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Entenda o que é scout e como funciona o trabalho dos analistas no futebol

Profissionais tem função determinante nos bastidores, com participação ativa na pesquisa e monitoramento de atletas, além do auxílio à comissão técnica com vídeos, relatórios e métricas

24 jun 2023 - 09h11
(atualizado às 22h31)
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A partir dos anos 2000, o futebol tomou um rumo sem volta quanto ao planejamento e observação de performance. A ciência do futebol passou a fazer parte do cotidiano dos clubes, com as decisões no mercado da bola sendo baseadas em scout e treinadores montando planos de jogo com o auxílio de analistas de desempenho, cuja função surgiu junto com ferramentas de dados e que apoiaram o desenvolvimento do esporte como o conhecemos atualmente. O Estadão explica como atua cada um destes profissionais, que exercem função significante nos bastidores.

Lucas Oliveira, analista do Palmeiras, em palestra na CBF.
Lucas Oliveira, analista do Palmeiras, em palestra na CBF.
Foto: Divulgação/CBF / Estadão

Traduzindo ao pé da letra, scout significa olheiro, mas se você está pensando naquela figura que se camufla entre os espectadores de peneiras ao redor do País, esqueça. Além do crivo de quem avalia novos talentos in loco, é o analista de mercado quem vai fornecer o leque de opções para um clube trabalhar na contratação de jogadores em pico de performance ou no mapeamento de joias para desenvolvimento nas categorias de base. Sua função é baseada em três pilares: pesquisar, monitorar e analisar jogadores.

O scout é somente uma parte da inteligência de mercado, mas é fundamental para o crescimento esportivo e financeiro no futebol. O investimento na área, por exemplo, pode ser determinante no processo para um clube mudar de patamar a médio prazo. Especialistas na área, porém, destacam que dispor de informações e infraestrutura não é garantia de sucesso.

"A análise depende de onde se quer chegar. O clube precisa ter um plano sobre o tipo de jogador que ele deseja desenvolver, o tipo de atleta que ele vai precisar para determinado modelo de jogo e para quem ele eventualmente vai vender este jogador. Tudo isso é inteligência de mercado e scout vai entrar na parte de monitoramento", explica Eduardo Dias, CEO da plataforma de análise Footure, que atende boa parte dos times do futebol brasileiro.

"Antes de iniciar qualquer monitoramento, o clube precisa saber o modelo de jogo e o modelo de negócio que ele quer implementar. O que não se pode é continuar apostando na aleatoriedade para vencer o próximo jogo. Aí não adianta ter scout", completa.

O analista de mercado tem como principal cliente a diretoria de futebol. O treinador também faz parte dessa equação, mas o clube deve considerar sempre o fato de que a contratação de um atleta não pode estar 100% vinculada a um desejo particular de um técnico, tendo em vista a alta rotatividade no cargo.

Não existe um método global sobre como é feito o valuation de um atleta. O algoritmo desenvolvido pela Footure, por exemplo, leva como base os seguintes fatores:

  • Dados objetivos de performance esportiva (Ex: gols, assistências, desarmes)
  • Idade
  • Posição
  • Reputação do time do mercado
  • Comparativo com transferência similares

Deixando o esporte bretão um pouco de lado, parte desse processo pôde ser explicado no livro "Moneyball: O Homem que Mudou o Jogo", de Michael Lewis. Lançada em 2003, a obra conta como Billy Beane, gerente de um dos times de menor orçamento da Liga Americana de Beisebol (NBL), usou da ciência esportiva para levar o Oakland Athletics ao título da temporada 2002.

"Pra tomar uma decisão sobre um jogador no scout demanda um tempo lógico. Quanto menor a quantidade de jogos analisados, maior o risco que você tem de errar na decisão. Quando temos uma sequência de acompanhamento, há mais segurança para entender a característica qualitativa desse talento para se tomar a decisão de contratar ou não o jogador", diz Sandro Orlandelli, membro da UEFA Academy e especialista na identificação de talentos pela Federação Inglesa de futebol (FA).

Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, comenta que o investimento na inteligência de mercado foi crucial para elevar o patamar do time e fazer a equipe se tornar uma das mais competitivas do futebol nacional, saindo em pouco tempo da segunda divisão para duelos em partidas na Copa Libertadores e Sul-Americana. Ele afirma que o processo é contínuo e não se restringe ao período das janelas de transferências.

"Buscamos jogadores com a característica que o clube gosta e mesmo que um jogador não possa vir para o clube no momento da avaliação, ele pode servir para um contratação futura", explica. "Uma vez que se busca aprofundar a observação de um atleta, partimos para uma análise comportamental. Por isso é importante também ter uma rede com possíveis confiáveis para cruzar as informações e tomar a decisão de contratação."

