Narradora da ESPN supera hiato de 19 anos e analisa haters: ‘Pessoas solitárias’
Pioneira na locução esportiva, Luciana Mariano abre a série especial 'Pioneiras' na semana do início da Copa do Mundo Feminina de 2023
Primeira mulher a narrar futebol feminino e masculino na televisão brasileira, Luciana Mariano é hoje uma das principais vozes da narração no País e abre a série Pioneiras, conteúdo especial do Terra na semana de início da Copa do Mundo Feminina com mulheres que desafiaram o machismo e ocuparam espaço no futebol.
Em uma época na qual a única referência era Zuleide Ranieri, narradora da extinta Rádio Mulher, Luciana Mariano venceu um concurso de narração e foi contratada pela Bandeirantes, em 1997. Em setembro do mesmo ano, transmitiu sua primeira partida na emissora, em um jogo do São Paulo, pelo Torneio Primavera. Em campo, craques como Sissi, Katia Cilene, Pretinha e Roseli, que brilharam com a camisa da Seleção na década de 1990.
A jornalista narrou algumas competições, mas teve a carreira interrompida após a emissora perder o direito de transmissão do Campeonato Pernambucano masculino. Mariano recebeu convites para continuar no jornalismo esportivo na nova detentora, mas todos fora da área de narração. Acostumada a não retroceder, recusou a proposta.
Foram duas décadas longe da narração. Em 2018, chegou ESPN para voltar à função. “As pessoas são muito apegadas a hábitos. Eu ouvi a vida inteira um homem narrar. Quando ouço uma coisa diferente disso, eu entendo que causa estranhamento em algumas pessoas, mas, ao mesmo tempo, a gente não pode declinar. Em 20 anos, eu narrei de 40 a 50 jogos. Nesse mesmo período, um narrador fez 8000. Como a gente compara quem é melhor ou pior?”, questionou em entrevista exclusiva ao Terra.
Em meio às conquistas, a jornalista vive com a necessidade de lidar com machismo e desconfiança durante anos. Já recebeu inúmeras ameaças em suas redes sociais. Advogados e psicólogos avaliam os conteúdos enquadrados como crimes de ódio. Centenas de processos foram abertos, muitos já julgados, e revertidos em serviços sociais.
Luciana Mariano nunca fugiu do confronto. Ela chegou a visitar alguns dos condenados em entidades que abrigam mulheres vítimas de agressão. São nesses locais que eles cumprem as penas. A maioria se desculpou e demonstrou arrependimento, segundo a narrador.
"Eu quero que você morra de câncer", "quero que sua família sofra um acidente, todo mundo morra e só você sobreviva para sofrer", e "que você seja estuprada” são algumas das chocantes mensagens de ódios recebidas pela apresentadora do Mina de Passes.
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“Existe um recorte feito pela psicóloga, em que ela notou um comportamento entre aqueles que já estão sendo processados. Normalmente são pessoas solitárias, que não recebem muita atenção, com autoestima baixa e uma percepção de si terrível, que ao chegarem na internet, se sentem poderosos. Foi libertador descobrir que a realidade não é aquilo que está nas redes”, desabafou.
Mesmo antes da disseminação das redes sociais, Luciana já lidava com o preconceito. Ela se relacionou com Luciano do Valle, com quem foi casada por 12 anos. Jamais esteve à sombra do narrador e nunca deixou nenhum comentário contrário desacreditar sua competência individual.
“O legado dele para mim é imenso. Ele nunca teve a prepotência de achar que deveria me ensinar alguma coisa. O Luciano me liderou pelo exemplo. A única coisa que ele falou, foi no primeiro jogo que eu fiz que, ‘quando o gol tem emoção tem, quando não tem emoção, não tem’", brincou ela, ao lembrar sua convivência com Luciano, que morreu em 2014.
O crescimento da carreira de Luciana Mariano na narração acontece em um momento em que o futebol feminino no Brasil também está em ascensão. Segundo a jornalista, o Mundial da Austrália e Nova Zelândia vai ser a “Copa da consolidação”.
“Nunca fomos tão requisitadas como agora. É o momento mais mágico e brilhante que eu vi em 31 anos de carreira, tanto para o futebol feminino como para as mulheres no jornalismo esportivo”, avaliou.
A narradora destacou a evolução da Seleção no comando de Pia Sundhage, mas contestou ausências como a goleira Luciana e a atacante Cristiane. Para ela, o Brasil chega até as oitavas com facilidade, mas não cravou que as brasileiras avancem para as quartas de final do Mundial.
Na sua lista de favoritas estão as seleções dos Estados Unidos, Inglaterra, Suécia e Alemanha, que podem cruzar o caminho das brasileiras já na primeira fase do mata-mata. “Será a maior Copa do Mundo de todos os tempos, com a maior quantidade de seleções, com dois países sede, com a maior quantidade de jogos, com o melhor nível técnico já apresentado em toda história, e com mulheres!”, analisou.