Conclusão de extradições gera expectativa por julgamentos
A extradição de José Maria Marin concluiu a extradição dos sete dirigentes da Fifa presos na Suiça
Cinco meses e um dia após a deflagração do escândalo de corrupção que se abateu sobre a Fifa, o último dos sete dirigentes presos no fim de maio teve sua extradição autorizada pela Justiça Suíça. Após ser interrogado, José Maria Marin aceitou ir aos Estados Unidos para julgamento e agora se junta aos outros seis dirigentes que, desde de julho, foram extraditados um a um. A Procuradoria, que tinha estipulado prazo de seis meses para o trâmite do processo, finalizou as extradições com cinco meses de trabalho. Agora, os indiciados aguardam o parecer da Procuradoria Geral de Nova York sobre o julgamento, o que aumenta as expectativas.
Fora os sete dirigentes presos em maio, além de outros dois indiciados, Jack Warner e Nicolás Leóz, que não foram detidos em Zurique, cinco empresários ligados ao futebol, entre eles o presidente da Traffic, também se entregaram à Justiça por conta de negociações de direitos de transmissão e demais transações com as federações. Essas 14 pessoas são acusadas de terem desviado, desde a década de 1990, cerca de 150 milhões de dólares (algo em torno de R$ 600 mi à cotação atual) em propinas e pagamentos irregulares.
Responsáveis por ajudarem a desvendar todos os meandros do esquema ilícito envolvendo os dirigentes, Andrew Jennings, jornalista britânico, e Chuck Blazer, ex-secretário-geral da Concacaf, colaboraram nas investigações da Justiça suíça em parceria com o FBI desde dezembro de 2014. Outro delator do esquema, o empresário brasileiro José Hawilla, de 71 anos, assumiu a culpa pelos crimes financeiros no fim do último ano e já devolveu cerca de 25 milhões de dólares (cerca de R$ 95 mi) aos cofres do Departamento de Justiça norte-americano.
"A corrupção é enraizada, sistêmica e profundamente enraizada tanto no exterior quanto aqui nos Estados Unidos. Ela se estende por pelo menos duas gerações dos funcionários do futebol que, tal como alegado, abusaram da sua posição legítima para adquirirem milhões de dólares em suborno e propina. Com essa ação, o Departamento de Justiça pretende acabar com tais práticas corruptas e com a má conduta, fazendo todos os malfeitores responderem no tribunal", declarou a Procuradora Geral Loretta Lynch à época das prisões.
Se, detidos os dirigentes, a perspectiva era de que as polêmicas que rondavam a Fifa amenizassem; a previsão não se confirmou e a crise política na Fifa adquiriu novos contornos, instalando-se, inclusive, na cúpula de alto escalão da entidade. Em setembro, quatro meses após as prisões, o então secretário-geral da Fifa Jêrome Valcke, cartola que participou da organização da Copa do Mundo de 2014, foi acusado de envolvimento em um lucro ilegal com relação aos ingressos.
Na esteira da acusação contra Valcke, a Fifa resolveu abrir uma investigação interna e, após resolução do Comitê de Ética da entidade, decidiu suspender por um período de 90 dias Joseph Blatter e Michel Platini, por conta de uma transação bancária escusa, realizada entre ambos mediante a um "acordo de cavalheiros" entre 1998 e 2002. Com o processo de extradição dos dirigentes ainda em tramitação, aliado às polêmicas acerca da corrida eleitoral na Fifa, a extradição do último dirigente acusado foi autorizada um dia depois da oficialização dos sete candidatos ao pleito presidencial.
Além dos dirigentes e cartolas ligados à crise política na Fifa exclusivamente pelo viés do futebol, cinco empresários, na maior parte sul-americanos, também foram indiciados por conta da conduta ilícita. Aaron Davidson, presidente geral da Traffic Sports, foi autuado; assim como o argentino Alejandro Buzarco, dono da Torneos y Competencias, e Hugo e Mariano Jinkins, responsáveis pela Full Play, empresas que mediavam a venda dos direitos de transmissão.
