Espanha vive últimas décadas entre sucesso esportivo e tragédia econômica
Em um domingo, Fernando Alonso ganhava o Grande Prêmio da Alemanha de Fórmula 1, Jorge Lorenzo a corrida de MotoGP nos Estados Unidos e o ciclista Alberto Contador conquistava o seu terceiro Tour de France. Duas semanas antes, a Fúria conquistava pela primeira vez a Copa do Mundo de Futebol com uma vitória de 1 a 0 sobre a Holanda. Na semana anterior, Rafael Nadal vencia o torneio de Wimbledon pela segunda vez. Difícil dizer se já houve um mês tão vitorioso no esporte para uma nação como aquele julho de 2010 para a Espanha. Múltiplas glórias em diversos esportes diferentes, tudo isso em meio a uma profunda crise que abala a economia do país.
A Espanha viveu na última década um período de apogeu esportivo, atingindo glórias que jamais conquistara. Uma era nascida durante o boom econômico vivido pelo país no final dos anos 90 e início dos anos 00. Legado que, ao contrário dos empregos de seus cidadãos, sobreviveu à crise econômica.
O protagonismo espanhol nos esportes começou a aparecer em 2005, quando Fernando Alonso pilota a sua Renault para um surpreendente título da Fórmula 1, superando o favorito alemão Michael Schumacher. No ano seguinte, ele repetiria a dose, se tornando bicampeão. Alonso não voltou a conquistar um novo campeonato desde então, mas sua carreira já o consolida como o maior piloto espanhol de todos os tempos na categoria. Além dos dois títulos mundiais, ele soma 32 vitórias em Grandes Prêmios, 19 pole positions, 89 pódios (em 204 corridas) e 1.442 pontos conquistados desde 2001. O segundo espanhol mais bem sucedido? Pedro de La Rosa, que em 9 temporadas (1999-2002, 2005 e 2006, 2010-2012) somou 35 pontos. Nenhum outro espanhol jamais venceu uma corrida de Fórmula 1.
No mesmo ano, Rafael Nadal conquistou o seu primeiro Grand Slam, Roland Garros. Desde então, ele conquistou mais 11 (outros sete Roland Garros, dois Wimbledon, um US Open e um Australian Open), incluindo o recentíssimo oitavo Roland Garros no último domingo, dia 9 de junho. Outros tenistas espanhóis já conquistaram as mesmas glórias de Nadal. São 10, sem contá-lo, os que venceram Grand Slams. Carlos Moyá, Juan Carlos Ferrero e Arantxa Sánchez Vicario foram número 1 do mundo nos anos 90 e 00, assim como Manuel Santana em 1966 (antes da era moderna). Mas nenhum deles foi vitorioso em tão grande escala. Em sua carreira, iniciada em 2001, ele soma 45 torneios de simples e mais de US$ 50 milhões em prêmios, o que o coloca em segundo lugar em ganhos na história, atrás apenas do suíço Roger Federer.
No ano seguinte, 2006, a Espanha começou a viver um período de grandes vitórias em outro esporte muito popular no país, o ciclismo. Foram quatro os títulos consecutivos de espanhóis no Tour de France - principal competição do esporte. Alberto Contador (07-09), Carlos Sastre (2008) e Oscar Pereiro (2006). Contador ainda ganhou o tour em 2010, mas teve seu título caçado após testar positivo em um exame de doping.
Também em 2006, a chamada geração de ouro do basquete espanhol iniciaria a sua corrida como segunda principal seleção do mundo (atrás apenas dos quase imbatíveis americanos). Comandados pelos irmãos Pau e Marc Gasol, a Espanha foi campeão do mundo em 2006 e medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 2008 e 2012 (atrás dos EUA em ambas). Além disso, 11 dos 13 jogadores espanhóis que já passaram pelo NBA entraram na liga após a virada do milênio, e os irmãos Gasol se tornaram estrelas na liga como nenhum outro espanhol antes deles. Antes disso, o resultado mais expressivo do país no basquete era a prata olímpica em Los Angeles, 1984.
Do futebol, no entanto, vem os feitos mais surpreendentes do país. Eterna favorita e eterna decepção, a seleção espanhola, conhecida como Fúria, só conquistara uma Eurocopa no século XX, em 1964, apesar de ter dois dos maiores e mais ricos clubes do continente em Real Madrid e Barcelona. Em 2008, a Espanha quebrou o longo jejum de taças com a conquista da Eurocopa. E foi adiante. Conquistou a Copa do Mundo em 2010 na África do Sul, a Eurocopa dois anos mais tarde e chegará, no mínimo, como uma das favoritas para a Copa do Mundo no Brasil do ano que vem.
Já na economia, a Espanha passou por dois momentos distintos nesse milênio. A partir de 1997, o país vivenciou um forte boom econômico puxado, principalmente, pela expansão da construção civil. Em 2000, o PIB do país cresceu 5%. Nos anos seguintes variaria entre 2,7% a 4,1%, um sólido crescimento para a quarta maior economia europeia e o que levava a projeções de que o PIB per capita (divisão de toda a riqueza produzida pelo total de seus habitantes) do país superaria o da Alemanha, principal economia do continente. No entanto, veio a crise das hipotecas e da construção civil em 2008. Dois anos mais tarde, o aprofundamento da crise do endividamento (componente que tinha sido vital para o crescimento anterior) na Europa.
A Espanha vivenciou um forte boom econômico entre 1997 e 2007 puxado, principalmente, pela expansão da construção civil. No total, o setor representava cerca de 16% do PIB e 12% do total de empregos do país em 2007. Até que houve a crise financeira de 2008 e o colapso do mercado de propriedades no país. O acelerado crescimento econômico viraria recessão.
Em 2008, o PIB do país ainda teve um pequeno avanço, de 0,9%. O choque viria no ano seguinte, queda de 3,7%. Em 2010, nova queda, -0,3%. Em 2011, leve alta de 0,4% e uma nova queda em 2012, -1,4%.
A verdadeira tragédia, no entanto, viraria no campo do emprego. No início do milênio, o desemprego no país estava na casa dos 14% e decairia até atingir o seu ponto mais baixo em 2006, 8,1%, e se manteria em 8,3% no ano seguinte. A crise seria implacável com os trabalhadores espanhóis. Já em 2008, o desemprego chegou a 13,9%. No ano seguinte, saltou para 18,1%. No final de 2012, já beirava a casa dos 26%. E, atualmente, supera os 27%, o que o coloca em segundo lugar na Europa, atrás apenas da Grécia, cuja taxa de desemprego se aproxima dos 28%. Entre os jovens com menos de 25 anos, a falta de trabalho supera os 55%. A expectativa, além disso, é de que o número de pessoas sem emprego siga crescendo.
Para muitos espanhóis, a saída tem sido procurar empregos no exterior. Entre 2012 e 2011, o número de cidadãos do país cresceu 6,3% e o Brasil é um dos países que mais os têm recebido. Segundo o Ministério do Trabalho brasileiro, Entre 2009 e 2012, cresceu 86,5% o número de autorizações de trabalho emitidas pelo governo brasileiro para espanhois, de 1.104 para 2.059. A emissão de vistos de trabalho para estrangeiros em geral também cresceu no mesmo período, mas menos, de 49.214 em 2009 para 73.022 em 2012 (alta de 48,3%).
Se a Espanha vem para o Brasil em 2014 para ganhar a Copa, a expectativa é que muitos espanhóis também sigam o mesmo caminho, mas em busca de emprego.
Com informações do Ministério do Trabalho do Brasil, das agências de notícias Reuters e BBC, e dos sites Tradingeconomics.com e Ibtimes.co.uk