Popularização do futebol nos EUA é pano de fundo do Fifagate
Vizinho ao tribunal onde autoridades americanas se pronunciavam sobre o megaescândalo de corrupção na Fifa, anunciando a prisão de sete dirigentes da entidade na quarta-feira, um parque no bairro nova-iorquino do Brooklyn ilustra a crescente popularização do futebol na vida do país. O espaço acolhe, entre outros visitantes, grupos de crianças que jogam bola e engrossam as fileiras de um lazer que já se tornou um dos preferidos entre os jovens americanos.
A Major League Soccer (MLS), a liga americana de futebol, calcula que os Estados Unidos tenham aproximadamente 70 milhões de torcedores e 20 milhões de praticantes do esporte. A popularização do soccer movimenta recursos cada vez mais volumosos e atrai investimentos estrangeiros para o país ─ chamando atenção também das autoridades que fiscalizam transações financeiras.
Foi a própria secretária de Justiça americana, Loretta Lynch, quem mencionou o esquema dos reús investigados no chamado "Fifagate" usado, entre outras coisas, para se beneficiar "do crescente mercado americano do futebol". "Em várias instâncias, os réus e conspiradores planejaram os aspectos do esquema em reuniões que aconteceram nos Estados Unidos; eles usaram o sistema bancário americano para distribuir pagamentos; e planejaram lucrar com o esquema deles em grande parte por esforços promocionais direcionados ao crescente mercado americano do futebol."
Demografia acertada
A US Youth Soccer, entidade sem fins lucrativos que organiza jogos e promove o esporte entre as crianças, saiu de 800 mil membros inscritos nos anos 1980 para 1,6 milhão nos anos 1990 e mais de 3 milhões atualmente.
Nas escolas, o futebol está entre os esportes de equipe mais praticados pelos estudantes, no calcanhar do beisebol e pouco atrás do basquete. A atividade cresceu tanto que os americanos se referem às "soccer moms" para designar mães suburbanas que passam horas levando os filhos para práticas esportivas.
No ano passado, pela primeira vez em 20 anos, a popularidade da MLS entre jovens de 12 a 17 anos de idade ficou no mesmo patamar de uma grande liga ─ a de beisebol. Cerca de 18% dos adolescentes se disseram fãs ávidos desses esportes.
Em 2012, a pesquisa tinha verificado que o futebol é o segundo esporte mais popular entre o público de 12 a 24 anos de idade. E entre os hispânicos, muitos com raízes familiares em nações onde o futebol impera, a preferência salta para primeiro lugar.
Este é um indicativo de potencial, em um país onde os brancos serão uma minoria nos primeiros anos da década de 2040 ─ e onde o crescimento populacional é liderado pelos hispânicos.
Presença crescente
Mas em grande medida a paixão pelo futebol já pode ser observada na vida americana ─ por exemplo, nas festas para assistir a jogos proeminentes da Premier League, a liga inglesa, altamente popular no país.
Segundo um relatório da consultoria Nielsen do fim do ano passado, 11 canais de TV transmitiam eventos de futebol em 2010, atraindo US$ 266 milhões em publicidade. Três anos depois, 21 canais transmitiram futebol, gerando um gasto publicitário de US$ 378 milhões (R$ 1,2 bilhão).
A rede NBC paga à Premier League inglesa mais de US$ 80 milhões (R$ 254 milhões) anuais pelos direitos de transmissão do campeonato. Mesmo a MLS recebe US$ 30 milhões (R$ 95 milhões) anuais de redes como a ESPN, NBC e Univisión ─ canal em espanhol ─ em direitos de imagem.
O país que sediou a Copa de 1994 ─ e que perdeu a disputa para sediar o evento novamente em 2022 ─ comprou mais de 150 mil ingressos antecipados para o Mundial no Brasil, ficando à frente de qualquer outra nação estrangeira.
O jogo final dos EUA contra a Bélgica em Salvador foi assistido por 16 milhões de pessoas, superando, por exemplo, os cinco jogos finais da liga de basquete NBA (média de 15,5 milhões de telespectadores).
"Veículo para corrupção"
É sobre esse pano de fundo que se desenrola a investigação americana. Comentaristas esportivos no país expressaram pouca surpresa que os indiciados na investigação do FBI integrem a Conmebol e a Concacaf, as duas confederações de futebol que englobam as Américas.
Dirigentes destas organizações são mais propensos a fazer negócios com os bancos americanos, colocando-os dentro da jurisdição das autoridades dos Estados Unidos.
"Em muitos casos, os réus e seus coconspiradores planejaram aspectos deste esquema de longa data aqui nos Estados Unidos. Eles usaram o sistema bancário e de transações eletrônicas dos Estados Unidos para distribuir seus pagamentos de propina", disse a secretária de Justiça americana. "E planejavam se beneficiar do esquema em grande parte através de esforços promocionais dirigidos ao crescente mercado americano do futebol", continuou Loretta Lynch.
"Em 2016, aqui nos Estados Unidos, devemos sediar o centenário da Copa América, a primeira vez que o torneio será realizado em cidades fora da América do Sul. Nossa investigação mostrou que o que deveria ser uma expressão de espirito esportivo internacional foi usado como veículo, em um esquema mais amplo, para encher os bolsos de executivos com propinas que totalizam US$ 110 milhões."
"Big five"?
Os argumentos podem ainda não ser suficientes para convencer a opinião pública em um país onde as "big four" ─ as quatro principais ligas esportivas nacionais ─ não incluem o futebol. Os campeonatos que mais atraem audiência e capturam a atenção do público são a NBA (basquete), NFL (futebol americano), MLB (beisebol) e NHL (hóquei). Porém, já há quem levante a bandeira de que a MLS, de futebol/soccer, se juntará em breve a este grupo, transformando-o em "big five".
Uma compilação da revista Forbes comprova que as equipes que integram a liga vêm ganhando valor. Em 2008, segundo o levantamento, a MLS tinha 14 equipes, que valiam em média US$ 37 milhões (R$ 118 milhões) e estavam perdendo dinheiro. O time de maior valor era o LA Galaxy: US$ 100 milhões (R$ 318 milhões).
Hoje, metade das 20 equipes é lucrativa e o valor médio supera US$ 100 milhões (R$ 318 milhões). O plano é expandir para 24 em 2020. Além disso, a média de público dos jogos da MLS é de 19 mil ─ maior do que o campeonato brasileiro. O potencial atrai investidores estrangeiros como o brasileiro J. Hawilla, dono da Traffic, que está no centro das investigações do Departamento de Justiça americano.
A empresa de J. Hawilla é a atual responsável pelos direitos de torneios como a Copa Libertadores e teve exclusividade na comercialização de direitos internacionais de TV da Copa do Mundo no Brasil. A Traffic foi a responsável pelo contrato celebrado em 1996 entre a americana Nike e a seleção brasileira ─ que os comunicados oficiais da empresa e do Departamento de Estado americano indicaram estar sob escrutínio.
J. Hawilla se tornou delator premiado na investigação americana. Ele confessou as acusações de extorsão, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça, e prometeu devolver US$ 151 milhões (R$ 480 milhões) à Justiça. Destes, US$ 25 milhões (R$ 80 milhões) já passaram aos cofres oficiais. O presidente da companhia nos Estados Unidos, Aaron Davidson, também estava entre os indiciados na quarta-feira na investigação americana.