Relembre os dirigentes e as respectivas acusações pelas quais devem responder em julgamento nos Estados Unidos:
José Maria Marin: o último dos extraditados
Sucessor de Ricardo Teixeira na presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin chegou à cadeira mais alta do futebol brasileiro em 2012. Em pouco menos de três anos de mandato, esteve presente na organização da Copa do Mundo de 2014 e também faz parte do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos 2016. Em 2012, antes de assumir a CBF, Marin se envolveu em polêmica ao ser flagrado pelas câmeras de TV colocando a medalha que deveria ser entregue na final da Copa São Paulo de Juniores no bolso.
Escândalo maior cercou Marin quando já era vice-presidente da CBF. Cerca de um mês e meio depois de passar o cargo a Marco Polo Del Nero, o ex-militar foi preso ao lado de outros seis dirigentes do futebol mundial em um hotel de luxo de Zurique, a dois dias das eleições presidenciais de maio. Acusado de receber propina e fazer pagamentos ilícitos em troca da venda de direitos de transmissão da Copa Libertadores e Copa do Brasil, o mais velho dos sete indiciados foi resistente para aceitar a extradição aos Estados Unidos, mas acabou fazendo-o nesta quarta.
A imprensa até chegou a veicular a possibilidade de Marin, através dos advogados, tentar articular o pagamento de uma fiança, estipulada em 10 milhões de dólares (cerca de R$ 40 milhões), em troca da prisão preventiva à espera do julgamento. O acordo, inclusive, envolveria o apartamento do dirigente na Trump Tower, condomínio de luxo na Quinta Avenida, próximo ao Central Park, cartão postal de Nova York.
Jeffrey Webb: o primeiro a ter o pedido aceito
Presidente da Concacaf desde 2012, posto que lhe rende presença entre os vice-presidentes da Fifa, Jeffrey Webb é um dos pilares na luta contra a discriminação racial no futebol. Presidente da Federação de Futebol das Ilhas Cayman, Webb foi afastado provisoriamente de suas funções a partir do escândalo na Fifa e é acusado de usar de sua influência na Concacaf para negociar direitos de transmissão com empresários de marketing.
Respondendo por suborno, roubo, extorsão e lavagem de dinheiro, Webb foi o primeiro a ter a extradição avalizada, ainda em julho. Para garantir o pagamento da fiança de 10 milhões de dólares (cerca de R$ 40 milhões), que livra Webb da prisão provisória até o julgamento, o ex-mandatário da Concacaf fez uma espécie de "seguro", dando três carros de luxo (uma Ferrari, uma Range Rover e uma Mercedes-Benz), além de onze relógios, das marcas Rolex e Cartier, às autoridades como "garantia".
Antes de ser detido em Zurique, Webb tinha criticado o conservadorismo da Fifa por não liberar os relatórios sobre a escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022, cujas licitações seguem sob investigação da Justiça, mostrando-se como um dos principais vice-presidentes imbuídos de combater a corrupção.
Eugenio Figueredo: mandatário latino responde a duas acusações
Presidente da Federação Uruguaia de Futebol durante nove anos, de 1997 a 2006, Eugenio Figueredo passou a figurar nos bastidores do futebol sul-americano ao assumir o cargo de vice-presidente da Conmebol durante o mandato de Nicolás Leóz. Ao suceder o paraguaio, que teve de abrir mão de sua função por problemas de saúde, e assumir o controle do futebol latino americano, Figueredo foi envolvido em acusações sérias.
Preso em maio, e com a extradição aceita em meados de setembro, Figueredo responderá por ter recebido propinas milionárias de uma empresa de marketing para assegurar a venda de dos direitos de transmissão e publicidade das edições de 2015, 2016, 2019 e 2023 da Copa América. O uruguaio teve 30 dias para recorrer da decisão de ir aos EUA, mas não teve o recurso aceito e agora aguarda pela marcação do julgamento.
