com feridas sociais e mergulhou em uma profunda crise econômica nas últimas décadas.

Crise sem precedentes

Alberto Fernández: atual presidente da Argentina (Foto: Pedro Pardo/AFP
Alberto Fernández: atual presidente da Argentina (Foto: Pedro Pardo/AFP
Foto: Lance!

Aumento desenfreado da dívida externa, acusações de corrupção, colapso das contas externas, fuga de capitais... Não faltam episódios que expõem a instabilidade política e econômica da história da Argentina.

Enquanto a torcida fica eufórica neste Mundial, o governo de Alberto Fernández também lida com um momento conturbado. Professor de Economia da Universidade de Buenos Aires e diretor da EPyCA Consultores detalhou que a inflação no país pode passar os 100% ao ano em 2023.

- A Argentina vem de muitos anos de inflação moderadamente alta. A princípio, desde 2007 se mantinha entre 24% a 25% anual. Desde 2018, estabilizou em 50%. Porém, neste 2022, praticamente duplicou, está em quase 100% ao ano (o Indec divulgou que a inflação anual argentina fechou até o momento em 92,4% neste ano). Seguramente, superaremos no próximo ano os 100% - disse ao LANCE!.

Kalos enumerou o que vem elevando os índices da inflação argentina gradualmente.

- Um fator mundial esse ano acelerou a inflação em muitos lugares, mas obviamente isso explica apenas uma parte do que acontece na Argentina. Na verdade, há um piso de inércia no qual a inflação daqui se estabilizou ano a ano, a ponto de torná-la difícil de baixar. Também há erros de política monetária e fiscal. Houve um déficit fiscal grande que se manteve ao longo do tempo. Ele só se financiou com emissão monetária, o que nos últimos anos contribuiu para uma aceleração da inflação.

A esperança das pessoas se recuperarem depois de momentos de crise vem esbarrando em um período de muita incerteza.

- Há muitos momentos de expectativas. Passamos por um período posterior a décadas de estancamento econômico, em particular entre 2012 e 2016 (no governo de Cristina Kirchner) e os anos de 2016 a 2020 (no governo de Maurício Macri). Neste período houve uma queda muito abrupta da atividade econômica. Com isso, a recuperação nos últimos dois anos é insuficiente para alcançar de novo tudo o que se perdeu. A estimativa é que custe muito para que a Argentina volte a crescer - afirmou.

Variações do dólar

Argentinos viajaram para o Qatar e acompanharão a decisão (Adrian Dennis / AFP)
Argentinos viajaram para o Qatar e acompanharão a decisão (Adrian Dennis / AFP)
Foto: Lance!

Uma saída corriqueira dos governos é se voltarem para controles dos dólares. Há uma baixa reserva da moeda estrangeira no país.

- A possibilidade de uma estagnação nos últimos meses gerou comportamentos de cobertura. Por exemplo, se demandaram os dólares para cobrir os riscos e a desvalorização do peso argentino. Este comportamento é histórico no país. Foi repetido ao largo de muitas crises econômicas que terminaram em desvalorizações e geraram distorções - constatou Martín Kalos.

As demandas levaram a outra situção curiosa: há diferentes câmbios de dólar. Até mesmo o governo de Maurício Macri, que se opunha à medida da antecessora Cristina Kirchner, recorreu a este expediente.

- Às vezes, os governos, incluindo o anterior (Maurício Macri), terminaram seu mandato deixando um esquema de controle que impede o livre acesso de compradores ao dólar no câmbio oficial. Isto gerou segmentações e também mercados paralelos. Os paralelos também marcam expectativas diferentes, como o dólar para ouro, turismo, fluxo de caixa de empresas e, nos últimos meses, por algumas restrições do governo, também para o comércio exterior - disse Martín Kalos, acrescentando:

- O governo pode evitar que haja um crescimento da demanda de dólares, pois o dinheiro não está saindo dos mercados oficiais. Atualmente, as negociações saem dos mercados paralelos, as pessoas compram entre elas. Há negociações muito mais caras, mas, quer queira ou não, são adicionais à economia - complementou.

As cotações do mercado paralelo são nomeadas como "Dólar Blue". A operação é ilegal, mas é comum no país.

Neste período de crise, a Argentina chegou a 15 taxas de câmbio diferentes, entre elas o "Dólar Qatar", estabelecido em outubro. O país-sede da Copa do Mundo de 2022 foi nome de um imposto para viajantes argentinos que gastassem mais de US$ 300 em solo internacional em cartão de débito ou crédito ou pacotes e passagens turísticas. No dia do decreto, em 12 de outubro, cada dólar custava 314 pesos.

