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Copa América

Copa América deixa lição da mobilização estudantil do Chile

Movimento dos estudantes, junto aos professores, consegue pressionar o governo a ponto de levar mais de 100 mil às ruas e mudar ministro

6 jul 2015 - 11h19
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Estudantes podem não ter 100% do apoio popular, mas são respeitados no Chile pelo poder de mobilização
Estudantes podem não ter 100% do apoio popular, mas são respeitados no Chile pelo poder de mobilização
Foto: André Naddeo / Terra

Os chilenos seguem em estado de ressaca pelo título inédito, nós ainda tentamos digerir mais uma fracassada campanha e, muito embora tenhamos noção exata de que atuar sem Neymar em campo é algo que complica a equipe para as eliminatórias sul-americanas, os brasileiros que estiveram no Chile para a Copa América deixam o país com uma outra lição: o poder de mobilização dos movimentos sociais. Principalmente os que são liderados por estudantes.

“A Copa América foi algo que nos ajudou a ter mais exposição na mídia estrangeiras? Sim. Mas estaríamos nos mobilizando da mesma forma se o torneio não estivesse acontecendo”, declarou em entrevista exclusiva ao Terra a presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile, Valentina Saavedra, dos rostos mais conhecidos das manifestações e uma das líderes do movimento que vai contra o processo de reforma educacional do governo Michelle Bachelet.

Se a inédita conquista de La Roja em campo divide os holofotes das reivindicações, o movimento estudantil chileno, nem por isso, deixa de colocar milhares na rua: no dia da estreia do Chile, por exemplo, na competição, foram cerca de 150 mil estudantes e professores nas ruas. E o número de manifestantes nas ruas seguiu alto ao longo de todo o torneio – com a repressão de sempre dos carabineros (a Polícia Militar do Chile) quando os “encapuchados”, como se diz por aqui, cobrem o rosto e partem para cima do Estado com o uso da violência.

“A violência é uma ferramenta, que pode ser usada de maneira positiva e negativa. Sabemos que perdemos o apoio popular com isso”, reconhece Valentina. “Quem vai contra, não faz parte de nossas manifestações. As gerações anteriores seguem golpeadas por todo o processo da ditadura. Então não podemos ir contra um sistema que se instalou com violência usando a própria violência”, complementa. O regime ditatorial de Augusto Pinochet teve fim em 1990.

A principal reivindicação de quem sai pelas ruas e enfrenta os carabineros é a luta pela “Copa da Gratuidade”, ou seja, em linhas gerais, que o ensino superior do Chile deixe de ser uma grande mesa de negócios, como avaliam estudantes e professores (há 40 dias em greve), em que os empresários são os grandes beneficiados – enquanto os estudantes criam dívidas gigantescas para conseguir ter acesso aos estudos de uma carreira na universidade.

Valentina Saavedra: "Creio que a unidade que o movimento estudantil manteve é a ferramenta mais potente contra as medidas que tentam nos apartar"
Valentina Saavedra: "Creio que a unidade que o movimento estudantil manteve é a ferramenta mais potente contra as medidas que tentam nos apartar"
Foto: Reprodução / Entrevista Terra

Nesta entrevista que você acompanha abaixo, o Terra faz um comparativo com a líder estudantil não só do poder de mobilização chileno – eles entram ao vivo com suas entrevistas coletivas nas emissoras locais, sempre todos com o mesmo discurso afiado e combinado em reuniões prévias –, mas qual seria o exemplo principal dos chilenos que os brasileiros poderiam seguir para melhor o ensino do País. Afinal, no Brasil, só para citar um último levantamento, o movimento Todos Pela Educação registrou na última semana que são 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora do ensino básico em todo o País. E ninguém foi às ruas protestar. 

Isso sem falar que no registro mais recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que diz que entre mais de 30 países do mundo, o Brasil é o penúltimo no ranking dos que mais gastam com educação, apenas US$ 3.066, quando a média de outros países é de US$ 9.487. E ninguém está nas ruas por causa disso – o último manifesto foi dos professores de Curitiba, repreendido com muita violência pelo governo paranaense.

“Eu não conheço em profundidade como funciona o movimento estudantil no Brasil, mas acredito que o fundamental é colocar o objetivo principal acima de qualquer diferença”, aconselha. Confira abaixo a entrevista com a líder estudantil e presidente da FECH, Valentina Saavedra:

Terra: Para quem está no Brasil e não entende a questão: o que está acontecendo agora no Chile em função da educação?

