Rogatto admite manipulação no futebol brasileiro: 'o que me dá dinheiro é rebaixar time'
Em depoimento à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, nesta terça-feira (8), o empresário expôs detalhes e envolvidos nos esquemas
O empresário William Rogatto admitiu a manipulação de jogos de futebol no Brasil, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas nesta terça-feira (8). Por videoconferência, o empresário declarou-se réu confesso, revelou a participação de atletas e árbitros nos esquemas e disse que já ganhou quase R$ 300 milhões. O lucro se deu através de rebaixamento de times de futebol em todo o país.
Com passagens por federações de futebol de todos os estados brasileiros, Distrito Federal e de nove países, o depoente afirmou que já rebaixou 42 times de futebol. Rogatto disse aos senadores, que conduzem a CPI, a existência do esquema de manipulação de jogos há mais de 40 anos.
— O sistema é muito além disso, os grandes não vão cair nunca. Estamos falando de dentro da CBF, de dentro das federações, tenho provas e vídeos. Isso não vai dar em nada, vai fazer vítimas do sistema e, no final, não vai acabar porque não é de agora. Isso existe há mais de 40 anos, eu fiz parte do sistema. Se eu tiver que pagar, vou voltar para o Brasil e pagar. Eu sou só apenas uma ferramenta, o mundo do futebol é muito mais do que a gente pensa. Não vai dar em nada, a gente vai passar por isso, nunca vai acabar, a maior máfia está dentro da federação - disse o empresário.
— Infelizmente, o que me dá dinheiro é rebaixar time. Se o presidente do time não está preocupado com o time dele, eu vou estar? Eu ganho dinheiro perdendo jogo, entregando jogo. É por isso que eles me chamavam de rei do rebaixamento desde 2009. Eu sempre rebaixei clube, e clube grande, viu? O Coruripe, de Alagoas, e um time muito forte do Maranhão eu rebaixei. O melhor campeonato da minha vida é o carioca. Em São Paulo eu rebaixei alguns, também em Goiás, mas o maior alvo hoje são os clubes pequenos — afirmou.
— Basicamente, eu engano o presidente do clube. Vou pagar ele para colocar os meus atletas. Aquele time vai perder, ele vai me beneficiar nas minhas apostas. Alguns presidentes sabiam e aceitavam. Eu rebaixei 42 clubes no Brasil. Eu só posso ganhar dinheiro com eles caindo. Peguei dinheiro demais com os caras. Quando eu comecei, eu comecei sozinho, mas a ganância me dominou. Para isso eu tinha que colocar mais algumas pessoas no sistema, as pessoas viam que era lucrativo e centenas e centenas de empresários investiram em meu negócio. Eu tinha meus jogadores, meus atletas e entrava nos clubes, enganava alguns presidentes e alguns compactuavam comigo. O modus operandi é complexo, mas o básico é isso - revelou ao senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que preside a CPI.
AMEAÇAS
Investigado na na Operação Jogada Ensaiada, da Polícia Federal, e na Operação Fim de Jogo, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), William Rogatto, hoje com 34 anos, disse que participa de esquemas desde 2009, quando tinha 19 anos e criou uma casa de apostas com foco na manipulação de apostas esportivas. Quando questionado pelo senador Romário (PL-RJ) sobre a possibilidade de realizar uma delação premiada, Rogatto disse que a condição não o daria a devida proteção, uma vez que diz estar recebendo ameaças de envolvidos nas manipulações.
— O esquema não é pequeno, há pessoas que já ganharam muito dinheiro comigo. Tenho muitos anos nisso, trabalhei em todos os estados do Brasil e trabalhei fora, é muito além disso daí que vocês estão buscando. Se eu não fui o maior, fui um dos maiores; se não fui o maior do Brasil, fui o mais organizado do Brasil. Tem outros grupos, não vou ficar falando deles. São pessoas perigosas. Só resolvi falar hoje porque estou pensando que tem que acabar com isso aí. Eu vejo torcedor se matando, hoje a gente vê torcida do Corinthians, o torcedor sofre pelo time e mal sabe do que acontece nos bastidores. Eu pago muito bem por um gol. Não estou protegido para mexer com os caras que estão acima de mim. Se eu mexer, eu vou cair. Eu sou grande até um ponto, mas acima de mim tem (outros) - revelou.