O intuito foi desestimular a saída de dólares do país com as viagens internacionais. Só que as pessoas poderiam começar a usar o dinheiro físico em vez dos cartões.

Outro nome que chamou a atenção foi o "Dólar Coldplay", no qual a banda se tornou nome de um incentivo às contratações de artistas internacionais para shows no país. "Dólar Netflix" e cotações para a soja e a Bolsa de Valores também ficaram na lista.

Copa rende resposta desajeitada

Foto: Lance!

A Copa do Mundo rendeu também uma declaração controversa. Ao ser perguntada durante uma entrevista no Canal 9 se preferia a conquista da Copa ou reduzir a inflação, a ministra do Trabalho, Kelly Olmos, respondeu.

- Depois seguimos trabalhando com a inflação, mas primeiro que ganhe a Argentina. Eu acho que é preciso trabalhar todo o tempo pela inflação, mas um mês não vai ser uma grande diferença. E do ponto de vista emocional, do que significa para os argentinos e argentinas, queremos que Argentina seja campeã.

Dias depois, a ministra se desculpou por sua declaração e fez uma retratação.

- Quero pedir desculpas. Não quis dizer que estaremos um mês parados vendo a Copa sem fazer nada pela inflação. Apenas disse que significará algo importante emocionalmente para os argentinos que ganhemos a Copa. Nós trabalhamos todos os dias para reduzir a inflação - afirmou.

O mais recente plano para a área econômica é o Precios Justos, previsto para durar de dezembro de 2022 a março de 2023. O ministro da Economia, Sergio Massa, estabeleceu o congelamento de preços de mais de 1,5 mil itens básicos.

- Foi um acordo de preços por quatro meses. É uma forma de tentar moderar as inflações que vinham num mínimo de 6% ao mês e tentar desonerar pouco a pouco de nível. Não há uma possibilidade de barrar a inflação por inteira. Dentro de um plano inflacionário mais amplo, poderia dar certo - disse Martín Kalos.

Forte recessão

Passeata contra Alberto Fernández e sua vice, Christina Kirchner: país dividido (Juan Mabromata/AFP)
Passeata contra Alberto Fernández e sua vice, Christina Kirchner: país dividido (Juan Mabromata/AFP)
Foto: Lance!

A crise econômica argentina reflete bastante na situação social vivida no país, que conta com indicadores um tanto quanto assustadores. No momento, 7% dos argentinos estão desempregados e 35% da população vivem abaixo da linha de pobreza.

- A Argentina ainda está em recessão. Os indicadores apontam um crescimento cada vez mais gradativo rumo à retração econômica, mesmo não tendo uma piora nos níveis como o desemprego e pobreza. O problema é que ambos estão em níveis muito altos. Mais de 7% das pessoas estão desempregadas e 35% abaixo da linha da pobreza - disse.

O professor de Economia frisou que os argentinos veem o país deixar para trás os limites aos quais se impôs.

- Está certo que, na Argentina, a divisão da linha de pobreza é um pouco mais exigente, o que não é diretamente comparado ao nível de outros países da América Latina. Mas, para os padrões que a Argentina definiu, estes números são muito altos. Em torno dessa estrutura social mantida nas últimas décadas, gera uma estagnação e há uma falta de expectativa de crescimento - explicou Kalos.

Efeito de possível título

Messi comemora um dos gols da Argentina (Foto: JACK GUEZ / AFP)
Messi comemora um dos gols da Argentina (Foto: JACK GUEZ / AFP)
Foto: Lance!

O fato da Argentina ter chance de conquistar o tricampeonato mundial move de outra forma os hermanos. Aos olhos do professor Martín Kalos, há uma série de fatores que pesam em torno deste duelo com a França.

- Um eventual título traz um alento para o povo argentino, que é apaixonado por futebol. Eleva o ânimo dos argentinos, com essa alegria generalizada que traz uma Copa do Mundo. De fato, há um aumento da produtividade, as pessoas trabalham melhor, têm mais ânimo... Há um efeito mínimo de prestígio do país, que faz com que ganhe as atenções a curto prazo e, numa chance marginal de melhora, a demanda por produtos argentinos cresça - e acrescentou:

- A Argentina pode servir aos demais países com merchandising, como publicidades de jogadores, o que dá um potencial e que entre esse dinheiro extra para a Argentina. Assim, pode haver um pequeno incentivo no PIB. Mas a possibilidade é de um nível muito pequeno de melhora - finalizou Kalos.

Diante de tempos desafiadores, argentinos se voltam neste domingo para assistir à nova tentativa da albiceleste conquistar o tricampeonato da Copa do Mundo. Às 12h (de Brasília), diante da França, o coração dos argentinos estará mais unido do que nunca.

Lance!
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