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O que esperar de Roberto Martínez como novo treinador da seleção portuguesa?

Escolha do espanhol ex-Bélgica decepciona torcedores, mas jornalistas enxergam contratação com leve otimismo

10 jan 2023 - 20h10
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Os rumores dos últimos dias se confirmaram na segunda-feira com o anúncio da seleção portuguesa de Roberto Martínez como novo treinador. A escolha foi bastante contestada pelos torcedores, uma vez que o país tem um bom número de profissionais locais que fazem ótimos trabalhos em todo o mundo e que poderiam ocupar a vaga.

A imprensa portuguesa, apesar de argumentar em prol da dúvida quanto ao futuro trabalho de Roberto Martínez, alimenta aspectos positivos que podem ser beneficiados na seleção a fim de despertar talentos e encontrar rumos novos que atendam o anseio do torcedor por bom futebol.

José Mourinho, Abel Ferreira, Sérgio Conceição, Jorge Jesus, Rui Vitória, Vítor Pereira, Paulo Bento, Paulo Sousa, Rúben Amorim, Bruno Lage, Nuno Espírito Santo, Leonardo Jardim, Luís Castro, André Villas-Boas... é extensa a lista de técnicos portugueses que ostentam títulos e bons trabalhos nos quatro cantos do planeta. Todos, porém, foram preteridos. Portugal terá como treinador um estrangeiro pela primeira vez desde o brasileiro Luiz Felipe Scolari (2002-2008). Uma condição única também se impõe: é a primeira vez que o comandante não fala português.

"O anúncio de Roberto Martínez não gerou nenhum entusiasmo em Portugal. Pelo contrário, houve mesmo críticas excessivas. O fracasso recente no Mundial (pela Bélgica) pesa muito e os nomes que foram apontados à seleção, como Mourinho e Zidane, despertaram altas expectativas. Com Fernando Santos, ficou a sensação de uma geração desaproveitada e é esse o receio para a nova etapa. Há muitos pontos de análise, mas o espanhol vai ter tempo para trabalhar e implementar um modelo de jogo que beneficie as individualidades", indica o jornalista português Tomás da Cunha, comentarista da TSF Rádio e da Eleven Sports.

NA CORDA BAMBA

Ao assumir Portugal, Roberto Martínez começa a se cacifar como "técnico de seleção". Nesta categoria, estão incluídos treinadores que, mesmo sem qualquer vínculo com determinados países, assumem o comando de seleções em busca de redenções pouco comuns. É o caso, por exemplo, de Vahid Halihodzic, Bert van Marwijk, Hervé Renard, Carlos Queiroz, José Peseiro, entre outros.

Portugal, por sua vez, encara uma mescla de frustração, alívio e honradez ao encerrar o vínculo com o antigo treinador. Já sob o comando de Fernando Santos, a seleção lusitana venceu a Eurocopa de 2016 quando parecia improvável. O auge foi com o troféu da Liga das Nações, em 2019. Com isso, as expectativas se elevaram. As ambições, idem. Com Cristiano Ronaldo como a cereja do bolo de uma equipe jovem e talentosa. Martínez terá em suas mãos, novamente, uma geração da qual se espera muito.

"Não é um nome consensual, bem pelo contrário. Chegar à seleção portuguesa neste momento, da forma como saiu do Mundial e com a responsabilidade de substituir Fernando Santos, que, apesar do futebol pouco atrativo, conseguiu dois títulos inéditos, não será fácil. Ainda para mais quando o próprio acabar de sair de um projeto pela porta dos fundos. Não sei se seria a minha escolha, mas mesmo assim, considero ser uma aposta interessante. Roberto Martínez terá dois desafios chave pela frente: devolver a alegria ao futebol da seleção, mantendo a competitividade demonstrada frente às equipes do topo (realidade durante parte da era Fernando Santos); e preparar o pós-Cristiano Ronaldo. Seja para o imediato ou depois do Euro-2024", analisa o português Diogo Miguel Nunes, narrador em A Bola TV, Eleven e FlashScore.

Para a Copa do Mundo de 2026, Roberto Martínez buscará lapidar Gonçalo Ramos, Rafael Leão, João Félix, Vitinha, Nuno Mendes, Dalot, entre outros. Não é certo que Cristiano Ronaldo está fora da equipe, mesmo disputando um campeonato de menor relevância na Arábia Saudita. Bruno Fernandes, como já fez no Catar, pode assumir a liderança técnica do time.

A seleção portuguesa tem como meta inicial se classificar sem problemas para a Euro da Alemanha, em 2024. Os primeiros jogos serão disputados em março, diante das fracas equipes de Liechtenstein (23) e Luxemburgo (26). Portugal está no Grupo J das Eliminatórias da Euro, tendo também as companhia de Bósnia e Herzegovina, Islândia e Eslováquia. As duas primeiras colocadas avançam diretamente ao torneio.

