Torcedores fazem 'leilão' de ingressos da Copa nas redes sociais
Quanto vale assistir à final da Copa do Mundo no dia 13 de julho do melhor lugar nas arquibancadas do Maracanã? Segundo a Fifa, R$ 1.980 seriam suficientes para uma experiência como essa. Mas para alguns torcedores, tal privilégio pode valer pelo menos cinco vezes esse valor. Ou quanto o "mercado paralelo" da Copa permitir.
A Fifa proíbe a revenda de ingressos do Mundial e, de acordo com o Estatuto do Torcedor (lei federal 10.671), "vender ou fornecer ingresso por um preço superior ao indicado no bilhete" é crime. Ainda assim - e apesar de ainda haver ingressos oficiais disponíveis, pelo menos para jogos menos procurados da fase de grupos - , não é preciso muito esforço para encontrar milhares de pessoas negociando entradas para jogos da Copa pelas redes sociais. E, na maioria das vezes, os preços "padrão Fifa" são ignorados.
"Brasil e Camarões. Próximo ao gramado. Inteira. Apenas 1 ingresso. Categoria 3. r$ 2.000(sic)"), anuncia um dos "vendedores" em um grupo fechado no Facebook com quase 10 mil pessoas. O nome do grupo não esconde muito o objetivo de quem está ali: "Compra/Venda/Troca de ingressos para a Copa 2014".
O ingresso oferecido - jogo de primeira fase da segunda categoria mais barata - custou R$ 180 pelo site da Fifa, único canal oficial de venda de ingressos do Mundial. O valor pedido - mais de 10 vezes o preço impresso no ingresso - é um reflexo do "leilão" da Copa nas redes sociais. Entender como funciona é simples: quem dá mais, leva.
Até estratégias típicas do varejo são usadas para "ganhar" compradores. "BAIXOU, BAIXOU, BAIXOU, ESTOU VENDENDO A PREÇO DE CUSTO. Tenho o seguinte jogo: Suíça x Equador Cat 1 em Brasília, 4 ingressos inteiros. Ótimos lugares e lado a lado. R$ 350,00 cada um. Interessados inbox", postou um participante de um dos grupos, com tom de camelô.
Assim como esse, existem outras dezenas de grupos no Facebook com o mesmo intuito de negociar ingressos da Copa do Mundo. Alguns são fechados e têm um administrador para autorizar a entrada de novos membros e "gerir" os posts, outros são abertos para quem quiser ver, ler e participar.
O negócio
Tudo começa com o post do anúncio. "Compra, troca ou vende ingresso para qual jogo e por quanto?" O valor, porém, muitas vezes não é negociado publicamente e só é revelado em mensagens particulares com os vendedores. É justamente aí que começa o "leilão" com as entradas.
Participantes dos grupos relatam que muitas vezes o vendedor aumenta o preço da entrada depois de já ter anunciado um valor inicial - tudo, dizem eles, baseado na lei da oferta e da procura. Sem falar nos perfis falsos com fotos genéricas - de Fuleco, de taça da Copa, etc - criados somente para fazer negócios com ingressos no Facebook.
Para quem achava os preços da Fifa já um pouco salgados, o "mercado paralelo" da Copa do Mundo oferece opções bem mais indigestas - muito diferentes dos preços impressos nos ingressos.
Quando os valores cobrados destoam muito da realidade, os próprios membros dos grupos tendem a criticar os vendedores publicamente. Uma mulher anunciou ingressos para o jogo da primeira fase entre Bélgica e Rússia da categoria 4 - a mais barata - no Maracanã por R$ 1.100 - 18 vezes o preço cobrado pela Fifa, que é de R$ 60. Junto com ele, ela colocou uma lista de ingressos, sempre pedindo valores pelo menos 10 vezes mais caros do que o oficial. Nos comentários, ela foi alvo de piadas: "1.300 reais cat 4? HAHAHA, trabalhar ngm quer ne?"
