'Brasil não é mais só Marta': as perspectivas da seleção de futebol sem sua maior jogadora
O jornalista britânico Tim Vickery analisa o papel de Marta não só no futebol feminino, mas na cultura brasileira. Para ele, a atacante conduziu a seleção brasileira ao ponto que chegou agora, em que as chances de vitória na Copa são reais
Há duas décadas, um nome vem à mente sempre que se fala de futebol feminino brasileiro.
Acertou se você pensou em Marta.
Ao entrar em campo nos minutos finais da estreia do Brasil na atual Copa do Mundo Feminina, em que a seleção venceu do Panamá por 4 a 0, a atacante chegou à sua sexta copa já disputada.
No torneio realizado na Austrália e na Nova Zelândia, Marta quer se tornar a primeira jogadora a marcar gols em seis Copas do Mundo — masculina ou feminina —, mantendo seu status de artilheira recorde da Copa do Mundo de qualquer gênero, com 17 gols em 21 partidas.
O que é mais significativo do que as estatísticas, no entanto, foi o impacto de Marta, de 37 anos, na cultura brasileira.
"Minha esposa a idolatra", disse o jornalista britânico Tim Vickery à BBC Radio 5 Live. "Minha esposa [que é brasileira] foi impedida de jogar futebol pelo irmão."
"Se o pai dela descobrisse que ela estava tentando jogar futebol, ele teria batido nela. No Brasil operário, uma mulher não fazia isso."
"Marta mudou isso. Ela teve que brigar com os irmãos para jogar futebol. Mas o que ela fez, junto com o elenco de apoio de Formiga e Cristiane, foi legitimar o futebol feminino no Brasil a tal ponto que o país está mais próximo dele do que nunca."
A Globo informou que cerca de 11,5 milhões de telespectadores assistiram ao jogo contra o Panamá na segunda-feira (24), enquanto o governo federal decretou ponto facultativo durante os jogos.
Em meio ao progresso e à animação em torno do futebol feminino, é fácil esquecer como o esporte foi tratado no Brasil e no mundo.
No país, o futebol feminino foi oficialmente banido entre 1941 e 1979, mas mesmo depois disso foi ignorado e recebeu poucos investimentos.
O atual campeonato nacional de futebol feminino não existia até 2013.
Vickery diz que isso ainda diz pouco sobre como o país, que produziu cinco seleções masculinas campeãs do mundo, tratou suas jogadoras.
"Voltemos para pouco antes da Marta — 1996, a primeira vez que o futebol feminino esteve nas Olimpíadas", apontou Vickery. "As mulheres voaram na classe econômica e os homens, obviamente, na primeira classe. As mulheres usavam equipamentos de segunda mão que foram dos homens."
"A seleção só recebeu flâmulas suficientes — aquelas que as capitãs trocam antes das partidas — para os jogos da fase de grupos. Elas se classificaram no grupo, então a goleira teve que ensinar um pouco de inglês à capitã para se desculpar com sua adversária: 'Desculpe, não tenho flâmulas sobrando'."
Foi nesse cenário que Marta chegou em 2002, quando estreou na seleção principal. Cerca de 176 jogos e 115 gols depois, as circunstâncias da equipe são muito diferentes.
A seleção brasileira não apenas tem bons investimentos e apoio, como diz Vickery, mas também acredita fortemente que pode vencer sua primeira Copa do Mundo Feminina na nona tentativa.
O Brasil geralmente deixa a desejar nas Copas do Mundo, tendo chegado na sua única final em 2007 — quando perdeu de 2 a 0 para a Alemanha em Xangai. Nas últimas duas copas, as brasileiras saíram nas oitavas de final.
Mas com a bicampeã sueca Pia Sundhage no comando e uma série de atuações impressionantes na preparação para a Copa — incluindo levar a Inglaterra aos pênaltis na Finalíssima Feminina —, este é um Brasil com esperanças renovadas.
"Há um destaque maior do que nunca", afirmou Vickery. "Até o anúncio da convocação foi transmitido ao vivo na TV. Está crescendo e crescendo."
"Houve um momento no início do século em que o Brasil provavelmente era a melhor seleção do mundo, e continuou perdendo na Copa do Mundo ou nas Olimpíadas. Tudo isso foi baseado inteiramente no aparecimento espontâneo de talentos, comandados por Marta. O Brasil não investiu e ficou para trás."
"Eles ficaram muito fora de ritmo na última década, mas agora trouxeram Sundhage, que é absolutamente imersa no jogo como jogadora e treinadora. Ela as organizou e estruturou de uma maneira diferente."
"Portanto, a confiança está nas alturas, ainda mais agora que elas venceram o Panamá. A França, a seguir, será um teste muito interessante [a partida entre França e Brasil na Copa ocorrerá neste sábado, 29/07]."
"O Brasil realmente se vê como um dos candidatos [a vencer a Copa do Mundo] e o país está apoiando isso de uma forma inédita."
Embora a seleção brasileira tenha esperanças realistas de chegar à primeira final da Copa do Mundo em 16 anos, Marta está longe de ser o centro desse projeto.
A veterana ficou no banco contra o Panamá, entrando em campo a 15 minutos do fim da partida — quando as brasileiras já tinham quatro gols marcados e os pontos na bagagem.
Ela substituiu Ary Borges, que fez três gols na partida e faz parte da empolgante nova geração brasileira. Das 23 mulheres da seleção, 11 estão em sua primeira Copa do Mundo.
"Mais do que ninguém, foi Marta quem arrastou esse esporte", diz Vickery.
"Hoje ela é a velha sábia coruja do time. Ela não consegue desequilibrar as defesas como antigamente, não é titular."
O Brasil enfrentará a França em sua segunda partida do Grupo F, sabendo que uma vitória as colocaria na primeira posição, provavelmente evitando uma partida contra a Alemanha nas oitavas de final.
"Não é mais apenas sobre Marta — mas isso é uma medida de progresso", analisa Vickery.
"O Brasil agora tem outras jogadoras prontas para levar adiante essa corrida de revezamento e elas serão uma verdadeira potência."