ENVOLVIDOS
Em resposta aos senadores, Rogatto disse que jogadores, árbitros e até políticos estão envolvidos no esquema. Questionado por Kajuru sobre as possíveis participações dos times do Palmeiras e São Paulo, o depoente respondeu sobre suas experiências com as equipes paulistas.
— É uma opinião minha, não sei se aconteceu ou não, está nitidamente, é só você olhar os gols. Os jogadores hoje, às vezes dois jogadores, desestruturam totalmente um jogo. Tem presidente que sabe e compactua com isso, tem presidente que eu engano, tem presidente que está ali para ganhar o dele, tem presidente que não compactua. Todos os jogos que eu fiz no Palmeiras eu ganhei - afirmou Rogatto.
— Sim, tem muitos (atletas da Série A envolvidos), diversos. Tem jogadores que, no dia em que eu falar para você, você vai falar "eu não acredito nisso, não". E já esteve próximo de você, é algo que eu vou apresentar a vocês, para vocês fazerem o que tem que ser feito. Eu sempre paguei muito bem para esses caras - disse.
— Tinha árbitros também, dos dois. Um árbitro hoje oficial ganha em torno de R$ 7 mil por jogo, eu pagava R$ 50 mil para ele, o árbitro ganha pouco, o gatilho do futebol está na máfia, que é a confederação, é a CBF, que tem recursos e não passa. É tão simples, é uma matemática tão perfeita, não vê quem não quer. Está tão feio que, como não acontece nada, o sistema não faz nada, você vem e oferece um dinheiro fácil. Isso é um gatilho da corrupção que temos no Brasil. Eu sou uma máquina que estou oferecendo para o atleta dinheiro fácil e dando dignidade para ele oferecer comida ao filho dele - respondeu ao senador Carlos Portinho (PL-RJ) sobre a participação de árbitros de confederações e da Fifa no esquema de manipulações que comandava.
— Tem político, vereador, prefeito. O sistema é único e para entrar é preciso de pessoas. Todo mundo gosta de dinheiro. Eu sempre procurei entrar pelas secretarias de Esporte - declarou ao senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Para os senadores, Rogatto afirmou que a manipulação de apostas esportivas favorece os jogadores envolvidos e também citou outros esportes que foram envolvidos nos esquemas.
— Eu estou dando condições aos atletas de ter um salário hoje de time pequeno. As federações e a CBF estão pegando dinheiro de todo mundo e não dá nada. Eu sou apenas um lambari no meio do sistema. Eu também já fiz vôlei de praia e futsal - disse.
CASAS DE APOSTAS
Para William Rogatto, os patrocínios de casas de apostas aos times de futebol são "gatilho" para que as situações de manipulações aconteçam.
— Quando uma bet patrocina o seu clube, automaticamente o jogador se transforma em aposta, ele não recebe um salário digno e a bet vem e dá um suporte. Já operei nos 27 estados e no Distrito Federal, onde bati de ferente com um cara muito forte. A gente vai na luta de poder. Infelizmente, eu perdi e fiquei exposto. Hoje, no futebol do Candangão, tem um cara que é poderoso e tem três clubes. Isso já é manipulação, já começou errado. O sistema é muito além do que a gente está fazendo aqui. Apreenderam coisas minhas, me pegaram em 2020, o sistema pode acabar comigo, mas não vai acabar - afirmou.
Contribuindo com a CPI, o empresário se colocou à disposição dos senadores para revelar detalhes do sistema de manipulações esportivas e exibir fotos, vídeos, gravações, documentos e outras possíveis provas das negociações do esquema. A comissão deverá se reunir com Rogatto na próxima semana, quando vai a Portugal, onde está o depoente.
Texto com informações da Agência Senado.