Especialista defende projetos socioeducativos para torcidas
Os casos mais recentes de violência envolvendo torcedores de futebol, que provocaram a morte de um palmeirense e de um vascaíno nos últimos dias, expõem novamente uma situação fora do controle das autoridades. Muitas dessas ações que terminam em tragédia poderiam ser evitadas se o País adotasse medidas de prevenção, como já ocorre em alguns países da Europa. Nesse sentido, a atual campeã mundial Alemanha também se destaca.
As informações são da professora titular de Sociologia do Esporte da Unicamp, Heloísa Reis, referência no Brasil sobre o assunto. Ela enfatiza a necessidade da criação de projetos socioeducativos voltados para jovens apaixonados por futebol como uma forma de atenuar o problema.
Na Alemanha, isso já é feito desde 1983. Em cada cidade de centros importantes de futebol se montam casas com dinheiro público e da federação e liga nacional. São contratados assistentes sociais que trabalham com os torcedores, com uma série de atividades, palestras, workshops, incluindo até produções artísticas.
“São atendidos jovens de 14 a 24 anos e muitos deles passam a orientar pouco tempo depois outros torcedores do mesmo clube para que não cometam atos de violência. Em 1993, o ‘Fan Projekt’ foi abraçado pelo governo local e o resultado disso é muito expressivo. “Não houve, por exemplo, o surgimento naquele país de novos hooligans”, contou ela, em entrevista ao Terra.
A professora apresentou um projeto similar há sete anos ao Ministério do Esporte, que seria feito com torcedores dos quatro grandes clubes de São Paulo e envolveria uma parceria do governo federal com universidades públicas. Mas a iniciativa não foi adiante.
“Na Alemanha, todos os clubes das duas principais ligas nacionais são obrigados a ter um Departamento do Torcedor, com profissionais de várias áreas. Eles têm de responder à federação e à liga e interagem com as forças de segurança. O nível de agressividade do torcedor alemão, como um todo, ainda é muito alto. O ódio que se tem lá contra a Polícia é assustador. Mas o mérito do Fan Projekt foi impedir que inúmeros jovens se tornassem hooligans.”
Para Heloísa, cada novo assassinato em torno do futebol no Brasil evidencia uma outra medida equivocada – a adoção de torcida única nos estádios.
“Se não brigam no local da partida, marcam para outro ponto. No Brasil, nos últimos anos, há uma busca desenfreada por respostas rápidas, a fim de atender a uma demanda imposta por parte considerável da mídia, interessada em soluções imediatas. A violência no futebol reúne questões complexas”, comentou a professora, em crítica à decisão da Federação de Futebol de São Paulo, que atendeu a um apelo do Ministério Público Estadual e resolveu não aceitar a presença das torcidas de dois times locais em grandes jogos no Estado.
“CBF, federações e clubes estão dando um tiro no pé ao acreditar que eliminar uma parte da torcida nos jogos vai resultar em diminuição da violência. Tensão e conflito fazem parte do universo do futebol, historicamente um espaço em que predominam traços visíveis de masculinidade. Além disso, vetar instrumentos de bateria e bandeiras só esvazia o evento. O futebol só sobrevive há 120 anos por causa dessa atmosfera de festa e rivalidade”.