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Espanha e Marrocos têm histórico de conflitos sangrentos que originaram até cantiga infantil

Seleções espanhola e marroquina medem forças nesta terça-feira, às 12h, pelas oitavas de final da Copa do Mundo do Catar

6 dez 2022 - 08h10
(atualizado às 09h11)
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Espanha e Marrocos têm um histórico de conflitos para além dos campos de futebol. Os países, separados pelo Estreito de Gibraltar e vizinhos em pequenos territórios no norte da África, se enfrentaram em guerras entre os séculos 19 e 20 e ensaiam uma reaproximação, mais recentemente, após mudança de postura do governo espanhol em questões diplomáticas. Nesta terça-feira, as seleções dos dois países se encontram, às 12h, pelas oitavas de final da Copa do Mundo do Catar.

As cidades de Ceuta e Melilla são pivô das constantes divergências entre Espanha e Marrocos. O controle sobre os dois locais sempre foi intensamente disputado. Nestas circunstâncias, os dois países travaram entre 1859 e 1860 uma guerra pelo domínio da região, que deixou entre oito e dez mil mortos. O estopim para o conflito foi um ataque de um grupo da região de Rife, que compreende o norte marroquino, a um destacamento militar espanhol. Sem as punições esperadas pela liderança do Marrocos, a Espanha decidiu invadir o território. Por fim, a Espanha foi declarada vencedora da guerra, e os marroquinos tiveram de ceder territórios sob o Tratado de Wad-Ras.

Em 1893, um novo conflito teve início da região. Dessa vez, a Espanha lutou diretamente com tribos residentes no entorno da cidade de Melilla. Com forças desproporcionais, o resultado não poderia ser diferente, com outra vitória espanhola. A tensão persiste na região. Em 1909, eclode uma nova guerra. Dessa vez, as pretensões espanholas não encontram o mesmo apoio no país. Protestos em Barcelona, envolvendo greves contra o cumprimento do chamado à guerra, culminam na "Semana Trágica" com 150 mortos, cerca de 400 feridos e ainda mais de 1700 detidos.

TRAGÉDIA TRANSFORMADA EM MÚSICA

Outro fato marcante foi o Desastre do Barranco do Lobo, em que as tropas espanholas foram derrotadas por grupos da região de Rife. A comoção entorno da morte de 150 espanhóis originou uma canção que se popularizou no país, tornando-se inclusive uma música infantil cantada pelos jovens em brincadeira semelhante à "Adoleta". A cantiga possui diferentes versões espalhadas pela Espanha. Todas fazem referência à tristeza das mães que perderam seus filhos na batalha.

El Barranco del Lobo

Todos los mozos se vuelven ya (Todos os rapazes já estão partindo)

Porque la patria está diciendo (Porque a pátria está dizendo)

Que están dispuestos a pelear (Que estão dispostos a guerrear)

Desde el Barranco del Lobo (Do Barranco do Lobo)

Vengo llamando a mi madre (Estou chamando minha mãe)

Mi madre no me responde (Minha mãe não me responde)

Llamo la Virgen del Carmen (Clamo por Nossa Senhora do Carmo)

Pobrecitas madres cuanto llorarán (Pobres mães, quanto chorarão)

Al ver que sus hijos a la guerra van (Por ver que seus filhos à guerra vão)

Melilla ya nos es Melilla (Melilla já não é mais Melilla)

Melilla es Un matadero (Melilla é um matadouro)

Donde se mata la gente (Onde se mata a gente)

Como se fueran corderos (Como se fossem cordeiros)

Pobrecitas madres cuanto llorarán (Pobres mães, quanto chorarão)

Al ver que sus hijos a la guerra van (Ao ver que seus filhos à guerra vão).

Em 1912, Espanha e França passaram a dividir o controle sobre o território marroquino. O Marrocos teve sua independência reconhecida apenas em 1956. A Espanha manteve as cidades de Ceuta e Melilla sob sua ordem. Já em 1996, foi reativado um muro em Ceuta para impedir que imigrantes ilegais entrassem em território espanhol. O mesmo foi feito em Melilla em 1998.

Neste ano, uma tragédia se constituiu em Melilla novamente. Cerca de 30 imigrantes, vindos do Sudão, Sudão do Sul e Chade, que tentavam atravessar a fronteira ilegalmente, morreram e outros 200 ficaram feridos em uma ação conjunta de entidades de segurança da Espanha e Marrocos. O massacre gerou uma série de críticas à política migratória europeia.

APROXIMAÇÃO

Nos últimos meses, Espanha e Marrocos apaziguaram a relação diplomática entre os países. Em abril, a declaração do governo espanhol em favor da soberania do país africano sobre o território do Saara Ocidental aproximou as duas nações. A decisão, porém, gerou ruídos com a Argélia, que defende a independência da região.

A vinculação entre os dois países extrapola a ordem das questões políticas e migratórias. A maior população estrangeira na Espanha é de marroquinos. Cerca de 870 mil vivem em território espanhol, a maioria na comunidade autônoma da Catalunha, cuja capital é Barcelona.

Entre os jogadores da seleção marroquina convocados para o Mundial do Catar, quatro atuam no futebol espanhol. O goleiro Bounou e o atacante En-Nesyri jogam no Sevilla. O zagueiro El Yamiq defende o Valladolid, de Ronaldo Fenômeno, enquanto o atacante Ez Abde é jogador do Osasuna, emprestado pelo Barcelona.

HISTÓRICO

Espanha e Marrocos medem forças no gramado do estádio Education City pela segunda Copa seguida. Em 2018, empate por 2 a 2 na fase de grupos. O primeiro jogo entre as duas seleções principais aconteceu em 1961, em Casablanca, na disputa por uma vaga no Mundial do Chile, que aconteceria no ano seguinte. A partida marcou a estreia de Ferenc Puskas com a camisa da Espanha e terminou com vitória magra dos visitantes por 1 a 0.

Com a rivalidade e tensão fora de campo em condições de serenidade pouco vistas na história, Espanha e Marrocos desafiam o equilíbrio da Copa do Mundo na última oportunidade de um azarão chegar às quartas de final. Às 12h, as equipes colocam à prova o futebol exibido na fase de grupos em um duelo em que o passado ainda ressoa sobre o presente.

Estadão
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