Em junho, cerca de um mês após sua prisão, o mandatário teve nove terrenos, que equivalem a R$ 15,5 milhões, confiscados a mando da Justiça uruguaia. À época, o promotor especializado em crimes organizados Juan Gómez admitiu que, ainda em 2013, uma investigação aberta nos bastidores da Conmebol passou a monitorar a ação de uma quadrilha organizada que trabalhava na apropriação de verbas que seriam destinadas a clubes filiados.
Rafael Esquivel: um sinal de tirania no futebol sul-americano
Presidente da Federação Venezuelana de Futebol desde 1988, o que o torna o mandatário mais longevo do futebol sul-americano, Rafael Esquivel, natural de Tenerife, na Espanha, foi extraditado aos Estados Unidos no início de setembro. Membro executivo da Conmebol, o ex-mandatário da Federação Venezuelana também responde pelo recebimento de verbas em troca da venda de direitos de transmissão de edições da Copa América até 2023, assim como o uruguaio Eugenio Figueredo.
Esquivel até tentou recorrer da decisão da Justiça, mas teve o recurso negado e agora aguarda o julgamento em território norte-americano. Após a Procuradoria Geral concluir os processos de extradição a um mês do fim do prazo, é possível que o Departamento de Justiça comece a tomar pé dos julgamentos a partir do fim deste ano.
Eduardo Li: um intruso asiático no Caribe
Antigo membro do Comitê Executivo, impedido de desempenhar funções ligadas ao futebol desde maio, Eduardo Li, que tem origem chinesa mas optou pela cidadania costarriquenha ao presidir a Federação de Futebol do país, é outro que aguarda julgamento nos Estados Unidos. Extraditado no fim de setembro, Li é outro dirigente indiciado pelo envolvimento na venda de direitos de transmissão de edições da Copa América.
Acusado das mesmas práticas corruptivas de Esquivel e Figueredo, Eduardo Li ainda tem ligação com Jeffrey Webb por conta da Concacaf, entidade que dita as regras às federações da América Central e do Norte. O principal chefe, inclusive, foi o primeiro dos sete presos a ser extraditado, ainda em julho.
Julio Rocha: um 'fantoche' da Fifa na América Central
Presidente da Federação Nicaraguense de Futebol durante 25 anos, cargo do qual debandou em 2012, unindo-se à Fifa para fazer parte do Comitê de Desenvolvimento na América Central, Julio Rocha ocupava o cargo de chefe da União Centroamericana de Futebol à época que foi preso. Ainda em meados de agosto, foi alvo de disputa entre a Justiça da Nicarágua, seu país natal, e dos Estados Unidos, autor da ação legal contra os 14 detidos em Zurique.
Por resolução do Instituto Federal de Justiça suíço, Rocha foi extraditado a Manágua, capital da Nicarágua, em vez de Nova York, onde se concentram as investigações da Procuradoria norte-americana. Depois de ter o recurso negado, Julio Rocha agora aguarda pelas resoluções da Justiça dos Estados Unidos. À época de sua extradição, a Procuradora Geral da Nicarágua, Julia Guido, reforçou as acusações de corrupção e peculato pelas quais Rocha será julgado no país natal
Costas Takkas: o braço direito de Webb na Concacaf
Com nacionalidade britânica e grega, Costas Takkas atuou como secretário na Federação de Futebol das Ilhas Cayman e se consolidou como um dos principais apoiadores de Jeffrey Webb à frente da Concacaf. Acusado de facilitar esquemas corruptivos entre federações e empresas, Takkas foi o quinto dirigente a ser extraditado aos Estados Unidos, no início de outubro.
Subordinado a Webb, que foi o primeiro a ficar em poder da Justiça norte-americana, Takkas é indiciado por estar presente nas negociações fraudulentas envolvendo direitos de publicidade e transmissão das competições da Concacaf. O dirigente, que tinha cinco dias a partir da decisão da Justiça para manifestar a intenção de recurso, não recorreu da decisão e aguarda pelo julgamento.