Valentina Saavedra: Isso é algo que já vem de uns 15 anos atrás, quando já se vem registrando movimentos dos estudantes produto de que o sistema educacional não estava respondendo ao que ele deveria responder. Que era melhorar a qualidade de vida das pessoas, expandir por exemplo a possibilidade dos estudantes serem profissionais, que sendo assim teriam uma vida melhor, e isso não se cumpre pela forma como se faz educação no Chile. É tudo uma forma de negócio.

Ou se paga caríssimo por um curso, ou vai ficar endividado até 20 anos depois de se formar, não existe um plano para atender a essas necessidades. As pessoas acabam trabalhando em funções que não tem a ver com sua disciplina, sem qualificação, até que se chega em 2011, quando o endividamento se tornou algo muito mais crítico e não havia nenhuma garantia do que se estava fazendo com os estudantes no sentido de formar melhores alunos. Nesse período até 2013 tivemos muitas manifestações. Em 2014 se muda o governo (volta de Michelle Bachelet), que chega dizendo que vai fazer uma grande reforma educacional e que iria responder a todas as demandas dos estudantes e da sociedade em geral.

No entanto, o governo fechou as portas para discutir os caminhos estruturais da educação, que é eliminar o negócio dentro da educação, ou seja, não pode ser algo para um empresário, para um privado. O governo demonstrou neste um ano e meio que não tem capacidade ou vontade de eliminar este princípio. No final, o Estado é quem subsidia o privado, e o privado nos entrega a educação em modo de serviço. Desta forma as manifestações voltaram.

Copa América e os estudantes: violência não pode ser tônica:

Terra: Como é organizado este sistema estudantil, como vocês se mobilizam?

Valentina Saavedra:  Temos formas diferentes de organização. Nós estudantes nos organizamos de forma democrática. Cada universidade tem uma federação, que é um espaço institucional que articula todos os estudantes. Eu por exemplo esse ano sou a presidente da Federação da Universidad de Chile (FECH). E cada federação tem seu organograma, centros estudantis, representantes por carreiras, que participam de assembleias nas quais fazemos resoluções junto com todas as federações. Na Confech, onde estão todos os presidentes de federações, todos nós nos ordenamos através de um consenso e defendemos em conjunto uma mesma posição. A partir destes consensos que se levantam as manifestações.

Estamos há quase dois meses nas ruas protestando. Recentemente saiu o ministro da Educação (Nicolás Ezayguirre, substituído por Adriana Delpiano), que na verdade tinha com a gente um diálogo de surdo. Havia sempre muita má vontade de incluir os atores sociais, ou seja, os professores, os estudantes, a família, os técnicos de ensino, etc. Nós estamos convencidos de que a reforma educacional não tem apenas relação com a educação. Tem total relação com a democracia no Chile. A forma como se faz política aqui gera essa crise de legitimidade que se encontra o governo hoje, essa falta de confiança nas instituições políticos. Há um mundo dos políticos, que tomam decisões, e uma sociedade totalmente alijada disso. O que nós demandamos na reforma educacional é que se construa em conjunto e se que volte a escutar a sociedade. E que a política represente o que a sociedade quer.

Terra: A mudança de ministério da Educacão, com a saída de Nicolás Eyzaguirre para a secretaria geral de Governo, foi bastante criticada pela oposição. Foi uma forma da presidenta Michelle Bachelet atender aos protestos, já que era claro que o diálogo não estava funcionando? Ou foi uma mudança normal da política?

Valentina Saavedra:  Um pouco dos dois. Efetivamente, o ministro Eyzaguirre estava fazendo uma trabalho muito deficiente, com críticas por todos os lados. No entanto, Eyzaguirre é particularmente muito próximo de Bachelet e não poderia tirá-lo do governo de qualquer forma, manchando o seu nome. Acharam uma forma de tirá-lo, coloca-lo em outro lugar, com a desculpa que se necessitava de gente na Segpress (após o escândalo e demissão de Jorge Insunza). É importante entender que a reforma educacional agora pode avançar, mas isso tudo aconteceu porque havia um conflito social no Chile. Portanto, para resolver isso, é preciso interagir com quem está no conflito. É isso que esperamos. Não nos manifestamos apenas porque estamos enojados. Nós temos propostas documentadas.