A qualidade técnica é o critério de maior peso para a contratação de um jogador. Para Júnior Chávare, atuante na integração de base de Cotia com o profissional do São Paulo em 2014, a parte tática pode ser um diferencial na captação de jogadores, mas é menos levada em consideração por ser uma questão pode ser desenvolvida após contratação. "Dentro de seus métodos, o clube tem por obrigação de implementar isso junto ao atleta", diz. O profissional, que atualmente trabalho como executivo de futebol da Ferroviária, ajudou lapidar jovens como Eder Militão (Real Madrid), Antony (Manchester United) e David Neres (Benfica).

Análise de desempenho

O trabalho dos analistas de desempenho é qualitativo e está atrelado diretamente com a comissão técnica de um clube. Sua função é analisar tanto o próprio time quanto os próximos adversários para destrinchar os pontos fortes e fracos de cada um dos times, além do auxílio no planejamento de treinos. Por exemplo, para quais formações táticas a equipe varia durante a partida, se o time ataca usando bolas longas ou triangulações, qual lado usam com mais frequência, etc.

"Existe uma diferença e um conflito de compreensão aqui no Brasil sobre o que é um departamento de scout e um departamento de análise, de jogo e de vídeo. O scout vem do aspecto qualitativo, analisa as qualidades em quatro pilares: físico, tático, técnico e mental. A análise de jogo, de adversário, é predominantemente quantitativa. Por isso, ferramentas tecnológicas ajudam a fornecer informações, pois analisam o aspecto quantitativo. Esses departamentos interagem, mas são distintos", comenta Orlandelli.

Além do treinador e dos auxiliares, a análise de desempenho mantém contato com o trabalho de preparação física. Com base nas informações sobre a condição física de um determinado atleta, é possível saber qual jogador está mais desgastado e, consequentemente, por que não está desempenhando sua função de maneira plena.

De maneira, geral, o trabalho do analista de desempenho pode ser dividido em quatro etapas:

  • Participação no planejamento de jogo e treinamentos.
  • Levantamento de informações de treinos e jogos com base em vídeos e dados objetivos da partida.
  • Análise das informações.
  • Feedback à comissão técnica e aos jogadores por meio de relatórios/vídeo.
Lucas Oliveira, analista de mercado do Palmeiras, atuou observador para a seleção brasileira em todos os jogos da Copa do Mundo do Catar, ao lado de outros dois profissionais. Segundo ele, sua rotina se resumia a produzir análises de vídeo e relatórios técnicos-táticos de desempenho dos adversários e possíveis rivais, a fim de oferecer suporte ao trabalho dos analistas de desempenho da seleção e fornecendo informações ao treinador e seus assistentes.

" O intuito do trabalho é disponibilizar informações pertinentes que possam auxiliar as tomadas de decisão do treinador. As análises costumam estar diretamente relacionadas às ideias e ao modelo de jogo implementados pela comissão técnica", explica Lucas. "Utilizamos os mesmos softwares e ferramentas dos analistas da seleção, como Hudl Sportscode, WyScout, InStat e Coach Paint, além da plataforma Fifa de acesso a todos os jogos da competição, com diferentes planos de câmera tática, recortes individuais e coletivos de imagens, bem como relatórios de dados técnicos-táticos-físicos das equipes - a ferramenta foi disponibilizada para todas as seleções participantes", completa.

Dados e ferramentas

Os analistas de dados, por sua vez, trabalham de maneira inversa ao do analista de desempenho, com informações quantitativas, como por exemplo o número de troca de passes, posse de bola e finalizações de uma equipe. Com o auxílio da tecnologia, o profissional de dados consegue montar modelos estatísticos para encontrar padrões, como por exemplo o alto índice de acerto nos dribles de um determinado jogador ou o número de gols sofridos em jogadas de bolas paradas.

Objetivamente, o analista de dados serve aos outros dois (analista de mercado e desempenho). O material obtido, complementados com os dados de observação, são importantes para transformar a análise em informação. "O treinador, no intervalo de um jogo ou em um treino, ele precisa de informação para tomar as melhores decisões", segundo Eduardo Dias.

Entre os softwares-referência costumam ser WyScout, InStat, Hudl, Scouting Área (para organização de relatórios e base de dados), TransferRoom (voltado a networking e negócios) e Noisefeed (para conhecimento do histórico de lesões dos atletas). Há ainda o suporte de empresas fornecedoras de métricas com viés quantitativo de desempenho como GoalPoint e KinAnalytics. O mapeamento e o monitoramento de mercado são feitos de maneira constante e tem como uma das referências a plataforma Rede do Futebol.

Lucas Oliveira, analista do Palmeiras, em palestra na CBF.
Lucas Oliveira, analista do Palmeiras, em palestra na CBF.
Foto: Divulgação/CBF / Estadão
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