Mourinho defende invencibilidade em finais europeias em seu trabalho mais desafiador com a Roma
Treinador português comanda o time italiano na decisão da Europa League contra o Sevilla nesta quarta-feira, na Hungria
"Por favor, não me chame de arrogante porque o que eu digo é verdade. Sou campeão europeu. Não sou um qualquer, acho que sou o 'Special One.'" A frase, histórica por si só, define a carreira de José Mourinho ao longo dos anos à beira do gramado. Proferida em 2004, em sua coletiva de anúncio no Chelsea, ela se torna mais viva do que nunca quase duas décadas depois. Nesta quarta-feira, às 16h (de Brasília), o treinador português defende seu legado de invencibilidade em finais europeias na decisão da Europa League, entre Roma e Sevilla.
Por vezes arrogante e irreverente, o treinador português tem uma vida ligada ao futebol. Como jogador, ele correu atrás da bola em sete breves anos em clubes de pequena expressão do país. Mas como treinador, é um dos maiores da história do esporte, com passagens por gigantes da Itália, Espanha, Inglaterra e, claro, Portugal.
Desde 2002, quando foi promovido ao cargo de treinador do Porto, José Mourinho acumula títulos por sete dos oito clubes que comandou - a única exceção é o Tottenham, onde trabalhou entre 2019 e 2021. Após dizer que era o "Special One", explicou que queria defender que havia outros treinadores especiais no futebol - assim como ele, que havia acabado de conquistar a Champions League com o Porto.
Nunca houve modéstia nos anos seguintes de sua carreira. Mas Mourinho provou que realmente era especial. Campeão inglês em sua primeira temporada pelo Chelsea e da Champions League com a Inter de Milão, o treinador pavimentou seu caminho como um dos maiores da história logo na primeira década do século; nos anos seguintes, comandou Cristiano Ronaldo no Real Madrid e Ibrahimovic no Manchester United, conquistando glórias por ambos.
Eleito o melhor treinador do século 21 pela Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS), rivalizou com Pep Guardiola pelo posto ao longo de sua carreira. Perdeu espaço nos últimos anos, assim como tantos outros nomes que surgiram no início de 2000. Aos 60 anos, Mourinho volta a se provar com um trabalho categórico na Roma - talvez o mais desafiador de todos. Os dois treinadores, dizem os especialistas, caminharam em direções opostas. Mourinho valorizava um futebol mais defensivo e travado. Pep abraçou um estilo mais ofensivo. Os dois mostram que há caminhos diferentes para se chegar ao topo.
Roma
Contratado pela Roma na metade de 2021 após um trabalho medíocre no Tottenham, o único pelo qual não conquistou títulos, o treinador tinha de reconquistar sua confiança. Nos períodos que ficou "livre" no mercado, fez breves aparições como comentarista em transmissões ao vivo na Europa e até no Brasil - em 2019, comentou uma partida do Corinthians pela Copa Sul-Americana no DAZN - e já mostrava que não havia "desaprendido" sobre o esporte.
Chegou à Roma após o clube terminar na sétima colocação na temporada anterior, tendo somente a Liga Conferência para disputar - competição que fazia sua estreia no calendário da Uefa. Já tendo conquistado a Champions League (com Porto e Inter de Milão) e Europa League (com Porto e Manchester United), ele se tornou o primeiro, e único, treinador a festejar todos os três principais troféus da Uefa em pouco mais de duas décadas.
Com os principais jogadores da equipe mantidos, como Tammy Abraham, Smalling, Spinazolla, Ibañez, entre outros, Mourinho conseguiu repetir o bom desempenho nesta temporada. Ao chegar à decisão da Europa League, ele disputará sua segunda final com o time italiano em um ano, sem nunca ter sido eliminado de um mata-mata de competição da Uefa.
Caso derrote o Sevilla, maior campeão da Europa League, nesta quarta-feira, chegará a seu sexto título europeu na carreira, igualando Alex Ferguson, que conquistou o mundo pelo Manchester United. Também será o retorno do treinador à Champions League, que não disputa desde a temporada 2019/2020, quando ainda comandava o Tottenham. A final da edição do torneio feste ano tem um italiano, a Inter de Milão. Do outro lado, o time de Guardiola, o Manchester City.