Black blocs no Brasil, "encapuchados" no Chile: eles se infiltram nas manifestações e enfrentam as forças do Estado com o uso da violência
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Foto: Getty Images

Terra: Mas vocês se envolvem apenas em manifestações pela educação, que outros assuntos podem fazer com que vocês saiam às ruas?

Valentina Saavedra:  Esse ano mesmo fomos às ruas, por exemplo, quando aconteceram os casos de corrupção entre fevereiro e março (o filho da presidete Michelle Bachelet, Sebastián Dávalos, foi acusado de uso de informação privilegiada e tráfico de influência) fizemos a manifestação mais massiva desde 2011, com 150 mil pessoas nas ruas contra os conflito de interesses que se estava produzindo a política. Por isso, discutimos todos os problemas do país de uma forma geral, mas sobretudo focados na educação, que nos transformou num ator relevante sobretudo por termos sido um ator coerente no que está pleiteando. O que nos oferecem hoje em dia é o mesmo sistema de antes, com alguns ajustes, com mais recursos para cá, para ali, mas é o mesmo sistema. E o pior: um sistema que se criou na ditadura. Ou seja, o mínimo que nós estamos pedindo é que na democracia podemos ter um debate público pela educação que queremos.

Terra: No Brasil, dizemos black blocs. Aqui no Chile, vocês falam “encapuchados”. Mas eles estão sempre envolvidos nas manifestações. Como vocês lidam com isso?

Valentina Saavedra:  Em relação aos episódios de violência, nós pelo menos não temos uma definição abstrata sobre isso. A violência é como uma ferramenta, que nós podemos usar de maneira positiva, ou negativa. Nós hoje vemos no Chile que não há nenhum sentido de atuar de maneira violenta, porque a forma que o movimento estudantil já tem é o que faz tudo, é que traz o apoio da sociedade, é que faz a gente se escutado. Pudemos construir como estudantes um ator de diálogo, mas ao mesmo tempo crítico. E que tem capacidade de mobilização. Quando nós colocamos a violência em frente, deixamos de lado a sociedade, perdemos o apoio da sociedade. As gerações anteriores seguem golpeadas por todo o processo da ditadura. Então não podemos ir contra um sistema que se instalou com violência usando a própria violência. Há que se instalar isso pelo diálogo aberto e público com a cara descoberta. Acredito que isso seja fundamental. A arma mais potente que temos não são quantas pedras podemos atirar, mas quantas ideias podemos colocar na mesa, quantas propostas e quanta gente somos capazes de mover cada vez que nos mobilizamos.

Copa América e os estudantes: "é preciso ter sempre um objetivo":

Terra: Mas, em geral, 80% ou 90%, digamos assim, dos protestos acabam em violência aqui no Chile. Concorda? Como manter o apoio popular dessa forma?

Valentina Saavedra:  Na grande maioria dos casos, sim, acaba em violência. E sabemos que perdemos apoio popular. Mas já dissemos muitas vezes que nós não vamos respaldar isso. Nós debatemos por meses para gerarmos propostas. Podem dizer que é algo burocrático, mas passam por todas as instâncias que têm que passar, e respondem por uma democracia estudantil. E se decidirmos marcharmos pacificamente, quem utiliza a violência e aproveita nossas manifestações para isso, são pessoas contra decisões tomadas democraticamente. Além disso, para essas pessoas, a violência é uma ferramenta de imposição. Nós não estamos de acordo com isso, além do que se perde o apoio social, então, no fim, estão jogando contra. Nós não somos os responsáveis por manter a ordem, somos, sim, responsáveis por chamar os atos de maneira pacífica, como estamos fazendo. Quem vai contra, não faz parte das nossas mobilizações.

Terra: Como é a resposta do Estado aqui no Chile para esses atos? É exagerada, de acordo? No Brasil já tivemos inúmeros casos em que o Estado, descaradamente, foi abusivo. O que acontece por aqui?

Valentina Saavedra:  Como as marchas se finalizam por aqui, caracteristicamente os Carabineros intervêm de maneira muito violenta. Isso é algo que nós rechaçamos categoricamente, não existe razão de ser toda a violência que se utiliza. Existem formas de se dizer, bom, acabou o ato, é hora de voltar para casa, o que for. Uma coisa é manter a ordem, outra é abusar do poder que se tem. O mais violento que aconteceu por aqui foi o caso de Rodrigo Avilés, não sei se viram isso no Brasil, mas um companheiro de Valparaíso, no dia 21 de maio, durante um anúncio presidencial, que estava protestando e foi atingido por um carro lança-água numa distância de não mais de cinco metros. Ele saiu voando, e foi atirado contra a parede. Caiu inconsciente.