"Foi uma escolha surpreendente, contudo, não deixa de ser uma aposta que faz sentido. À semelhança dos belgas, Portugal tem uma das melhores gerações neste momento a afirmar-se e Roberto Martínez tem experiência em lidar com um cenário assim. Vai trazer mais arrojo tático, o que pode beneficiar alguns dos criativos e é um treinador que costuma contar com Eliminatórias tranquilas, o que não tem sido o caso português. Não vai ser tarefa fácil orientar a transição de Fernando Santos, o melhor treinador da história de Portugal (o único que conquistou títulos), lidar com a situação de Cristiano Ronaldo e uma eventual perda de protagonismo do capitão. Martínez tem matéria-prima para ter sucesso", opina o jornalista Bruno Henriques, do FlashScore.

"Apesar de ter pela frente dois adversários teoricamente muito acessíveis nas Eliminatórias, Roberto Martínez terá de demonstrar aos portugueses que a seleção é capaz de jogar um futebol com qualidade e apaixonante. Os ingredientes estão todos reunidos, basta perceber se o novo 'chef' estará à altura da tarefa. Expectativas para as próximas competições? Portugal tem de ser um potencial candidato a vencer todas elas", complementa Sérgio Magalhães, do Record.

O primeiro desafio de Roberto Martínez é aprender a falar português. Em entrevista coletiva, o treinador garantiu que essa é uma de suas prioridades.

O treinador espanhol já enfrentou Portugal em duas ocasiões. Em 2018, empate sem gols em um amistoso pré-Copa. Em 2021, na Euro, vitória magra belga por 1 a 0.

Taticamente, Roberto Martínez parece ter uma opção bem definida. O tempo do trabalho em uma seleção, cujos encontros se dão apenas cinco vezes por ano, beneficia o novo treinador, que poderá analisar com paciência quais os melhores modelos de jogo a adaptar a seleção portuguesa.

"Pela Bélgica, o 5-2-3 foi o sistema principal e sobram dúvidas sobre se vai utilizar o mesmo por aqui, sendo que Portugal não conta com muitos zagueiros de patamares elevados. Por outro lado, tem jogadores de nível alto na zona do meio campo. A flexibilidade tática vai certamente ser uma característica desta era", pontua o jornalista Tomás da Cunha, antes de apontar Cristiano Ronaldo como um fator decisivo para a tranquilidade do espanhol.

"Enquanto Cristiano Ronaldo não se aposentar oficialmente, vai ser um 'fantasma' em cima do treinador e parece claro que entra nas opções, com tudo o que isso pesa a nível de gestão tática e de vestiário. Resumindo, Portugal tem jogadores para ganhar cerca de 90% dos jogos. O que se exige é que Martínez melhore o nível de exibição e dê respostas táticas nas grandes competições", afirma Da Cunha.

CARREIRA BRITÂNICA

Roberto Martínez, 49, é espanhol, nascido na cidade de Balaguer, na Catalunha. Sua carreira como jogador não foi das mais especiais. Como meio-campista atuou na equipe de sua cidade e no Real Zaragoza B antes de partir para o futebol britânico, quando defendeu Wigan (Inglaterra), Motherwell (Escócia), Walsall (Inglaterra), Swansea (País de Gales) e Chester City (Inglaterra).

Ainda no Reino Unido, Martínez deu o pontapé inicial como treinador, passando novamente por Swansea e Wigan e dirigindo também o Everton de Liverpool. Como desempenhos medianos, nunca despertou interesse de grandes equipes do Campeonato Inglês. Demitido do Everton em 2016, assumiu a seleção da Bélgica poucos meses depois com o objetivo de liderar uma geração de ouro.

GERAÇÃO DE OURO? DE BRONZE!

Roberto Martínez classificou a Bélgica para a Copa do Mundo da Rússia, em 2018, e levou a seleção até o terceiro lugar. O ciclo para o Mundial do Catar, no entanto, deixou a desejar. Na Euro, em 2021, eliminação nas quartas de final, mas despachou Portugal nas oitavas. Na Liga das Nações, a melhor posição foi um quarto lugar (2020/21).

No Catar, novamente apontada como uma das potências, a Bélgica foi uma das grandes decepções, ao lado de Alemanha e Uruguai. Caiu ainda na fase de grupos em uma chave surpreendente, com os semifinalistas Croácia e Marrocos e o valente Canadá. A eliminação precoce encerrou a passagem de Roberto Martínez no comando técnico.

NÚMEROS DE ROBERTO MARTÍNEZ NA BÉLGICA

  • 80 jogos
  • 56 vitórias
  • 13 empates
  • 11 derrotas
  • 210 gols marcados
  • 70 gols sofridos
Estadão
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