Outra pessoa, no grupo também fechado "INGRESSOS COPA DO MUNDO 2014", que tem mais de 12 mil membros, ofereceu uma entrada da categoria 4 para a semifinal na Arena Corinthians por R$ 3.000 - 27 vezes mais do que o preço pedido pela Fifa no mesmo ingresso (R$ 110).
Os valores exorbitantes são reflexo do grande motivo que tem levado os "torcedores comuns" a criarem o "mercado paralelo da Copa". Uma oportunidade de ganhar muito dinheiro. É isso que leva grande parte deles a negociar os ingressos nas redes sociais. Alguns entram nos grupos realmente porque não conseguirão ir aos jogos que compraram, mas quando se deparam com o "leilão" no Facebook, acabam sendo tentados a lucrarem um pouco (ou muito) mais com suas entradas.
Uma das pessoas com quem a reportagem da BBC Brasil entrou em contato estava oferecendo o jogo Brasil x México na primeira fase, categoria 3, a R$ 1.800 - 10 vezes mais do que o valor impresso no ingresso. Mas ao negociar a entrega, ela acabou desistindo da tentação de lucrar com a partida: "Meu filho está implorando para não vender, vou com ele ao jogo".
Enquanto uns reclamam do "abuso", outros defendem as "leis" do mercado. "Quero ver achar alguém vendendo pelo preço que pagou com um monte de gente pagando mais. É a lei da oferta e da demanda", comentou um dos membros do grupo em um dos posts de venda com preços muito acima dos da Fifa.
Contra a lei
Uma vez negociado o ingresso, os comerciantes das redes sociais partem para o acordo sobre a entrega. A maioria prefere mandar as entradas pelo correio (Sedex), mas algumas marcam um ponto de encontro na cidade em que moram para efetivarem a venda. O grande problema nesse caso é que existe o risco do flagrante pela polícia.
A Polícia Civil, por meio da Delegacia do Consumidor (Decon), está empenhada em inibir o comércio de ingressos do Mundial e criou a "Operação Torcedor" justamente para investigar os cambistas. Na terça-feira, uma mulher foi presa vendendo ingressos da Copa do Mundo por R$ 7.000 em um shopping da zona norte do Rio de Janeiro.
Para combater o problema, a Polícia tem adotado ações de inteligência e monitoramento, inclusive em redes sociais, para localizar os "torcedores-cambistas". Segundo o delegado Ricardo Barboza, da Decon do Rio de Janeiro, três pessoas já foram presas em flagrante e outra não foi autuada, mas está respondendo pelo crime de cambismo.
"Na Copa do Mundo, as pessoas estão vislumbrando uma oportunidade de auferir uma renda extra com a venda de ingressos, o que eu estou denominando de 'cambista ocasional'. São pessoas que não fazem desta prática um meio de vida, mas como os preços estão altos, vislumbram uma oportunidade financeira", disse à BBC Brasil.
A Fifa tem trabalhado em parceria com as autoridades brasileiras e também em outros países para acabar com a ação de cambistas na Copa do Mundo. A entidade não quis revelar detalhes das ações que têm tomado para combater o problema, mas explicou que usa "estratégias legais, operacionais e educacionais" para ajudar a resolver a questão. Na semana passada, a Fifa divulgou um comunicado sobre o tema, alertando as pessoas para a venda ilegal e para os ingressos falsos que estão sendo comercializados.
A entidade reforça que disponibiliza uma plataforma de revenda de ingressos para os torcedores que, por algum motivo, não possam ir a algum jogo que compraram. É a única forma autorizada para revender um ingresso. Nesse caso, eles podem retornar a entrada para a Fifa, que revende o tíquete e repassa o valor pago pelo comprador inicial com um desconto de uma taxa de 10%.
Outra medida para diminuir a ação dos cambistas é fazer o ingresso da Copa ser nominal. Mas, nesse caso, a fiscalização na entrada do estádio - com os seguranças conferindo nome impresso no tíquete e documento com foto do dono dele - acaba não acontecendo.