Ficou algo como um mês em coma. Vídeos mostram o momento em que ele foi atingido quando não fazia nada mais do que protestar. Não estava com o rosto coberto, não estava atirando pedra, estava só com uma bandeira como qualquer outra pessoa em manifestação. Foi algo que poderia ter acontecido com qualquer um. Eu acredito que o fundamental é não se confundir. No sentido de que os Carabineros aplicam a violência, e são os responsáveis, mas não os diretos, esses são os políticos, quem está no comando. A força especial está a mando direto do Ministério do Interior. São eles que permitem que a força seja de tal dimensão, e que não exista nenhum tipo de regulação. 

(o jovem de 28 anos, Rodrigo Avilés, estudante da Universidad Católica de Valparaíso, retomou a consciência e faz tratamento para retomar os movimentos e levar uma vida normal. O carabinero responsável pelo jato que feriu o estudante foi afastado e responsabilizado, mas apenas quando um vídeo mostrando que o jovem foi atingido é que o Ministério do Interior tomou reais providências em relação ao caso)

Terra: No Brasil, os profissionais de imprensa da TV Globo são os que mais sofreram nas manifestações de rua, sendo perseguidos por manifestantes. Aqui ocorre algo do tipo? Como é a relação de vocês com a imprensa?

Valentina Saavedra:  Em geral, os meios de comunicação do Chile estão cooptados pelos mesmos empresários. São os mesmos donos dos canais de televisão, dos jornais impressos, das universidades, das empresas, enfim, um conglomerado. Para nós, por ironia, quem menos incomoda é a CNN, que é forte em notícias aqui, e não estão preocupados em tomar parte de nada. Os canais de TV nacionais, e jornais, estão conectados com setores que prefeririam que nós não estivéssemos mobilizados. Por isso, estão constantemente nos atacando. Mas sabe o que faz a diferença? A dimensão do movimento estudantil, por mobilizarmos muitas pessoas, nos permite muitas vezes ultrapassar esse cerco. Muitas vezes eles não podem nos atacar porque vão acabar perdendo legitimidade. Em Santiago somos capazes de num só ato colocarmos 200 mil pessoas nas ruas. Sem contar a região metropolitana, e outras cidades. É um trabalho de anos do movimento estudantil.

Terra: Já aconteceu de algum encapuchado atacar jornalistas aqui?

Valentina Saavedra:  Nunca vi algo do tipo. Talvez já tenha ocorrido, mas sinceramente não é a tônica. Os encapuzados em geral atacam os carabineros, mais do que isso não é o normal. E os jornalistas aqui são protegidos. Em geral, quando terminamos os atos, sempre ocorre um discurso em palco, com artistas tocando também, e a imprensa pode estar dentro desse cerco de proteção do evento.

Terra: Qual o conselho, então, para demonstrar força e não perder o poder de mobilização? Que conselhos daria para o movimento no Brasil mais forte?

Valentina Saavedra:  Eu não conheço em profundidade como funciona o movimento estudantil no Brasil, mas acredito que o fundamental é colocar o objetivo principal acima de qualquer diferença. O que nós aprendemos aqui no Chile é que efetivamente dentro dos estudantes o mundo é muito dinâmico. Existem muitas forças políticas, há muitos debates, muitas diferenças, mas sobretudo há objetivos. E quando ele se sobrepõe a qualquer tipo de diferença conseguimos atuar em unidade. Creio que a unidade que o movimento estudantil manteve é a ferramenta mais potente contra as medidas que tentam nos apartar, nos dividir por uma ou outra medida. É importante buscar formas para que essa unidade se mantenha sempre. E que se promova sempre debates entre todos os companheiros. Outra coisa que eu acredito é que se tem boas ideias, é preciso colocar sempre na mesa de discussão, passar por todas as partes, é preciso coloca-la em discussão, que a decisão venha da maioria de nossos companheiros. Dessa maneira, se apropriam disso e estarão dispostos a sair para defender as mesmas propostas.  

Fonte: Terra
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