"Somos um time que nos últimos meses jogou quartas de final, semifinal, jogos sem descanso no campeonato. Sem tempo para recuperação e jogando sem descanso. A história não joga e meu colega (José Luis) Mendilibar (técnico do Sevilla) pensa diferente porque acredita que a história o torna um favorito", afirmou Mourinho, rebatendo o favoritismo do Sevilla.
Acusação pesada
Em tempos em que o desempenho de times como o Manchester City, Real Madrid e Barcelona são vistos como o modelo a ser seguido, ofensivos e com pressão na saída da bola, a conquista da Roma significaria um retorno ao estilo defensivo que Mourinho eternizou na Inter de Milão ao parar o Barcelona do próprio Guardiola. Nas semifinais da Europa League desta temporada, não chutou ao gol na partida de volta e segurou o empate por 0 a 0 com o Bayer Leverkusen.
"É uma pena que um estilo de jogo como esse seja recompensado numa semifinal de tão alto nível. Isso é amargo, muito amargo. Também o é para o futebol. Mas temos de parabenizar nosso oponente. Atingiu seu objetivo de maneira asquerosa", afirmou Kerem Demirbay, meio-campista do Leverkusen após aquela partida. Montada com três zagueiro, a defesa da Roma não permitiu ser vazada ao longo dos 180 minutos do confronto.
O estilo de jogo é eficiente em torneios de mata-mata, mas em campeonatos por ponto corrido segue como um obstáculo para Mourinho. Desde 2014/2015, ainda com o Chelsea, ele não conquista um campeonato do tipo. Neste ano, terminou na modesta sexta colocação no Italiano, fora da zona de classificação da Champions League.
"Não penso muito naquilo que venci ao longo da carreira. O passado fica na história e não pode ser apagado. Olho sempre para o futuro, talvez esse seja o segredo da minha filosofia", afirmou, em entrevista à Sky Sport. Estou no futebol há muito tempo. Continuo a dar tudo de mim, e não estou preparado para fechar o círculo de todo. Estou no futebol há tantos anos que as pessoas pensam que sou mais velho do que aquilo que sou. Talvez vejam os cabelos brancos."
Para o treinador, nada mudou desde a temporada inaugural com o Porto. Além dos cabelos brancos como diz, o treinador nunca se mostrou preocupado com as críticas de imprensa e colegas de trabalho. Pelo United em 2018, após derrota por 3 a 0 para o Tottenham, ironizou que tinha mais títulos de Premier League do que todos os treinadores somados.
"Não sou velho o suficiente para fechar o círculo. Vão me ver durante muitos anos. Não me parece que haja um segredo. A questão é simples. Muitas vezes, nos esquecemos de que, no futebol e não só, o mais importante são as relações humanas", afirmou. São essas relações humanas que o levaram às lágrimas após a conquista da Conference League na última temporada ao bater o Feyenoord e que podem conquistar o segundo título europeu da história da Roma.
Referência
"O Mourinho é uma das figuras do futebol mundial que representou, representa e sempre será referência para a história do futebol. Além de conceitos técnicos e táticos, é um profissional e ser humano que sempre soube lidar com grupos muito heterogêneos, e que tem dentro de si a incansável vontade de continuar lutando por títulos e ser um vencedor', elogiou Júnior Chávare, diretor executivo da Ferroviária-SP e que já trabalhou com treinadores como Luiz Felipe Scolari, Vanderlei Luxemburgo, Muricy Ramalho, Jorge Sampaoli e Juan Carlos Osório.
CEO da Feel The Match e especialista em inovação e novos negócios na indústria do esporte e entretimento, Bruno Maia cita uma mudança fundamental para o treinador em sua carreira."O Mourinho é um dos maiores treinadores da atualidade, seu perfil rígido e sisudo fez com que distanciasse sua imagem da opinião pública. Por outro lado, um bom direcionamento digital fez com que ele tivesse a oportunidade de mostrar um lado que não estamos acostumados a ver. Os bastidores da vida pessoal e profissional são a melhor forma de se aproximar com seus fãs. E a série All or Nothing mostra esse lado pessoal dele. Para quem visse sem o conhecer, poderia imaginar que era um baita personagem de uma série de ficção. Mas não, era José Mourinho em estado bruto. E isso fez com que muita gente que não tinha acesso a esse lado, passasse a ser simpática ao treinador."